sábado, 8 de junho de 2019

Bolsonaro: Na contramão a 100 km/h





Brasil regride nas armas, no trânsito, no ambiente, nos costumes, 

até no bom senso














Eliane Cantanhêde, O Estado de S.Paulo
07 de junho de 2019 | 03h00
O presidente Jair Bolsonaro anuncia o fim da “indústria da multa”, 
mas pode estar reforçando a “indústria da morte” com a obsessão 
pelas armas, o estímulo para converter carros em armas e a sensação 
de que, ao virar presidente, está livre para tornar suas convicções 
pessoais em agenda de Estado. Os papos com filhos e amigos agora 
viram MPs, decretos, projetos de lei. Danem-se especialistas, dados 
e pesquisas científicas.
Para o presidente da Comissão da Reforma da Previdência, Marcelo 
Ramos (PL), ele “não tem noção de prioridade e do que é importante 
para o País”. Além de “flexibilizar” a posse e o porte de armas, 
Bolsonaro levou orgulhosamente ao Congresso um projeto leniente 
com infratores e infrações de trânsito – um grande assassino no 
mundo. No Brasil, foram 35,3 mil mortes e 180 mil internações só 
em 2017.
Japão, Canadá, França e Espanha reduziram a mais da metade as 
mortes no trânsito. Como? Com educação, abordagem policial e 
penas duras para infratores. E o Brasil? Se depender do presidente 
da República, o Brasil vai na contramão, a mais de 100 km/h. Os 
radares estão ameaçados e os maus motoristas poderão cometer o 
dobro das barbaridades até perder a carteira, não terão de se 
preocupar com cadeirinhas e estarão livres de comprovar que 
não usaram algum tipo de droga, mesmo que dirijam ônibus e 
caminhões.



Bolsonaro
O presidente Jair Bolsonaro  Foto: Marcos Correa/Presidência da República
Não satisfeito com a reação, o presidente engatou a segunda e disse 
que, por ele, os pontos para cassar a carteira não deveriam ser “só” 40, 
mas 60. Divirtam-se os que pisam no acelerador, avançam o sinal, 
estacionam em calçadas e vagas de idosos e deficientes.
É possível que a base eleitoral de Bolsonaro ache tudo isso o maior 
barato, mas esse barato pode custar muito caro – em vidas humanas, 
em lesões irreversíveis e em custos para o sistema público de saúde, 
já tão depauperado.
Essas medidas, porém, combinam com a leniência de Bolsonaro em 
outras áreas, como Meio Ambiente. Pescar em áreas protegidas pode, 
desmatar fica mais fácil, transformar santuários em “Cancúns” está 
no horizonte, a carreira de agente ambiental corre risco. Ambientalistas 
são tratados como esquerdistas que atravancam o progresso, um perigo
para o Ocidente.
Direitos Humanos? Deve ser coisa de gente que estuda Sociologia, 
Filosofia, Antropologia, vistas como inutilidades que alimentam a 
“balbúrdia” nas universidades públicas, aliás, elas próprias alvo 
da tesoura ideológica implacável do novo governo. E temos a ministra 
Damares e o chanceler Araújo, com o guru Olavo de Carvalho, 
pairando sobre tudo e todos.
E Bolsonaro tinha de declarar apoio ao craque Neymar, acusado de 
estupro e agressões por uma moça? “Ele está em um momento difícil, 
mas acredito nele. Neymar, hoje à noite estamos juntos!”, avisou o 
presidente, antes de ir ao jogo Brasil-Catar e visitar o jogador num 
hospital em Brasília.
Não se deve demonizar nem santificar Neymar, mas vai... numa mesa 
de bar, qualquer um pode achar que Neymar é culpado ou inocente e 
que a moça é isso e aquilo, mas um presidente da República? Ele 
assistiu à cena? Ouviu Neymar? A moça? Teve acesso aos autos? Tem 
informação de bastidores?
Verdade ou não, a mensagem subliminar do presidente é que ele não 
acha nada demais um estuprozinho daqui, uma agressãozinha dali. 
Afinal, minimizou a gravidade da situação, assumiu sem pestanejar 
a versão do craque e desqualificou a moça. Homens sempre têm razão.
Espantado com as mudanças propostas por Bolsonaro, o criador e 
presidente por dez anos da Frente do Trânsito da Câmara, ex-deputado Beto Albuquerque (PSB), acusa: “O Brasil está na contramão, ou andando 
de marcha a ré”. Não é só no trânsito, deputado!

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