Para o diplomata Rubens Barbosa, o Itamaraty teve papel secundário no acordo comercial anunciado entre o Mercosul e a União Europeia.
28 jun 2019
O acordo comercial entre Mercosul e União Europeia (UE), anunciado na
tarde da sexta-feira (28/06), não servirá de muita coisa se o Brasil e a
região não conseguirem melhorar sua competitividade.
A opinião é do diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em
Londres e Washington, para quem o Itamaraty teve papel secundário na
negociação do acordo.
"Acho que o principal ator nesse acordo foi o Ministério da Economia, a
negociação é econômica, comercial. O Itamaraty é parte desse processo, é
um negociador, mas as decisões vieram do Ministério da Economia",
afirma.
Em entrevista por telefone à BBC News Brasil, Barbosa diz que o governo
de Michel Temer foi responsável por resgatar as negociações com a UE,
após anos de "paralisação" nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e
Dilma Rousseff.
"Foi um governo de transição e em algumas coisas não puderam avançar", diz.
Barbosa classifica o acordo como um "marco histórico" após 20 anos de
negociações - que começaram oficialmente em 1999, por iniciativa dos
então presidentes francês, Jacques Chirac, e brasileiro, Fernando
Henrique Cardoso.
No entanto, ele ressalta que a assinatura não é suficiente para garantir bons números à economia brasileira.
Leia abaixo a entrevista na íntegra:
BBC News Brasil - Como vê a assinatura do acordo depois de 20 anos?
Rubens Barbosa - Acho que é um acordo histórico, um
marco nas relações externas do Mercosul. É importante porque põe um fim a
um longo período de isolamento do Mercosul e do Brasil nas relações
comerciais. Brasil e Mercosul por 20 anos assinaram três acordos
comerciais de relevância pequena, com Egito, Israel e Autoridade
Palestina. Não fizemos nenhum outro acordo.
O mundo inteiro negociou 250 acordos, o Mercosul negociou esses três.
Agora, esse acordo que tem mais de 20 anos de negociação foi reativado
no governo Temer. Porque com Lula e Dilma, por desorganização interna,
protecionismo, Argentina com Cristina Kirchner e tal, as negociações com
a União Europeia ficaram paralisadas.
Com Temer, começou a haver de novo um processo de negociação. Com Temer
ele não foi concluído porque era um governo de transição e em algumas
coisas não puderam avançar. Com o novo governo e a nova política de
abertura da economia, negociação de acordos externos, mudou o quadro.
Agora esse governo finaliza as negociações superando os pontos de
conflito que existiam e estavam pendentes nos últimos anos.
Não se sabe ainda as concessões feitas de lado a lado: a parte
agrícola, do lado da UE, e a industrial, do lado do Brasil. Mas é um
acordo muito relevante e importante e vai ter um impacto grande tanto no
comércio exterior quanto nos investimentos aqui no Brasil.
BBC News Brasil - A assinatura surge em um momento de retomada
do protecionismo - algo puxado principalmente pela retórica do governo
Trump. Qual é o recado que estamos dando ao mundo?
Barbosa - Esse clima que existe hoje no mundo de guerra
comercial pode ter até ajudado a conclusão desse acordo. A UE concluiu
recentemente o acordo mais importante deles, que foi com o Japão. Agora,
o segundo acordo mais importante da UE é com o Mercosul.
O clima de conflito comercial ajudou e a mensagem que os dois lados dão
ao mundo é que o livre comércio, a redução do protecionismo são o mais
importante. Não interessa a ninguém ampliar o protecionismo e as
restrições.
BBC News Brasil - Interessa ao presidente americano, não? Esse é um recado a ele especificamente?
Barbosa - É um recado a todos que estão nessa linha.
Quem lidera este processo é Trump, nessa linha de "América Primeiro",
"Tornar os EUA Grandes de Novo". Sobretudo com essa percepção americana
de que a grande ameaça à hegemonia americana é a China.
Acho que o que estamos vendo é o começo de um atrito entre EUA e China,
que vai se prolongar por muitos anos na área comercial e tecnológica. A
questão EUA-China é estrutural, vai vir para ficar, não vai ser
superada. Agora, o resto do mundo tem que tomar providências para
ampliar fatia de mercado, investimentos, independentemente do conflito
entre EUA e China. Não temos que tomar partido nenhum, temos que
defender os interesses do Brasil.
BBC News Brasil - Informações preliminares indicam que o
Mercosul pode ter cedido bastante em pontos-chave. No inicio dos anos
2000 o Mercosul exigia cota minima de 300 mil toneladas de carne bovina
para entrada no mercado europeu. Hoje, indica-se que o valor acordado
não passe de um terço disso. Qual é a importância de cotas altas ou
confortáveis para setores estratégicos como o agronegócio no Brasil?
Barbosa - O Brasil conseguiu uma concessão nos produtos
agrícolas de haver tarifas dentro das cotas. As cotas são uma decisão
política tomada. Eu não sei que cotas foram fixadas, mas de qualquer
forma, um acordo dessa magnitude não poderia ficar sujeito a cotas de
carne ou suco de laranja.
O que se conseguiu foi o que foi possível hoje, dentro de uma visão
maior de conseguir um acordo com o segundo parceiro econômico do Brasil.
As coisas mais importantes vêm primeiro, os detalhes vêm depois. Acho
que se teve cota que não atingiu o que a gente queria, a gente conseguiu
outras coisas e eles também não conseguiram várias coisas que queriam
do Brasil.
BBC News Brasil - E a abertura para a vinda de produtos da
indústria pesada, automotiva, etc. antes gerava preocupação forte no
empresariado brasileiro. Essa preocupação deve se manter agora ou o
cenário mudou?
Barbosa - Não temos informação sobre a parte comercial,
não vou especular. O que sei de concreto é que em um acordo de livre
comércio as tarifas industriais na Europa vão ser zeradas. É uma
vantagem para o Brasil.
Esse acordo comercial e outros que vierem a ser feitos vão depender
muito de conseguirmos colocar a casa aqui em ordem, com as reformas,
desburocratização, reforma tributária, para diminuir o custo-Brasil e
aumentar a competitividade dos produtos brasileiros. Não adianta nada
ter esse acordo se não tivermos competitividade para competir com os
outros parceiros globais.
Isso tem que ser visto como um tijolinho dentro da perspectiva de
aumento do comércio exterior, retomada da economia, redução do
desemprego. É um tijolinho nessa direção, mas não vai resolver o
problema da economia brasileira nem do comércio exterior brasileiro. Vai
depender de nós mesmos com essas reformas.
BBC News Brasil - O senhor teve participação nas negociações?
Barbosa - Em 1992, eu era subsecretário no Itamaraty e
negociei um acordo de cooperação econômica e política com a UE. Era um
acordo macro, genérico, não previa especificidades, mas foi o que
propiciou anos depois, em 1995, 1996, o começo da negociação deste
acordo comercial. Eu estava no começo do processo todo.
BBC News Brasil - O ex-chanceler Aloysio Nunes, do governo
Michel Temer, falou com a BBC News Brasil enquanto estava na pasta sobre
seus esforços para fechar o acordo, como o senhor mencionou. O senhor
menciona que foi um governo de transição, mas uma pedras no sapato desse
governo foram os escândalos. Foi um governo marcado por sucessivos
escândalos de corrupção em meio à Lava Jato, envolvendo inclusive o
próprio presidente da República. Isso atrapalhou?
Barbosa - Acho que não atrapalhou nada. Não quero
comentar isso. Porque a mesma coisa está acontecendo agora. Com todos,
isso aconteceu com Lula, com Temer, está acontecendo agora. Tivemos
ontem o negócio do avião. Mas não quero comentar isso.
BBC News Brasil - O Itamaraty no governo Bolsonaro tem recebido
críticas por eventuais mudanças bruscas em suas tradições. Lê-se na
imprensa estrangeira análises críticas que mencionam um encolhimento ou
enfraquecimento do Itamaraty. A assinatura muda esse cenário - o que ela
significa nesse contexto?
Barbosa - Acho que o principal ator nesse acordo foi o
Ministério da Economia, a negociação é econômica, comercial. O Itamaraty
é parte desse processo, é um negociador, mas as decisões vieram do
Ministério da Economia.
BBC News Brasil - E em relação a imagem do Itamaraty?
Barbosa - Não comento.
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