Vinicius Torres Freire
Jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).
Além da privatização, governo e Congresso armam mais ruína no setor elétrico
A eletricidade ainda vai ficar muito mais cara e o setor elétrico vai ficar ainda mais caótico. Se a conta de luz não aumentar ainda mais neste ano, graças a um decreto aloprado que o Congresso quer aprovar, vai aumentar no ano que vem e depois.
É por causa da privatização da Eletrobras? Também, não necessariamente por causa da privatização em si. É por causa do conjunto da obra ruinosa, empreitada dos regentes parlamentares do desgoverno de Jair Bolsonaro.
A privatização da Eletrobras entrou na fase de final de série de TV. Parece que está acontecendo algo importante. Tem fofoca, "emoção". Teve a votação "decisiva" do TCU (Tribunal de Contas da União), que era meio favas contadas (maioria pela validação dos critérios de venda), mas não proibiria nada, embora contestações do TCU pudessem dar pano para manga em tribunais. Mas vai ter tribunal ou outro furdunço legal, típico dos últimos dias de qualquer privatização. A privatização porca é só parte do rolo.
A venda da empresa até pode dar chabu. Por exemplo, os tombos nas bolsas dos EUA podem atrapalhar. Donos do dinheiro podem se sentir ameaçados pelo risco (remoto) de a privatização ser avacalhada por um governo do PT ou por intervenções de Bolsonaro 2, uma mixórdia com propensão a ser ainda mais autoritária e inepta.
O buraco, porém, está ainda mais para baixo.
A Câmara colocou em regime de urgência um projeto de decreto legislativo que pode impedir reajustes de energia elétrica, que na média do país devem ficar em cerca de 20% neste ano.
Nesta quarta-feira, Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, arquiduque do centrão e regente de Bolsonaro, deu um ultimato ao governo. Se não derem um jeito no reajuste, a Câmara derruba o troço.
Não haveria aumento —agora. As distribuidoras de energia (vendedoras para o consumidor final) talvez levassem a coisa à Justiça. Algumas teriam problemas financeiros (como pagar a energia que compram das geradoras). O Brasil seria ainda mais visto como uma roça bananeira em que é arriscado investir.
Talvez o governo cubra o rombo (fazendo mais dívida) ou tente empurrar a conta para os estados (por meio de redução do ICMS, como nos combustíveis). Alguém vai pagar.
De onde vêm esses e outros reajustes enormes?
Da inflação, em parte causada pelo dólar, que subiu em parte por causa do desgoverno do mentecapto ignaro. Também de reajustes postergados durante o pior da epidemia e do preço altíssimo da energia de emergência contratada em 2021, a fim de se evitar racionamento.
Tem mais. Por causa também da queda bruta na revenda de eletricidade no pior da epidemia, as distribuidoras ficaram com buracos. A fim de tapar o rombo, tomaram um empréstimo, meio patrocinado pelo governo, que queria evitar que tais custos fossem repassados de imediato ao consumidor. O custo desse empréstimo vai aparecer na conta de luz, com juros e correção monetária, por cinco anos.
Energia
Parlamentares governistas querem evitar a paulada do reajuste no ano eleitoral. Vai dar muito errado.
O governo pensa até em usar dinheiro que vai receber no processo de venda da Eletrobras para atenuar o reajuste. Em tese, esse dinheiro serviria para atenuar aumentos de custos de energia que virão com a privatização da estatal elétrica, fora a conta extra que lobistas e o Congresso enfiaram na lei de desestatização (criando reservas de mercado para produção de energia cara).
Rolos velhos se enrolam em besteiras do ano passado, que devem ser amplificadas pelas tolices deste ano. A conta virá, mais salgada. Bolsonaro e seus regentes estão para produzir mais um desastre no setor elétrico.
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