domingo, 2 de junho de 2019

Estudos de sociologia influenciam da medicina à matemática

ALOISIO MAURICIO/FOTOARENA

Sem entender quem somos, como pensamos e vivemos, é 

impossível gerar renda e bem-estar

Sob o argumento de privilegiar o ensino de profissões que, em suas palavras, 
“gerem renda para a pessoa, bem-estar para a família, que melhore a sociedade 
em volta dela”, o ministro da Educação, Abraham Weintraub, anunciou a intenção 
do governo de reduzir o volume de recursos destinados às áreas de Filosofia e Sociologia.
Uma vasta gama de instituições que agregam intelectuais atuantes nas áreas manifestou 
sua discordância em relação à proposição do governo, ressaltando a importância dos 
conhecimentos e a formação de profissionais em filosofia e sociologia para a 
compreensão de quem somos, como pensamos, onde vivemos, no que cremos, que 
tradições cultuamos e, por fim, onde trabalhamos, quanto recebemos pelo nosso 
trabalho, como nos alimentamos, moramos e educamos nossos filhos.
Essas questões incômodas tocam muito profundamente os cientistas sociais desde os 
primórdios desta ciência. Elas são um problema clássico de pesquisa teórica, empírica 
e aplicada, e, a despeito das aceleradas mutações da sociedade contemporânea e do 
progresso das ciências sociais, mantêm-se desafiadoramente atuais.
A preocupação de compreender e tornar mais justa e igual uma sociedade como a 
brasileira, carregada de contradições e de profundas desigualdades, foi, desde o seu 
surgimento, o foco central da ciência social de nosso País.
Por isso, os produtos do trabalho dos sociólogos estão presentes na atuação de 
praticamente todas as profissões, inclusive os médicos e veterinários mencionados 
pelo ministro, os quais, é necessário lembrar, não prestarão adequadamente seus 
serviços se não compreenderem a sociedade em que atuam, suas características, 
problemas e necessidades específicas. Esse conhecimento só pode se realizar com 
a colaboração de cientistas sociais.
Desse modo, embora muitos não se deem conta, quase tudo do que foi feito no sentido 
de melhorar a vida dos brasileiros também se deve ao trabalho de cientistas, entre 
os quais os sociólogos, que colocaram o conhecimento que produziram a serviço 
do bem-estar dos cidadãos, notadamente os mais pobres. Não há uma única ação 
dessa natureza que não conte com a atuação interdisciplinar de profissionais de 
áreas diversas, e os sociólogos são presença muito constante nessas iniciativas 
de cooperação interdisciplinar.
Sem entender quem somos, como pensamos e vivemos, é impossível gerar

renda e bem-estar, como sugere o ministro Weintraub.
Os exemplos da contribuição dos sociólogos ao País são, portanto, inúmeros. A 
apresentação de apenas um deles é suficientemente ilustrativa do quanto é necessário 
conhecer melhor os produtos do trabalho desses intelectuais e cientistas, para emitir 
juízos críticos sobre sua atuação, sobretudo no que se refere à participação naquelas 
ações que minimizam os danos que as múltiplas formas de exclusão causam às 
populações mais vulneráveis.
Refiro-me ao trabalho de pesquisa sociológica orientada à aplicação prática realizada 
na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, entre os anos de 1933 e 1938, pelos 
professores Davis e Lowrie, que buscou conhecer o cotidiano econômico das famílias 
operárias de São Paulo, com a finalidade de estabelecer a renda média mínima 
necessária para a subsistência. Os cientistas sociais americanos, em conjunto com 
os médicos do então Instituto de Higiene, dirigido à época por Geraldo de Paula Souza, 
observaram e estudaram os dispêndios de centenas de lares proletários da capital paulista 
por vários meses. Ao fim dessas pesquisas, conseguiram estabelecer um valor que 
representava a necessidade de consumo básica de uma família operária no período de 
um mês. O método utilizado foi o das conhecidas Pesquisas de Padrão de Vida.
Além disso, a sociologia contribuiu decisivamente, e esperamos que continue a contribuir, 
para a elaboração da vasta gama de políticas públicas que recobrem do sistema de 
aposentadorias à mobilidade urbana, habitação, saúde e educação.
A sociologia é uma prática científica sofisticada e necessária. Para bem realizar seu trabalho, 
ela deve necessariamente revelar aqueles aspectos da sociedade nos quais a desigualdade se 
manifesta de forma mais dura e insidiosa. É verdade que os quadros que ela, com grande 
frequência, apresenta são desagradáveis à vista de quem exerce o poder incumbente. Eles 
demonstram a desigualdade em seus traços mais brutos e desumanos, às vezes desvelando 
a ultrapassagem das fronteiras nas quais termina a civilização.
A difusão dos cursos de ciências sociais e assemelhados pulveriza em todos os estratos 
da população o conhecimento que permite compreender em profundidade a sociedade, e 
apontar as ações para torná-la mais igualitária e sustentável. De outra parte, o ensino dessa 
disciplina no nível médio permite aos muito jovens a iniciação aos métodos de compreensão 
crítica da vida social, um direito de todos.
A sociologia é assim uma ciência que expõe a sociedade ao cidadão, e também contribui 
para tornar a vida em comum melhor. Por esses motivos, ela é uma ciência incômoda para 
aqueles que detêm, ou buscam deter, alguma forma de privilégio.
Essa característica a faz fundamental.


Fonte: Revista Carta Capital

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