A desigualdade econômica é perceptível em quase todos os países do mundo e até mesmo dentro de um mesmo país. Por ser um tema pertinente e relevante em contextos políticos, acadêmicos, sociais e econômicos, é importante que entendamos as suas causas. Neste texto, portanto, abordaremos cinco causas relacionadas à desigualdade econômica, com o objetivo de oferecer uma visão ampla desse problema histórico e estrutural.
O QUE É DESIGUALDADE ECONÔMICA?
A desigualdade econômica se caracteriza pela distribuição desigual de renda em determinada região, sendo influenciada por fatores históricos, sociais e pela falta deinvestimento em políticas sociais.
Existem diversas formas de se medir a desigualdade social e econômica de um país, através de indicadores usados como meio de comparação entre países e regiões. Entre elas estão a renda per capita, ou seja, a soma de todos os salários dividida pelo número de habitantes. Nesse caso, a medida será relativa a contextos populacionais e geográficos e nem sempre será a melhor forma de mensurar as desigualdades de um país, já que desconsidera diferentes classes sociais. Existe também o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), que serve como um indicador geral de qualidade de vida, considerando fatores como expectativa de vida ao nascer e o acesso à educação.
Além desses indicadores, o estatístico italiano, Corrado Gini, desenvolveu, em 1912, o Coeficiente de Gini, que se tornou o principal indicador para medir desigualdade de renda. Para isso, o Coeficiente de Gini relaciona a percentagem de pessoas com a percentagem de renda em determinado país. O resultado em pontos percentuais é multiplicado por 100, e resulta em uma escala de 0 a 1, onde 0 corresponde à completa igualdade (todos recebem a mesma renda) e 1 corresponde à completa desigualdade (uma pessoa recebe toda a renda nacional). Não existe nenhum país em absoluta igualdade ou absoluta desigualdade, embora a distância entre os países mais desiguais e mais iguais seja bastante significativa.
De acordo com as estimativas mais recentes do Banco Mundial, os cinco países mais desiguais são a República do Congo, Botswana, Haiti, Namíbia e África do Sul – exceto pelo Haiti, que fica na América Central, os outros são países africanos. Em contraste, os países menos desiguais são Ucrânia, Eslovênia, Noruega, República Eslovaca e República Checa, todos países europeus.
Em 2016, o Brasil apresentou um índice de 0.5130, que o classificou como décimo país mais desigual do mundo e representou um acréscimo de 0,99% em relação a 2015. Além disso, possui índices piores que o de países vizinhos, como Argentina, Peru e Bolívia. Já em 2017, o índice de desigualdade de renda no Brasil apresentou um crescimento acelerado, subindo 1,64% e mantendo a posição brasileira no ranking mundial.
1. Heranças Coloniais
A herança colonial é um fator comum em quase todos os países da América Latina e da África, especialmente aqueles que foram colonizados por países como Portugal, Espanha, Inglaterra e França. Para o propósito deste texto, vamos focar no Brasil. É evidente que a formação da estrutura sociopolítica e econômica do nosso país foi profundamente influenciada por uma estrutura colonial hierárquica, centralizada e discriminatória, onde havia pouco interesse em distribuir riquezas, dar direitos políticos àpopulação local e incluí-la na administração e consumo de produtos nativos. Durante o período de dominação portuguesa, a maior parte da produção local brasileira era drenada pelo mecanismo de circulação colonial, já que os preços dos produtos metropolitanos eram altíssimos e mais de 90% da renda disponível era concentrada nas mãos dos poucos proprietários de engenhos e plantações.
Os povos ibéricos (vindos de Portugal e Espanha), pelos quais fomos colonizados, trouxeram um modelo de colonização marcado pelo uso intensivo da mão-de-obra escrava e da estrutura latifundiária, que serviu para consolidar um sistema econômico exclusivo, já que colocava grandes partes da terra nativas nas mãos de poucos. As raízes da nossa sociedade são, portanto, altamente desiguais.
Com o tempo e com sua independência, o Brasil continuou a focar seus esforços econômicos na exportação. Quando as mesmas estancaram devido a crises mundiais, o país passou por um período ainda maior de aumento da desigualdade. Enquanto países como a Inglaterra falavam de direitos individuais e formalmente iguais, as populações livres eram marginalizadas no Brasil, por não terem sido devidamente amparadas após a abolição da escravatura.
Após esse período, passamos por diversas oscilações econômicas, que também se refletiram nos nossos níveis de desigualdade social e de renda. Diversas políticas públicas foram criadas ao longo da história com a intenção de, direta ou indiretamente, reduzir as desigualdades econômicas. As políticas de transferência de renda são um exemplo, bem como alguns programas de microfinanciamento, capacitação profissional e acesso à educação.
Comparando o Brasil a outros países com profundas desigualdades, percebemos várias similaridades. Assim como nós, todos os países com altas taxas de desigualdade econômica (medidas pelo Coeficiente de Gini), foram colônias europeias. Além disso, vale notar que a maioria dos países com altas taxas de desigualdades se tornaram independentes nos últimos 60 anos. Com exceção do Haiti, que conquistou sua independência da França em 1825, todos os países com as maiores taxas de desigualdade econômica conquistaram sua independência entre 1960 e 1990. É evidente, portanto, que o legado colonial também tem impacto indireto sobre países que herdaram um modelo político e econômico centralizado, já que se torna mais difícil reverter esse impacto quanto maior o tempo de colonialismo.
A desigualdade econômica é um problema histórico, estrutural, e muito complexo. Legados coloniais como a concentração de renda e de terras não serão resolvidos com uma solução simples e imediatista. Um bom começo é reconhecer a gama de causas e fatores por trás dos números apresentados por índices como o Coeficiente de Gini. Além de ser inflexível e de drenar os recursos nativos para o exterior, a estrutura colonial também era patriarcal e racialmente discriminatória. Com isso, países com altas taxas de desigualdade social e de renda também costumam ter grandes disparidades de gênero e raça, como veremos a seguir.
2. Desigualdade de gênero
O segundo fator de correlação com desigualdade econômica é a desigualdade de gênero. O Fórum Mundial de Economia (World Economic Forum) afirma que a desigualdade de gênero influencia diretamente os índices de desigualdade econômica em determinada região. O Fórum apresenta três motivos: a desigualdade salarial, já que quanto maior a desigualdade salarial entre homens e mulheres, maior a desigualdade financeira na região; mulheres tendem a trabalhar no setor informal, onde recebem menos que homens; e a desigualdade de oportunidades entre gêneros, especialmente no acesso à saúde e educação, é fortemente associada a desigualdade econômica.
Para chegar a tais conclusões, o Fórum estudou as desigualdades econômicas em cerca de 140 países nas últimas duas décadas, usando o Coeficiente de Desigualdade de Gênero das Nações Unidas (United Nations Gender Inequality Index), que apresenta desigualdades de gênero na representação política, no mercado de trabalho, no acesso à educação, entre outros. O principal resultado apontado pelo Fórum é que um aumento de 0 a 1 nesse coeficiente multidimensional corresponde a um aumento de quase 10 pontos no Coeficiente de Gini.
Portanto, evidências mostram de que a equidade de gênero (definida pelo Banco Mundial como igualdade perante à lei, à oportunidades e à liberdade de expressão), bem como a maior participação feminina no mercado de trabalho, favorecem os índices de desenvolvimento e a redução de desigualdade econômica. O Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) afirmou, no Relatório do Desenvolvimento Humano de 2016, que “não será possível alcançar o desenvolvimento humano se metade da humanidade é ignorada. A desigualdade de gênero e a falta do empoderamento das mulheres é um desafio ao progresso global em todas as regiões e grupos”.
No Brasil, mesmo com conquistas como a universalização da educação, mulheres ainda enfrentam desigualdades estruturais. Conforme dados do IBGE, apesar das taxas de frequência escolar no ensino médio e superior serem maiores entre mulheres, sua média salarial ainda é menor que a dos homens, além de ocuparem menos de 40% das posições de gerência e constituírem pouco mais de 10% na Câmara de Deputados, enquanto compõem 50,6% da população brasileira.
3. Segregação racial
A segregação de pessoas de acordo com sua raça e/ou etnia também caracteriza uma causa estrutural da desigualdade econômica. Tal fato pode ser observado tanto nível nacional quando local. A nível nacional, observamos a segregação racial em países onde a mesma foi institucionalizada. A nível municipal, a observamos em espaços urbanos onde existe uma segregação racial territorial, que se apresenta pelo menos de duas formas: em aglomerados populacionais (favelas) – onde há maior concentração de pessoas negras – e no acesso desigual à espaços públicos e serviços, já que eles são mais facilmente acessados pela população branca concentrada nos grandes centros.
Esse exemplo é muito visível em países como a África do Sul, que experimentou períodos de segregação racial institucionalizada com o regime do Apartheid. Tal regime propagou a separação racial entre 1948 e 1994 e deixou legados contra os quais o país ainda luta. Hoje, a África do Sul enfrenta um índice de desemprego de 25%, em que a maioria dos desempregados são negros. Segundo um censo realizado em 2011, os cidadãos negros, que compõem quase 80% da população total, ganham, em média, um sexto do salário dos cidadãos brancos.
No Brasil, essa situação também é notável, ainda que a segregação não tenha tido amparo legal ao longo da história. Um exemplo visível de segregação racial no Brasil, que também exemplifica sua relação com a desigualdade econômica, são os espaços urbanos. O sociólogo Danilo França pesquisou o problema usando como referência a cidade de São Paulo e chegou à conclusão de que a segregação pode ser observada no acesso a recursos, ao mercado de trabalho, a serviços públicos e a equipamentos culturais e de consumo. De acordo com ele, os grupos concentrados em periferias possuem menos acesso a recursos importantes para o seu desenvolvimento, que se concentram em bairros centrais. De forma similar, a geógrafa e pesquisadora Luciana Maria da Cruz afirmou que, pelo fato de a história do Brasil ser marcada pela concentração de riquezas, a desigualdade socioespacial se tornou uma consequência, e a raça, um fator vinculado a isso. Na medida em que os espaços públicos perdem sua coletividade, conjuntos habitacionais passam a ser ocupados por pessoas de classes econômicas altas e as regiões centrais são supervalorizadas, e assim alguns grupos tendem a se isolar, criando ainda mais desigualdade econômica e social.
Para diminuir a desigualdade de renda é necessário resolver problemas como a segregação racial e a desigualdade de gênero, e para isso, é preciso que o poder público, o poder privado e a sociedade de civil façam a sua parte. Precisamos de políticas públicas que incentivem planejamentos urbanos que favorecem a “mescla social”, de empresas que percebam as vantagens em trabalhar-se com equipes de gênero e raça diversas e de uma sociedade disposta a quebrar preconceitos.
4. Localização geográfica e comércio exterior
Desde o período colonial, a localização geográfica serviu para posicionar os países dentro do sistema de comércio internacional. Alguns internacionalistas e economistas contemporâneos argumentam que o isolacionismo geográfico – ou seja, ficar longe dos oceanos, mares e portos – pode ser a principal explicação para falta de desenvolvimento em alguns países africanos, como o Lesoto e a República Democrática do Congo, já que dificulta a integração econômica.
Aliado a isso, países que constroem conexões com a economia global possuem benefícios que vão além da troca de mercadorias. Finanças, turistas, estudantes e recursos de comunicação também atravessam fronteiras. Pesquisas mostram que países que estão conectados com essa rede global podem acrescentar até 40% a mais no seu Produto Interno Bruno (PIB). No entanto, para que sirva para diminuir a desigualdade econômica, essa integração deve ser aliada a políticas públicas domésticas que fortaleçam a distribuição de renda e o acesso a oportunidades.
No Brasil, por exemplo, os benefícios do comércio exterior não são distribuídos igualmente em todo território brasileiro. Estados com maior porcentagem de exportações possuem maior porcentagem do PIB, conforme uma pesquisa realizada por Marie Daumal. Estados mais pobres, como Piauí, Acre, Rio Grande do Norte e Alagoas, por exemplo, ganham muito pouco com a abertura econômica. Guilhermo Perry, um economista do Banco Mundial, explicou que essas desigualdades regionais têm relação com o desequilíbrio do mercado de trabalho. Quando o Brasil passou a se integrar com o comércio internacional, a demanda de trabalho para desenvolver indústrias aumentou. Porém, a maioria dos trabalhadores, especialmente em regiões mais pobres, não tinha as habilidades necessárias para essa nova configuração do mercado, e acabaram recorrendo ao trabalho informal. No mundo globalizado em que vivemos hoje, o comércio internacional impacta diretamente a empregabilidade dos trabalhadores e, com isso, os níveis de desigualdade econômica entre países e dentro de um mesmo país.
Para que um país participe do sistema internacional e não seja prejudicado pelo isolamento geográfico e econômico e nem pelo aumento em desigualdades econômicas internas, é preciso que a política econômica internacional seja aliada a políticas internas, como redistribuição de renda, profissionalização e, é claro, educação.
5. Acesso à Educação
O acesso à educação é um fator decisivo no nível de desigualdade social e econômica de um país. A falta de escolarização de algumas classes sociais é apontada por diversos estudos como uma das principais causas da pobreza e da desigualdade de renda. Ao mesmo tempo, o acesso a educação é visto como a solução para reduzir tais desigualdades.
Como percebemos, o problema da desigualdade econômica é estrutural e tem múltiplas faces, com suas raízes na formação social e histórica do Brasil. Conforme os mercados de trabalho se modernizaram e se tornaram mais competitivos, o acesso à educação se tornou requisito para que se tenha uma boa renda e para que se possa responder às demandas do mercado.
Expandir o acesso à educação gera crescimento econômico e ajuda a quebrar os ciclos de pobreza generacional, que acontece quando a condição de pobreza permanece em uma determinada família por mais de duas gerações. Estudos conduzidos pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) apontam que o impacto de políticas públicas que focam na expansão do acesso à educação contribuem para redução das desigualdades de renda, especialmente em países em desenvolvimento como o Brasil.
Entre os anos de 1990 e 2005, as desigualdades de renda variaram significativamente em diferentes regiões. Em geral, reduções nas desigualdades no acesso à educação causaram reduções nas desigualdades de renda, especialmente em economias emergentes e em desenvolvimento. Da mesma forma, projeções realizadas em pesquisas do FMI confirmaram que a expansão do acesso à educação continuará a ter esse mesmo efeito.
Ao comparar os resultados do PISA (Programme for International Student Assessment), o teste que classifica a retenção acadêmica de estudantes no mundo todo em matemática, ciência e leitura, com os Coeficientes de Gini das nações, percebemos que os países com maiores notas nos testes do PISA também são aqueles com menores índices de desigualdade econômica. Os mapas abaixo mostram a classificação mundial por Coeficiente de Gini (mapa 1) e por notas no PISA (mapa 2), respectivamente.
Em ambos os mapas, os países em vermelho são aqueles que obtiveram os piores desempenhos, ou seja, os maiores índices de desigualdade e as menores notas no PISA. Em geral, países Latino-Americanos, por exemplo, possuem altas taxas de desigualdade e também baixo desempenho escolar, enquanto países do norte europeu, por exemplo, possuem baixo índice de desigualdades e altas notas no PISA.
Essa relação não é sempre linear e depende de vários outros fatores, mas nos ajuda a entender a forma que baixos investimentos em políticas educacionais podem levar um país a um maior abismo entre ricos e pobres, uma vez que a educação é uma condição para adentrar o mercado de trabalho e se manter nele.
Para concluir…
Após mostrar 5 causas que influenciam diretamente a desigualdade econômica de um país – e mostrar as formas de mensurá-la -, podemos concluir que, assim como as causas da desigualdade econômica são diversas, as soluções para tais problemas também são. Ao decorrer do tempo, oscilando entre períodos de isolacionismo e cooperação, a comunidade internacional encontrou diversas formas de se “combater a pobreza mundial”. Entre sucessos e fracassos, uma lição importante é que a desigualdade tem características particulares em cada região, e que conhecimento profundo e especializado é essencial para que se possa discutir soluções para esse problema global.
Observação deste blogueiro: o fator que tem mais importância na geração de desigualdade econômica é alta taxa de fertilidade das mulheres - a qual, por sua vez, tem a ver fundamentalmente com a deficiência educacional de um país. Exemplo: peguemos o caso da Austrália. Pois bem, este país tinha tudo para dar errado tendo em vista que que quando foi colonizado pela Inglaterra teve como primeiros habitantes presos ingleses. Entretanto, como sabiamente fez a lição de casa (planejamento familiar de longa data), atualmente é um país desenvolvido.
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