Reforma tributária busca instituir imposto único no Brasil
Um dos autores da proposta de reforma tributária em tramitação no
Congresso e tida pelo mercado e por muitos especialistas como a ideal
para o Brasil, Bernard Appy esteve em Porto Alegre no início deste mês. A
convite do Instituto de Estudos Tributários (IET), ele detalhou os
pilares do documento incorporado pela Proposta de Emenda Constitucional
(PEC) nº 45, apresentada pelo deputado Baleia Rossi (MDB).
O projeto enfrenta o desafio de colocar o Brasil em consonância com
os padrões tributários adotados na maior parte dos países do mundo com a
adoção de um imposto direto sobre consumo nos moldes do Imposto sobre
Valor Agregado (IVA). Aqui, o tributo vai se chamar Imposto sobre Bens e
Serviços (IBS) e deverá substituir cinco tributos cobrados atualmente –
PIS, Cofins e IPI, de competências federais; ICMS, de competência
estadual; e ISS, municipal.
O objetivo é acabar com a base fragmentada “seguindo as
características de um bom IVA”, como, por exemplo, base ampla de
incidência, tributação no destino, crédito amplo e desoneração das
exportações e investimentos. Essas características fazem com que o IVA e
o nascente IBS seja um imposto sobre o consumo, ainda que cobrado ao
longo da cadeia de produção e comercialização.
As distorções do atual modelo de tributação do consumo levam à
existência de uma enorme multiplicidade de benefícios fiscais e de
regimes especiais e guerra fiscal, principalmente entre estados. O
modelo traz consigo, ainda, um elevado custo de compliance e alta
litigiosidade, entraves à exportação e aos investimentos devido ao alto
custo atrelado a isso e distorções alocativas dos recursos arrecadados.
O IVA é um imposto não cumulativo que incide sobre uma base ampla de
bens e serviços, desonera completamente as exportações e os
investimentos e é cobrado no destino. Um imposto com essas
características é, efetivamente, um imposto sobre o consumo, ainda que
cobrado ao longo da cadeia de produção e comercialização.
Embora haja consenso sobre a necessidade de o Brasil migrar para um
modelo de tributação mais próximo ao do IVA, há menos acordo sobre a
melhor forma de fazê-lo. Para Appy, a saída é realizar uma mudança
completa seguindo um cronograma de transição ao longo de 10 anos.
O IBS seria criado com uma alíquota de 1%, a qual seria mantida por
um período de teste de dois anos. O aumento de receita seria compensado
por uma redução das alíquotas da Cofins (cumulativa e não cumulativa), a
fim de manter a arrecadação federal constante.
Após o período de teste, a transição dos cinco tributos atuais para o
IBS seria feita ao longo de mais oito anos, através da elevação
progressiva e linear da alíquota do IBS e da simultânea redução das
alíquotas dos tributos atuais, mantendo-se a carga tributária constante.
A razão do longo período de transição é a necessidade de que as
empresas se ajustem de forma suave às mudanças de preços relativos e,
principalmente, à progressiva eliminação dos benefícios fiscais
atualmente existentes, inclusive aqueles da guerra fiscal do ICMS, que
poderiam ser convalidados. Ao final da transição, os cinco tributos
atuais (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) seriam extintos.
A ideia formulada por especialistas é que o IBS tenha uma alíquota
total de 25%, em que 9% sejam de competência federal, 14% estadual e 2%
municipal, complementa a advogada Lina Santin durante o encontro.
Hoje extensamente discutida entre parlamentares e outros tomadores de
decisão, a PEC 45/2019 – proposta de reforma do modelo brasileiro de
tributação de bens e serviços, recorda Appy, é resultado de mais de três
anos de trabalho do CCiF. Finalizado em meados do ano passado, o texto
não é o primeiro a buscar soluções ao atual modelo tributário adotado no
País. Porém, talvez seja o que tem chances reais de ser aprovado,
estima Appy.
Estados e municípios seguirão com autonomia para definir alíquota
A proposta é que o IBS tenha apenas uma única alíquota para todos os
bens e serviços. Porém, sabendo de toda a complexidade brasileira e da
importância da alíquota de ICMS e ISS para o planejamento de estados e
municípios, a proposta do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) admite a sua
autonomia na definição das alíquotas internas. Os estados continuarão
podendo fixar a alíquota do IBS dentro do seu território. O valor do IBS
poderá, portanto, variar entre os diversos estados brasileiros. A
alíquota pode ser fixada acima ou abaixo da alíquota de referência (que
repõe a receita do ICMS e do ISS). Em operações interestaduais ou
intermunicipais será cobrada a alíquota do destino.
Sendo o IBS um imposto sobre o consumo, a elevação ou redução da
alíquota estadual implica em onerar mais ou menos os consumidores do
estado. “Com maior transparência sobre o valor e o porquê da alíquota, a
população que também forma a massa de eleitores, vai ser responsável
por fiscalizar se o valor é justo e como está sendo sua aplicação”,
defende o autor da proposta da reforma tributária, Bernardo Appy.
A distribuição da receita entre os estados teria uma transição longa,
de 50 anos, ao final da qual a receita seria distribuída
proporcionalmente ao consumo (princípio do destino). Nos primeiros 20
anos da transição, apenas o crescimento real da receita seria
distribuído pelo princípio do destino, mantendo-se a distribuição atual
para a receita observada no início da transição, corrigida pela
inflação. Ao longo dos 30 anos subsequentes seria feita a convergência
para a distribuição de toda a receita pelo princípio do destino.
A receita atual dos municípios com o ISS seria substituída por uma
incidência do IBS apenas nas vendas a consumidores finais, sendo que os
municípios teriam liberdade na fixação da alíquota também. A exemplo dos
estados, a distribuição da receita entre os municípios também teria uma
transição longa, de 50 anos.
As empresas do Simples Nacional poderão optar entre a manutenção do
regime no formato atual, caso em que as empresas não se apropriariam nem
transfeririam créditos do imposto, e a adoção do regime normal de
crédito e débito do IBS, reduzindo-se a incidência do Simples Nacional
sobre o faturamento em montante equivalente à parcela destinada aos
cinco tributos substituídos pelo novo imposto. Na prática, conforme
Appy, a tendência é que as empresas que vendem para consumidores finais
(grande maioria entre as micro e pequenas) optem pela primeira
alternativa. Já aquelas que estão no meio da cadeia, com a menor parte
das transações para o consumidor final, prefiram a segunda
possibilidade.
Objetivo é por fim a benefícios e guerras fiscais Patrícia diz que é necessário encarar uma mudança ampla
De acordo com Bernardo Appy, os bons modelos de IVA são uniformes e a
grande maioria tem uma única alíquota. Ele não brecha para uma política
amplamente utilizada no Brasil de isenções fiscais e desonerações. Esse
deve ser o objetivo a médio prazo da reforma tributária, diz o
especialista no assunto e um dos autores da proposta. Appy é categórico:
o IBS acabará com qualquer tipo de benefício fiscal. “O objetivo do IBS
é puramente arrecadatório”, declarou.
Os múltiplos regimes especiais criam enormes distorções competitivas.
O resultado é que para as empresas brasileiras “hoje é mais importante
conseguir um bom benefício fiscal do que ser competitivo”, destaca.
A enorme complexidade tributária impacta diretamente a produtividade
no País. “No Brasil só temos exceções e não temos regra. A quantidade de
benefícios fiscais é monumental e não serão pequenos ajustes que vão
resolver”, diz Appy.
Os benefícios fiscais ainda são vistos como essenciais para o
desenvolvimento regional. Porém, na opinião do especialista, na maior
parte das vezes eles atraem empresas que nem sempre contribuem para o
desenvolvimento daquele território. “Com isso, os estados não conseguem
desenvolver a vocação regional e são instaladas empresas que não trazem
todo o retorno possível e desejado”, lamenta.
A economista-chefe da Federação do Comércio de Bens e de Serviços do
Estado do Rio Grande do Sul (Fecomércio-RS), Patrícia Palermo, lembrou
que até dois anos atrás a discussão sobre mudanças tributárias no Brasil
girava em torno de pequenos ajustes focados principalmente no aumento
da arrecadação. “Mas o necessário é encarar uma mudança ampla, com longa
transição, sem aumentar a carga tributária”, diz.
A economista salienta que “chegamos em um limite do quanto a
sociedade consegue pagar”. Tampouco, admite a especialista, seria
possível reduzir a arrecadação, sob o risco de ter de abrir mão de
gastos imprescindíveis à manutenção do Estado.
Para conseguir aprovar essas mudanças, Appy tem conversado com
governadores e outras lideranças para explicar as etapas da proposta de
reforma e garantir que as unidades federativas não correm o risco de
sair perdendo. No Rio Grande do Sul, Appy conversou com o governador
Eduardo Leite e outros integrantes do governo. Leite ainda não se
manifestou em defesa da reforma tributária em tramitação.
Fim das isenções deve dar lugar a políticas efetivas de distribuição de renda
Ao contrário dos tributos atuais, que são utilizados para diversas
finalidades de natureza social, setorial ou regional, o entendimento da
equipe do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF) é de que o IBS não deveria
ser utilizado com fins extrafiscais. Por outro lado, é prevista a adoção
de um modelo de “isenções personalizadas” para famílias de baixa renda.
O objetivo de um imposto geral sobre o consumo deve ser apenas o de
arrecadar para financiar a despesa governamental, sendo o mais simples
possível, defende o especialista. De modo geral, outros objetivos de
políticas públicas são alcançados de forma mais eficiente através de
outros instrumentos. No Brasil, o principal deles é a transferência de
renda diretamente à família de baixa renda, a exemplo do Bolsa Família.
De acordo com Appy, a desoneração da cesta básica, por exemplo,
beneficia em termos absolutos (R$ por pessoa) mais as famílias ricas que
as pobres. “Neste contexto, é mais eficiente e transparente cobrar o
imposto e destiná-lo às famílias pobres do que desonerar a cesta
básica”, salienta. Para reduzir a regressividade do IBS, em vez da
desoneração da cesta básica propõe-se a adoção do modelo de “isenções
personalizadas”.
Também presente no painel em que Bernard Appy apresentou a proposta
do CCiF na capital gaúcha, a advogada tributária Lina Santin
complementou que as reduções de alíquotas não se refletem diretamente
nos preços praticados. “Atualmente os estados enfrentam sérias
dificuldades de caixa e as reduções nos tributos têm bastante apelo
popular. Porém, não se refletem positivamente na realidade”, justifica.
A contrapartida para os estados que enfrentarem dificuldades com o
fim dos incentivos fiscais será a criação de um fundo capaz de reter e
distribuir recursos para a garantia do desenvolvimento regional. Para
gerenciar este fundo está previsto a criação de uma Agência Tributária
Nacional com participação de representantes dos municípios, estados e
União e poder de decisão sobre a arrecadação do IBS.
Principais características do IBS
- Incidência não cumulativa sobre base ampla de bens, serviços e intangíveis;
- Desoneração completa das exportações;
- Ressarcimento tempestivo de créditos (60 dias);
- Crédito integral e imediato para investimentos;
- Crédito amplo (exceção: consumo pessoal);
- Incidência sobre o preço líquido de tributos.
Fonte: Jornal do Comércio – RS
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