Tamanho do texto

Adotada de forma mais sistemática durante o governo de Fernando Collor, prática não é unanimidade entre eleitores, presidenciáveis e especialistas


Os mais à esquerda defendem as estatais e a intervenção do Estado na economia; os mais à direita acreditam que as privatizações desincham a máquina pública e reduzem o endividamento
Ueslei Marcelino/Reuters
Os mais à esquerda defendem as estatais e a intervenção do Estado na economia; os mais à direita acreditam que as privatizações desincham a máquina pública e reduzem o endividamento

Os mais à esquerda defendem as empresas estatais e uma maior intervenção do Estado na economia; os mais à direita acreditam que as privatizações desincham a máquina pública e reduzem o endividamento. A prática, que começou a ser adotada de forma mais sistemática pelo governo do ex-presidente Fernando Collor, hoje senador, voltou ao debate público nestas eleições presidenciais – e de forma mais calorosa no segundo turno, que traz dois candidatos com pensamentos opostos em relação ao tema.
Leia também: Dívida pública tem ligeira queda em setembro e chega a R$ 3,779 trilhões
Em seu plano de governo, Fernando Haddad (PT) promete interromper as privatizações e a venda do patrimônio público, considerado essencial ao seu projeto de País. Haddad também critica os ataques ao SUS (Sistema Único de Saúde) e o que chama de “concepção fortemente privatizante da saúde”, e garante que, se eleito, suspenderá a política de venda de empresas estatais estratégicas para o desenvolvimento nacional.
Jair Bolsonaro (PSL), em contrapartida, é defensor ferrenho das privatizações – pelo menos no papel. No documento enviado ao TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o deputado disse que estima reduzir o volume da dívida pública em 20% com a nova política mais liberal, que envolve, dentre outros, a extinção ou privatização da maior parte das estatais. Apenas as empresas de “caráter estratégico”, segundo Bolsonaro, seriam preservadas.
Leia também: Contas externas têm superávit de US$ 32 milhões em setembro
Vieses políticos à parte, a discussão sobre as privatizações é também uma questão de administração pública e economia. Todas as estatais são criadas por lei – e só assim podem ser extintas ou privatizadas também. Além da aprovação do Congresso , a decisão de privatizar uma empresa depende de um processo extenso de avaliação do governo, o que leva tempo, às vezes bem mais do que os quatro anos de um mandato presidencial.

Trâmites burocráticos


Só depois de analisar a viabilidade das privatizações e fazer um estudo sobre os prós e contras do processo é que o governo enviará um projeto de lei Congresso, que discutirá e votará a proposta
Luis Macedo/Câmara dos Deputados
Só depois de analisar a viabilidade das privatizações e fazer um estudo sobre os prós e contras do processo é que o governo enviará um projeto de lei Congresso, que discutirá e votará a proposta

O primeiro passo para a extinção ou privatização de uma estatal é a análise de sua viabilidade e a decisão, por parte do governo, sobre quem vai absorver as atividades dessa empresa. “Por mais que as estatais exerçam atividades de mercado similares às do setor privado, elas também são responsáveis por atividades reguladoras e de fiscalização, que são papel do Estado e não podem ser privatizadas”, explica a advogada Glaucia Elaine de Paula, especialista em direito administrativo.
Leia também: Presidente do Banco do Brasil pede demissão e parte para o setor privado
A EPL (Empresa de Planejamento e Logística S.A.), criada durante o governo de Dilma Rousseff e apelidada de “estatal do trem-bala”, para Glaucia, é um bom exemplo de como esse processo funcionaria na prática. “Apesar da alcunha, a EPL também exerce atividades relacionadas ao planejamento e à análise de licitações de projetos do governo. Sou a favor de sua extinção porque acredito que outras empresas possam fazer o que ela faz. Mas é isso: alguém vai ter que fazer de qualquer jeito”, diz.
Também cabe ao governo fazer um estudo para avaliar racionalmente os prós e contras da extinção ou privatização de uma estatal. Neste momento, são levados em consideração diversos fatores socioeconômicos, como o desempenho – superavitário ou deficitário – da empresa e seu papel na promoção do bem-estar da população. Só então um projeto de lei é redigido e enviado ao Congresso, que discutirá e votará a proposta.

Dois especialistas, duas visões


Durante os 21 anos de ditadura militar, foram criadas 47 novas estatais, como os Correios (1969), a Embraer (1969) e a Telebrás (1972); as duas últimas foram privatizadas em 1994 e 1998, respectivamente
Arquivo/Agência Brasil
Durante os 21 anos de ditadura militar, foram criadas 47 novas estatais, como os Correios (1969), a Embraer (1969) e a Telebrás (1972); as duas últimas foram privatizadas em 1994 e 1998, respectivamente

Para Walter Franco, professor de economia do Ibmec (Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais) de São Paulo, as privatizações são, de forma geral, benéficas para o País. A partir delas, o Estado ganha em eficiência e produtividade, reduz a dívida pública e possibilita um corte incisivo de gastos. “Precisamos diminuir o endividamento, que hoje figura na casa dos R$ 3,8 trilhões, e o déficit primário do Governo Central [R$ 22,979 bilhões em setembro] . Por isso, eu sou um privatista mesmo”, comenta o professor.
Leia também: Governo Central registra déficit primário de quase R$ 23 bilhões em setembro
Glaucia, porém, discorda. Segundo a advogada, que também é doutoranda em administração pública pela Universidade de Lisboa, em Portugal, a discussão sobre privatizações é de uma “absoluta ignorância”. “Hoje, se usa o mesmo discurso dos anos 90. Naquela época, de fato, várias estatais existentes não faziam muito sentido”, comenta. “Mas é lenda dizer que as privatizações vão fazer diferença. O que podia ter sido privatizado já foi”, defende.
A advogada também lembra dos 21 anos de ditadura militar, período em que foram criadas 47 novas estatais, como os Correios (1969), a Embraer (1969) e a Telebrás (1972). As duas últimas foram privatizadas em 1994 e 1998, respectivamente, nos governos de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso. “Nessa época, houve um agigantamento do governo, a máquina pública inchou de uma forma descabida. Essas estatais já nasceram como cabides de empregos”, explica.
Ao contrário do professor do Ibmec, que não faz distinção entre as empresas e acredita que a maior parte delas poderia ser privatizada ou extinta, Glaucia defende que apenas aquelas que não tenham um papel estratégico para o Estado e para a população brasileira passem por esse processo. “Veja o caso da Petrobras. É uma estatal que tem um papel fundamental na regulação do mercado de combustíveis. A situação está ruim, mas sem ela estaria muito pior”, avalia a advogada.
Leia também: Não há ajuste fiscal sem reforma da Previdência, diz secretário do Tesouro
Apesar das visões divergentes, os dois especialistas concordam que as privatizações têm que atender a critérios muito específicos e, acima de tudo, trazer benefícios para todos os brasileiros. “Deve haver uma avaliação ponderada. O planejamento é muito importante”, opina Franco. “Se estou pensando em privatizar um serviço público, por exemplo, é necessário que esse serviço seja melhorado, e não o contrário. Se não for para trazer benefícios aos cidadãos, é melhor não privatizar”, finaliza.