Novo estudo de economistas do FMI diz que política industrial é, sim, um ingrediente fundamental para um país saltar da renda média para o nível do mundo avançado (como Coreia do Sul e Taiwan fizeram). Mas será que o Brasil (e outros países da América Latina) tem as pré-condições para que o intervencionismo do tipo asiático funcione?
Fernando Dantas
10 de julho de 2019 | 12h52
10 de julho de 2019 | 12h52
O
Brasil, como outros países da América Latina, é uma economia atolada há
décadas na armadilha da renda média. Enquanto isso, diversos países
asiáticos desenvolvem-se em ritmo célere e de forma aparentemente
sustentada.
Se
esse contraste se mantiver nas próximas décadas (como ocorreu nas
passadas), brasileiros viajarão daqui a 20 ou 30 anos para países como
China, Tailândia ou Vietnã como hoje vão a Portugal ou Espanha – isto é,
sabendo que estão indo para países que, embora ainda não tenham chegado
na ponta mais avançada, têm nível de desenvolvimento econômico, social e
principalmente humano muito superior ao nosso.
O fato consumado
do desempenho superior e invejável dos países asiáticos provoca muita
celeuma nas discussões ideológicas entre economistas no Brasil. Para
entendê-la, é preciso detalhar um pouco as diferenças de modelos.
Há
várias diferenças claramente observáveis entre as economias e
sociedades asiáticas e a brasileira (e, de certa forma, de vários países
latino-americanos). O que vai a seguir é uma simplificação – nem todos
os países asiáticos correspondem a todas essas características, mas é
uma esquematização razoável.
Em relação ao Brasil e boa parte da
América Latina, os asiáticos poupam e investem substancialmente mais. A
qualidade da educação é superior. As jornadas de trabalho são mais
longas. As leis, mais duras.
Adicionalmente, o Estado tem um papel
coordenador da economia em algumas das mais bem-sucedidas economias
asiáticas, como já se tentou fazer várias vezes no Brasil, mas de forma
em média malsucedida. Aqui, o intervencionismo provocou surtos de
crescimento – como na era Geisel e no governo Lula –, mas seguidos de
longas ressacas de crise e estagnação.
Economistas mais liberais
atribuem o desempenho superior dos países asiáticos às primeiras
distinções mencionadas: poupança, investimento, educação, trabalho e
disciplina. Já os heterodoxos acreditam que a coordenação estatal da
economia (não confundir com estatismo) é um ingrediente chave do sucesso
da Ásia.
Há liberais que consideram, inclusive, que os países
asiáticos se desenvolvem “a despeito” do intervencionismo. No entanto,
em um recém divulgado artigo, dois economistas do FMI, instituição
insuspeita de pender para heterodoxia, argumentam que política
industrial – a expressão normalmente usada para diferentes formas de
coordenação estatal da economia – é, sim, fundamental para que países de
renda média consigam dar o “salto” que leva ao nível de desenvolvimento
do mundo avançado.
Segundo Reda Cherif e Fuad Hasanov, os autores
do artigo, há mais a aprender com o sucesso de alguns países asiáticos –
que, em termos quantitativos, representam a exceção, e não a regra do
que ocorre com os países de renda média – do que com a coleção muito
mais ampla de fracassos em diversas partes do mundo.
Eles apontam
três características de políticas industriais eficazes. A primeira é a
intervenção estatal para consertar falhas de mercado que impedem o
surgimento precoce de produtores domésticos em setores sofisticados,
para além das vantagens comparativas específicas do país.
Os dois
outros princípios são a orientação exportadora (em vez da substituição
de importações) e um ambiente de competição acirrada tanto interno
quanto externo (com muita prestação de conta por parte dos setores
incentivados).
Na corrida do desenvolvimento, Cherif e Hasanov
veem três categorias de países (excluindo os casos perdidos) em termos
de “política tecnológica e de inovação”, outro nome para política
industrial.
Os países em “marcha baixa” são aqueles cujo modelo é
apenas a receita liberal mais estrita: estabilidade macroeconômica,
melhora de ambiente de negócios, investimento em educação, minimização
da intervenção do governo. Segundo os autores, esse modelo “pode não ser
suficiente para sustentar crescimento alto por longo tempo”.
A
“marcha média” aparentemente, pelos exemplos citados, Chile e Malásia,
inclui como pré-condição boa parte das características da marcha baixa,
como estabilidade macro e bom ambiente de negócios. Mas inclui novos
ingredientes, como atrair investimento estrangeiro em setores
sofisticados e galgar a escada da tecnologia nos setores já existentes.
Cherif
e Hasanov dizem que esse modelo pode produzir crescimento veloz, mas
provavelmente não o suficiente para chegar ao nível das nações avançadas
em duas gerações.
Já nos países em “marcha alta”, cujo melhor
exemplo são Coreia e Taiwan (mas a China parece estar no mesmo caminho),
o Estado intervém para criar um ambiente competitivo para as empresas
domésticas nos setores de fronteira tecnológica. Esses países são
aqueles que conseguem dar o salto até o mundo avançado.
A grande
questão, entretanto, é saber se o modelo de “marcha alta” pode ser
bem-sucedido em qualquer país, ou se dá certo apenas naquelas sociedades
que têm as “virtudes ortodoxas”: equilíbrio macroeconômico e fartas
doses de poupança, investimento, estudo, trabalho e disciplina.
Em
caso de resposta negativa, a pergunta seguinte é óbvia: qual então o
melhor modelo para que o Brasil volte a convergir para o nível dos
países avançados, na velocidade possível (não necessariamente a dos
asiáticos), em vez de ficar estagnado e até regredir em termos
relativos, como vem acontecendo?
Fernando Dantas é colunista do Broadcast
Esta coluna foi publicada pelo Broadcast em 9/7/19
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