No Brasil, a maioria dos políticos foge da discussão por medo de perder votos
A decisão iminente da Suprema Corte dos EUA em acabar com a permissão federal do aborto —concedida pela mesma Suprema Corte em 1973 - deve trazer consequências sérias especialmente para mulheres pobres em estados conservadores, que agora estarão livres para proibir o aborto em todos os casos, se assim quiserem.
No Brasil, o debate político é praticamente inexistente. A maioria dos políticos foge da discussão por medo —bem fundamentado— de perder votos, então apenas assistimos aos debates em outros países (como EUA ou Argentina) sem grandes esperanças de que algo mude por aqui.
É uma pena. Muito sofrimento humano seria poupado se pudéssemos dizer com clareza: um feto em seus estágios iniciais de formação não é, ainda, um ser humano. Sim, há quem defenda que a vida humana começa já na concepção (no encontro do óvulo com o espermatozoide), mas mesmo esses em geral não levam sua crença a sério.
Vejam só: Na fertilização in vitro, permitida no Brasil, embriões são formados fora do útero e implantados, sabendo que a maioria deles morrerá. Os embriões excedentes são ou descartados ou congelados, para ficar à espera de uma possível implantação que, para a imensa maioria, nunca chegará.
Quando a burocracia não se interpõe, acabam sendo destinados à pesquisa. Agora, pergunte ao mais ardoroso militante pela proibição do aborto:
se houvesse um incêndio no prédio hospitalar, e ele precisasse escolher
entre salvar uma estante com milhares de embriões congelados ou um
único bebê humano já nascido, qual das duas alternativas ele escolheria?
A resposta é óbvia. Ninguém acredita que o embrião seja já um ser
humano na mesma medida que o bebê.
Outro motivo de ceticismo: estima-se que em até 30% das concepções
bem-sucedidas (ou seja, quando o óvulo é fertilizado por um
espermatozoide) o embrião não consegue se implantar no útero (o nome
técnico disso é "nidação") e morre antes mesmo de a mulher perceber que
está grávida. Se os embriões fossem realmente considerados seres
humanos, isso seria visto como uma tragédia monumental.
Imagine se uma doença misteriosa matasse 30% dos bebês recém-nascidos.
Não pouparíamos investimentos e esforços para descobrir e sanar esse
mal. Aliás, foi isso que a humanidade fez ao longo dos últimos dois
séculos, derrubando a mortalidade infantil.
E, no entanto, quantas pessoas sequer se importam com as mortes
de embriões antes da nidação? A taxa de sucesso na nidação só vira
assunto quando uma mulher não consegue engravidar. Ou seja, o
prioritário aí é ajudar a escolha dela em ser mãe, e não as incontáveis
mortes de embriões que ocorrem cotidianamente sem que ninguém se
preocupe.
Em suma: ninguém trata os primeiros estágios de desenvolvimento do
embrião e do feto como se ele já fosse um ser humano. E por bons
motivos. O embrião não pensa, não tem sentimentos, nem sequer sente dor.
Nas primeiras duas semanas de formação, ele pode inclusive se dividir,
formando gêmeos. Ou seja, não dá nem sequer para dizer que se trata de
um indivíduo biológico.
Por que manter essa crença —de forma seletiva e arbitrária— única e
exclusivamente no caso da mulher que busca um aborto no início da
gravidez?
Uma lei que permitisse o aborto no primeiro trimestre de gravidez já
daria conta de mais de 90% dos casos. Mantida a possibilidade de aborto
para casos especiais posteriores a essa data (risco de vida da mãe, feto
inviável etc.), já teríamos dado um passo imenso para reduzir o
sofrimento desnecessário a milhões de mulheres sem correr risco de estar
tirando uma vida humana.
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