Nossas reservas do minério valem mais que o pré-sal. Mas isso não significa grande coisa. Entenda.
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3 jan 2019, 14h46 - Publicado em 23 out 2017, 18h35
Parece mágica. Você joga um punhadinho de
nióbio, apenas 100 gramas, no meio de uma tonelada de aço – e a liga se
torna muito mais forte e maleável. Carros, pontes, turbinas de avião,
aparelhos de ressonância magnética, mísseis, marcapassos, usinas
nucleares, sensores de sondas espaciais… praticamente tudo o que é
eletrônico, ou leva aço, fica melhor com um pouco de nióbio. Os foguetes
da empresa americana SpaceX, os mais avançados do mundo, levam nióbio. O
LHC, maior acelerador de partículas do planeta, e o D-Wave, primeiro
computador quântico, também. Todo mundo quer nióbio – e quase todas as
reservas mundiais desse metal, 98,2%, estão no Brasil. Nós temos o
equivalente a 842 milhões de toneladas de nióbio, que valem
inacreditáveis US$ 22 trilhões: o dobro do PIB da China, ou duas vezes
todo o petróleo do pré-sal. Por isso, há quem diga que o nióbio pode ser
a salvação do Brasil, a chave para o País se desenvolver e virar uma
potência global. Mas de que forma o nióbio é explorado hoje em dia, e
quem ganha com ele?
É verdade, como se ouve por aí, que estamos exportando nossas
reservas a preço de banana? E, se esse metal vale tanto, por que há tão
pouca informação sobre ele? Há muitas lendas a respeito do nióbio. A
mais importante: ele é, de fato, um elemento estratégico e raro. Mas não
se trata de uma fonte inesgotável de riqueza.
A filha de Tântalo
O nióbio foi descoberto em 1801 pelo cientista britânico Charles
Hatchett, que o batizou de columbium, em referência ao local de onde a
amostra tinha vindo – Connecticut, nos Estados Unidos, numa época em que
os poetas ingleses se referiam ao país como Columbia. Anos depois, o
nióbio foi confundido com o tantálio pelo químico inglês William Hyde:
ele afirmou que os dois elementos eram idênticos. Foi só em 1846 que
outro químico, o alemão Heinrich Rose, comprovou que eram coisas
diferentes. Quando a confusão foi desfeita, os americanos continuaram
chamando o elemento de columbium, mas os europeus adotaram o
nome nióbio: referência a Níobe, figura da mitologia grega, filha de
Tântalo (uma piadinha com o antigo debate nióbio versus tantálio).
No final do século 19, o nióbio começou a ser usado nos filamentos de
lâmpadas, até descobrirem que o tungstênio é mais resistente. A partir
dos anos 1930, começaram a surgir pesquisas indicando que misturar
nióbio com ferro era uma boa ideia. Mas, para usá-lo em escala
industrial, era preciso encontrar uma boa quantidade desse metal. Na
década de 1960, foi descoberta a primeira grande reserva do planeta: em
Araxá, a 360 km de Belo Horizonte. Em 1965, o almirante americano Arthur
W. Radford, integrante do conselho da mineradora Molycorp, convidou o
banqueiro brasileiro Walther Moreira Salles para montar uma empresa de
extração e refino do nióbio. A Molycorp tinha acabado de comprar algumas
minas em Araxá. O brasileiro topou, e nasceu a Companhia Brasileira de
Metalurgia e Mineração (CBMM).
Como em 1965 o metal ainda não tinha utilidade comprovada, o governo
militar deixou passar batido – e permitiu que a CBMM, junto com os
americanos, explorasse o nióbio à vontade. Aos poucos, Salles foi
comprando a parte dos americanos, o que os militares viram com bons
olhos. Na década seguinte, a CBMM virou controladora mundial de um
mercado que nem sequer existia. Não existia, mas passou a existir: nos
anos 1970, a empresa descobriu dezenas de utilidades para o nióbio – que
hoje é um dos principais negócios da família Moreira Salles (também
dona do banco Itaú).
A CBMM não vende o minério bruto, e sim uma liga chamada ferronióbio,
que contém 2/3 de nióbio e 1/3 de ferro. Além desse produto, seu
carro-chefe, ela também comercializa dez outras formulações à base de
nióbio. A empresa tem 1.800 funcionários e lucra R$ 1,7 bilhão por ano.
Em 2011, vendeu 30% de suas ações para um grupo de empresas asiáticas,
mas com restrições: os brasileiros mantiveram o controle da empresa, e
não cederam nenhuma informação técnica sobre o processamento do nióbio –
um segredo industrial que tem 15 etapas e foi inventado pela empresa
dos Moreira Salles. “Ele envolve mineração, homogeneização,
concentração, remoção de enxofre, remoção de fósforo e chumbo,
metalurgia, britagem e embalagem”, explica Eduardo Ribeiro, presidente
da CBMM. “Para produzir o nióbio metálico, por exemplo, é necessário
realizar uma última etapa em um forno de fusão por feixe de elétrons,
que atinge temperaturas superiores a 2.500 oC”, diz.
Além da CBMM, há outra empresa explorando nióbio no País: a Anglo
American Brazil, que opera em Catalão, Goiás. Também há nióbio na
Amazônia, mas ele ainda não começou a ser minerado. Só o que temos em
Minas Gerais e Goiás já é suficiente para abastecer toda a demanda
mundial pelos próximos 200 anos. Os maiores compradores são China, EUA e
Japão, que pagam em média US$ 26 mil pela tonelada de nióbio (esse
valor é uma estimativa, pois o metal não é vendido em bolsas de
commodities; o preço é negociado caso a caso, direto com cada
comprador). Há quem diga que esse valor é muito baixo – o ouro, por
exemplo, é comercializado a US$ 40 mil o quilo. Se o nióbio é tão útil, e
o Brasil controla quase todas as reservas, não poderia cobrar mais
caro? O governo brasileiro não deveria exigir royalties sobre a venda? E
por que apenas 10% das tubulações de aço do planeta usam nosso
produto? Há respostas para tudo isso.
Nada é perfeito
A primeira delas: o nióbio é substituível. Vanádio e titânio cumprem
basicamente a mesma função. O vanádio é encontrado na África do Sul, na
Rússia e na China. O titânio está presente na África do Sul, na Índia,
no Canadá, na Nova Zelândia, na Austrália, na Ucrânia, no Japão e na
China. Esses países preferem explorar suas próprias reservas a depender
de um mineral que é praticamente exclusivo de uma nação só – o Brasil.
Em alguns casos, também é possível trocar o nióbio por tungstênio,
tântalo ou molibdênio. “Não há mercado para mais nióbio”, afirma o
economista Rui Fernandes Pereira Júnior, especialista em recursos
minerais.
Outra questão é que é preciso pouco nióbio para que ele faça sua
mágica. “As reservas brasileiras são suficientes para abastecer o mundo
por séculos. Mas aquelas existentes em outras regiões do planeta, como o
Canadá [que, como a Austrália, também possui nióbio], também são”, diz
Roberto Galery, professor do departamento de Engenharia de Minas da
UFMG. Quer dizer: não adianta aumentar muito o preço do nióbio, pois os
compradores tenderão a optar por outros metais, nem tentar acelerar
demais a exportação (pois aí haverá excesso de oferta de nióbio, fazendo
o valor desse metal despencar).
Há outra questão: o Brasil só exporta o nióbio em si. Não fabrica
produtos derivados dele. “Ninguém está disposto a pagar uma fortuna pelo
nióbio, porque nós não conseguimos dar valor agregado a ele”, diz o
professor Leandro Tessler, do Instituto de Física da Unicamp. “Nós
repetimos nosso velho ciclo: vendemos matéria-prima e compramos produtos
prontos. Vendemos nióbio e compramos fios de tomógrafos, por exemplo.” É
um caso parecido com o do silício. Nós temos as maiores reservas de
areia do planeta (e é da areia que o silício é extraído), mas só
exportamos silício com 99,5% de pureza, menos que os 99,99999% exigidos
pela indústria eletrônica.
E os royalties? O Brasil cobra pouco, mas cobra. O Estado fica com 2%
do valor das exportações de nióbio – bem menos do que a Austrália, que
exige 10%. Nós poderíamos impor royalties mais altos (com o petróleo,
por exemplo, eles ficam entre 5% e 10%). Mas não há sinais de que isso
vá ser feito. O Marco Regulatório da Mineração, que está tramitando no
Congresso desde junho, não traz nenhuma regra específica para o nióbio.
Depois de crescer 10% ao ano na década passada, o mercado mundial de
nióbio está estável. A demanda é de 100 mil toneladas anuais, 90%
fornecidas pelo Brasil. De todos os 55 minérios que o Brasil exporta, o
nióbio é o único em que somos líderes globais. Ele é o nosso terceiro
metal mais exportado em valor financeiro (atrás do minério de ferro e do
ouro, e empatado com o cobre na terceira posição).
“O surgimento de novas tecnologias pode levar ao aumento do mercado
de nióbio”, diz Marcelo Ribeiro Tunes, diretor do Instituto Brasileiro
de Mineração (IBRAM). Afinal, o consumo mundial cresceu cem vezes desde a
década de 1960, e é provável que a tecnologia continue a dar saltos (e
encontrar novos usos para o nióbio) no futuro. Mas, se quisermos
explorar todo o valor dessa riqueza natural, precisamos aprender o que
fazer com ela – e começar a fabricar produtos mais sofisticados. “O
Brasil deveria desenvolver a tecnologia desse material na medicina, nos
transportes, na engenharia”, afirma Rui Fernandes Pereira Júnior. Do
contrário, vamos continuar à mercê dos compradores estrangeiros. Como
sempre estivemos desde que, no comecinho do século 16, navegadores
portugueses descobriram a primeira de nossas commodities: uma madeira
chamada pau-brasil.
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