Autor de um livro sobre o desaparecimento da classe média nos Estados Unidos, Peter Temin explica as semelhanças que vê entre a maior economia do mundo e países emergentes.
16 mar 2018
A América Latina conhece bem sociedades em que há um enorme abismo
entre ricos e pobres, mas o economista Peter Temin acredita que esse
fenômeno alcança cada vez mais a maior economia do mundo: os Estados
Unidos.
Professor de Economia do prestigiado Instituto de Tecnologia de
Massachusetts (MIT, na sigla em inglês), ele faz uma comparação com um
país latinoamericano em particular. "Minha sensação é que estamos
ficando mais parecidos com a Argentina", diz ele.
Seu paralelo vai além do potencial econômico de duas grandes nações com
recursos naturais, que conseguiram desenvolver suas classes médias, e
atinge também a política, com as fórmulas aplicadas pelo líder argentino
Juan Domingo Perón no século passado e que hoje o presidente americano,
Donald Trump, ensaia adotar.
Autor de
The Vanishing Middle Class: Prejudice and Power in a Dual Economy
(A Classe Média em Extinção: Preconceito e Poder em uma Economia Dual,
em tradução livre), obra eleita uma das melhores da área econômica de
2017 pelo jornal britânico Financial Times, Temin acredita que o
problema dos Estados Unidos remonta aos tempos em que o país surgiu,
como explica na entrevista a seguir.
BBC Mundo - O senhor defende haver dois países diferentes dentro dos Estados Unidos. Pode explicar melhor essa ideia?
Peter Temin -
O ponto crucial foi nos anos 1970. Antes disso, os salários haviam
aumentado com a produtividade. Dali em diante, por quase 50 anos, os
salários reais (descontada a inflação) têm permanecido estáveis nos
Estados Unidos.
Ainda que a economia tenha se expandido, a expansão foi para os ricos, o
que chamo de setor FTE (as indústrias de finanças, tecnologia e
eletrônica), aproximadamente 20% da população. E a classe média está
desaparecendo.
É uma mistura de fatores econômicos, tecnologia, crescente globalização e política.
BBC Mundo - Quão profundo é esse problema?
Temin -
A forma como isso se deu nos Estados Unidos remonta ao fim do século 17
e à escravidão. Lutamos uma guerra civil por isso. Mas não acabamos com
o preconceito contra pessoas de descendência africana.
A fúria da classe média e dos pobres que estão sendo deixados de fora
do crescimento econômico se desviou dos aspectos econômicos para o
racismo. É dizer aos brancos pobres que ao menos eles estão melhor que
os negros pobres.
BBC Mundo - Pode dar alguns dados que ilustram esse fenômeno?
Temin -
Os números do livro vão de 1970 a 2014 e se baseiam em um estudo do
instituto de pesquisas Pew. A classe média passou de representar 62% da
renda agregada dos Estados Unidos para representar 43%. Essa é a classe
média que desaparece. Enquanto os mais ricos, do setor FTE, passaram a
representar de 29% a 49%.
Politicamente, há um conjunto ainda menor de pessoas que é dominante. A
eleição de 2016, que é problemática, é parte dessa fúria da qual
falava. O presidente Trump não ganhou pelo voto popular, perdeu por três
milhões de votos. Mas ganhou no sistema de colégios eleitorais de nosso
sistema federal. Isso se deve à quantidade de dinheiro envolvido na
política americana.
São aqueles que fazem parte do 1% da população que têm a maior renda, os plutocratas, que tomam as decisões políticas.
BBC Mundo - Mas Trump diz que os níveis de desemprego entre hispânicos
e afroamericanos estão entre os mais baixos da história...
Temin -
Sim, porque a economia cresce, e alguns conseguem trabalho. Mas essas
taxas de desemprego são mais elevadas que aquela entre os brancos. Ainda
que a expansão econômica seja boa para todos, porque isso faz com que
as empresas precisem de mais trabalhadores.
Um dos problemas neste momento, no entanto, é que o governo de Trump
tem permitido muita concentração nas indústrias e não tem aplicado as
regras contra monopólio. É uma opção política. Então, as empresas se
juntam e, ainda que necessitem de mais mão de obra, não querem pagar
salários mais altos.
Como resultado, o número de empregos aumenta, mas a pressão para elevar
os salários não obtém muito sucesso. Ainda que haja pequenos aumentos,
não são o bastante para elevá-los à mesma proporção da renda de há 50
anos.
BBC Mundo - É possível comparar a situação dos Estados Unidos com a da América Latina, a região mais desigual do mundo?
Temin -
Minha sensação é que estamos ficando cada vez mais parecidos com a
Argentina. No entanto, quando dei um seminário sobre isso no MIT, um dos
meus estudantes disse: "Isso se parece com o Brasil".
Falo Argentina porque, há um século, era um dos dez países mais ricos
do mundo. E a política tornou-se muito antagônica entre dois diferentes
grupos da população. Os líderes do país tomaram decisões ruins, como ter
se voltado para dentro de si com Perón durante a expansão da economia
global após a Segunda Guerra Mundial.
E o que acontece agora nos Estados Unidos é o mesmo, voltando-se para
dentro, ignorando o que ocorre no resto do mundo. Isso me parece ser o
paralelo mais próximo: um grande país com recursos naturais adequados,
que exportou com sucesso... Quase três quartos de séculos atrás, a
tecnologia era muito diferente, mas a política parece ser muito similar.
Uma das coisas que não explorei em detalhe, mas que está se tornando
mais evidente, é que a corrupção, que tem sido um ponto importante da
política na Argentina, no Brasil etc, está vindo para os Estados Unidos.
Há governos em que há conflitos de interesse, que recebem o apoio de
indústrias que deveriam regular.
BBC Mundo - Como podemos comparar o que ocorre agora nos Estados Unidos com o peronismo na Argentina?
Temin -
Há uma grande diferença: que a Argentina atravessou um período muito
ruim de violência entre vários grupos. Nós não chegamos tão longe. Mas
diria que os paralelos que vejo se resumem a dois aspectos.
Um é que Perón tendeu a favorecer um grupo da população sobre os
outros. O segundo é que ele desenvolveu o país internamente em vez de
torná-lo uma economia mundial. E é isso que Trump parece estar tentando
fazer atualmente.
BBC Mundo - E como se compara a desigualdade nos Estados Unidos com as de outros países?
Temin -
Tem um nível mais alto que em outros países europeus, mas não acredito
que seja tão alto quanto nos latinoamericanos. Mas, na Europa, a direita
está ganhando poder político, em uma espécie de paralelo com os Estados
Unidos.
Lá, o preconceito não é com os negros, mas com os muçulmanos,
refugiados do Oriente Médio. Há um contexto racial ou religioso. É mais
comparável aos latinos nos Estados Unidos do que aos negros, porque são
imigrantes recentes.
BBC Mundo - O que recomenda para reduzir a desigualdade nos Estados Unidos ou na América Latina?
Temin -
Uma vez que essa situação se instaura, é muito difícil sair dela.
Suponho que a experiência da América Latina ilustra isso. Dado que nós
levamos 50 anos para chegar aonde estamos, sinto que poderia levar 50
anos para sair disso.
O primeiro passo é eleger um governo que queira fazer isso, se for
possível. O governo atual nos Estados Unidos é muito favorável aos
ricos. O corte de impostos aprovado no fim de 2017 favorece os mais
ricos. Isso precisa ser revertido.
O segundo é a educação, para superar os preconceitos e dar às pessoas
capacidade de que possam chegar à classe alta. Nos Estados Unidos, o
setor FTE tem uma boa educação. Mas, abaixo disso e especialmente dentro
de nossas cidades, a educação pública é terrível.
Isso significa que a mobilidade em termos de renda é restrita, porque,
se você nasce pobre, é muito difícil chegar aos círculos mais altos.
Então, precisamos de muito mais recursos para a educação dos mais
pobres.
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