COLUNISTA
William Waack
É ampla no Brasil a percepção de que agronegócio e meio
ambiente não combinam
William Waack, O Estado de S.Paulo
25 de julho de 2019 |
O governo Jair Bolsonaro, especialmente o presidente, tem
uma rara capacidade de ajudar seus críticos e adversários.
A mais recente demonstração é a briga de Bolsonaro com
os dados do Inpe, acusado por ele de favorecer campanhas
internacionais contra o País ao divulgar informações sobre
desmatamento obtidas por satélites. É tão ridículo quanto
brigar com o termômetro ou o barômetro.
O material elaborado pelo Inpe é o resultado de considerável
esforço científico nacional e internacional em entender as
dimensões da questão – e se esse material indica que o
desmatamento persiste em proporções preocupantes, o
ponto central é a incapacidade demonstrada pelo Estado
brasileiro ao longo de décadas de fazer valer suas próprias
leis. Teria sido fácil dizer isso a correspondentes estrangeiros,
não tivesse Bolsonaro permanecido preso a um
(para usar a linguagem militar) teatro secundário de operações.
Xiitas ambientais, diz o presidente, são os responsáveis por
uma enorme campanha contra o Brasil lá fora. Por xiitas
ambientais Bolsonaro entende em parte ONGs internacionais
– algumas, sem dúvida, com agenda claramente ideológica
(combater o agronegócio capitalista) e/ou comprometidas
com interesses comerciais de competidores (pela proximidade
com partidos políticos que representam segmentos eleitorais
com grande influência em governos de outros países). Sim,
esse tipo de campanha existe, e atinge parte da imprensa
tradicionalmente responsável e objetiva.
Mas, a rigor, é no Brasil mesmo que persiste há muito tempo
a ideia de que o negócio agropecuário e o meio ambiente são
grandezas irreconciliáveis. E que o lucro e a rentabilidade
(a principal razão de existir do grande negócio) seriam obtidos
pela sistemática destruição da natureza e apropriação privada
de recursos divinos como a terra. Há também um ranço clerical
na noção bastante popular de que um bem para todos não pode
ser repartido entre alguns poucos. E que a tarefa de alimentar as
pessoas cabe a quem trabalha a terra com o próprio suor, e não a
entidades gananciosas que transformam centenas de milhares de
quilômetros quadrados em monoculturas destinadas à exportação.
Em termos abrangentes, a moderna sociedade “urbanoide”
brasileira não desenvolveu em torno do produtor rural a mesma
aura positiva que se registra em países como Alemanha, França
ou Estados Unidos (nossos competidores). O imaginário da
sociedade brasileira não se alimenta de números sobre a
relevante contribuição do agronegócio para o PIB
(portanto, para a economia nacional). Não dá muita
bola para coisas como inovação tecnológica – o público
continua achando, em geral, que o Brasil se tornou uma
grande potência agrícola pois tem água, terra, clima e
expulsou de seus territórios os povos da floresta junto
com as árvores. Aumento de produtividade é um conceito
pouco discutido ou compreendido, aliás.
Também a representação política desses segmentos
econômicos e sociais ligados à produção agropecuária
no Brasil (fortemente regionalizados e muito distintos entre si)
é vista com desconfiança. “Bancada ruralista” costuma ser
sinônimo de um grupo de parlamentares controlados por
interesses econômicos que se dedica a acobertar crimes
ambientais, arrebentar direitos trabalhistas, abrir cofres
públicos para subsídios e facilitar a utilização de substâncias
tóxicas que deixarão resíduos em alimentos.
É secundário se os fatos objetivos da realidade suportam
essa percepção bastante difundida no Brasil. Em alguns
pontos essenciais, não suportam – ao contrário. Mas o choque
de poderosas narrativas, como são as da relação entre meio
ambiente e agronegócio, se dá no palco da política, no qual o
grande determinante dos “fatos” são as percepções. Seria tão
mais fácil se o problema fossem apenas os xiitas.
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