Do protecionismo às taxas sobre importação de aço, e
daí à guerra comercial. A tensão transatlântica se acirra, mas a
história ensina: a medida não salvará a indústria dos EUA, opina o
jornalista Henrik Böhme.
Vai ver que não dava mais para segurar, já que, mais uma vez, o caos
de pessoal na Casa Branca ocupa as manchetes, desde que a diretora de
comunicações Hope Hicks anunciou sua demissão. Quando não se consegue
dar conta dos problemas em sua própria casa, talvez adiante um grito de
independência com as tarifas de importação.E assim, o presidente Donald Trump mandou ver. Depois de um encontro com representantes do setor siderúrgico, voltado a discutir os prós e contras de tarifas alfandegárias, ele abriu as porteiras, anunciando que vai impor taxas sobre todas as importações de aço e alumínio para os Estados Unidos.
Nas próximas semanas ele pretende assinar o decreto nesse sentido – no usual grande gesto e possivelmente cercado por metalúrgicos do "Rust Belt". É nesse "Cinturão de Ferrugem", no noroeste americano, que costumava bater o coração da indústria siderúrgica nacional, e lá muitos votaram em Trump.
Agora cabe esperar até que o presidente tenha assinado o decreto, pois ainda há muitos detalhes por esclarecer. Enquanto isso, a União Europeia terá tempo de preparar a lista das ações retaliatórias. E aí, é partir para a guerra comercial!
Do outro lado do Oceano Atlântico, é grande a agitação. Fala-se de prejuízos milionários para as empresas possivelmente afetadas; milhares de postos de trabalho estariam ameaçados na Europa. É injusto isso o que o presidente está fazendo, logo ele que é pelo livre-comércio, reclamam. A coisa toda infringe as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC).
E assim por diante. Ou seja, os reflexos de sempre. Não só da Alemanha, mas também da UE se escutaram tais reações. Igualmente do Canadá – o que não é espantar, já que 85% das exportações de aço do país vão para os EUA – e do Brasil – o segundo maior fornecedor dos americanos.
Por enquanto, Trump não rebateu nada disso; antiglobalista que é, ele só tem em mente o mercado doméstico – que surpresa. O que lhe interessa são as dez usinas de aço fechadas nos últimos 20 anos e os milhares que ficaram desempregados – e isso num momento em que a produção mundial de aço cresceu quase 130%.
A principal impulsionadora dessa onda de crescimento é a China, que criou um dramático excesso de oferta no segmento do aço bruto, devido a suas gigantescas capacidades de produção.
É óbvio que a "good old America" poderia ter reagido; se especializando em tipos especiais de aço, por exemplo; transformado os conglomerados siderúrgicos em complexos industriais (no momento a Thyssenkrupp tenta isso na Alemanha, com algum sucesso).
Mas essa reação não veio. Decerto não é algo de que se possa acusar Trump, e ele até comentou (quase se desculpando) que não está zangado com os outros países, os quais simplesmente fizeram acordos melhores. Mas agora ele, o autodeclarado "Dealmaker", vai mudar isso.
Só que para um acordo é preciso no mínimo duas partes, em tempos de comércio global, até mais. Então já se pode partir do princípio de que a intervenção protecionista de Trump vai provocar desentendimentos. Pois os que estão ameaçados pelas tarifas procurarão outros mercados.
Desse modo, uma nova onda de aço chinês poderá inundar a Europa. E está longe de ser garantido o sucesso do plano trumpista, de criar milhares de postos de trabalho nas usinas nacionais. É possível que eles acabem voltando como bumerangues, na forma de sanções, encarecendo os produtos nos EUA.
Pode ser a hora das organizações multilaterais, como a OMC ou o G20, agirem. Entre o grupo das 20 principais nações industriais e emergentes, existe, desde a cúpula de 2016, uma comissão encarregada das supercapacidades no mercado siderúrgico. Seu sucesso é modesto: os chineses reduziram um pouco sua produção, nada mais.
Quanto à Organização Mundial do Comércio, ela é um tigre de papel de marca maior, que desde o que parece uma eternidade tenta criar um acordo de comércio mundial. É claro que os países atingidos pelas tarifas alfandegárias americanas podem apresentar queixa em Genebra, sede da OMC. Mas, para um Donald Trump, isso tanto faz. Para ele, a OMC não passa de mais uma dessas instituições supérfluas, caras e ineficazes.
Mas talvez o presidente devesse perguntar mais uma vez a seus assessores como foi dois anos atrás, quando os europeus, com base nas regras da OMC, lançaram um processo antidumping contra os chineses, cujos módulos de energia solar vinham arruinando um fabricante do continente atrás do outro. No fim das contas, a UE também impôs tarifas de importação, mas isso pouco adiantou para os produtores da Europa: nenhuma das firmas insolventes ressuscitou das cinzas, como a Fênix.
Trump também poderia indagar George W. Bush sobre as perspectivas de sucesso. Em 2002, seu antecessor republicano na presidência decretou tarifas alfandegárias de até 30% sobre as importações de aço. O tiro saiu totalmente pela culatra, e dezenas de milhares de metalúrgicos americanos perderam o emprego.
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