Ana Paula Massonetto
05 de maio de 2022
Anteontem, no dia do Parlamento, o Poder Legislativo brasileiro completou oficialmente 199 anos, contando com cerca de 60 mil parlamentares, em aproximadamente 6 mil casas legislativas e custando quase R$ 40 bilhões por ano.
- E se o número de parlamentares e o custo do Legislativo fosse reduzido pela metade?
- E se metade das vagas fosse preenchida por sorteio, dentre os cidadãos interessados?
- E se os parlamentares fossem julgados por qualquer pessoa da sociedade (como num Tribunal do Juri)?
Sob ataques, a democracia brasileira anda adoecida. Já o Legislativo, sofre de doença crônica, com seu arcaico e rígido modelo de funcionamento, tem se mostrado incapaz de se adaptar às transformações da sociedade e, geralmente, falhado em suas atribuições de frear a centralização de poder, de criar regras de convivência coerentes, negligente em pautar políticas públicas que atendam às necessidades dos cidadãos.
Mas, então, esse doente tem cura? Se a gente pudesse reinventar o Parlamento, como ele funcionaria? Qual é o Legislativo dos seus sonhos?
Tenho buscado esta resposta desde 2006, depois de também adoecer (literalmente) ao conhecer de perto muitas das disfunções e mazelas do Legislativo como assessora parlamentar na Alesp. Desde então, escrevi uma tese de doutorado sobre o tema, me candidatei ao Senado com uma proposta de inovação na forma de organizar um mandato parlamentar, idealizei e cocriei uma consultoria de planejamento estratégico implementado para uma dezena de mandatos parlamentares e me aproximei de mandatos de renovação, sempre buscando descobrir maneiras de transformar essa instituição, capazes de renovar seu sentido e valor.
É verdade que o sistema costuma engolir e massacrar os ideais. Mas observar inúmeras tentativas de mudanças em diferentes frentes e atores, traz alguma esperança. Neste meu último artigo aqui no Legis-Ativo, compartilho algumas das ideias nutridas nesta trajetória, por várias experiências, atores ou organizações, compiladas numa potencial agenda de reformas. Incluí também sugestões de outros parlamentares, assessores e membros da sociedade civil da comunidade da Mandato Ativo, que contribuíram com a enquete promovida pelo nosso time no último mês.
Vem sonhar também o Legislativo do futuro:
- Centralização do Processo Decisório e Lógica de Carreira
Presidentes das Casas Legislativas controlam a agenda e minam o debate das comissões, do plenário, a participação da sociedade civil, a oposição e/ou a fiscalização do Executivo. Quando na oposição, podem paralisar o Executivo. Na situação, renunciam ao check and balances. Maiorias são formadas a partir da negociação de cargos, recursos ou políticas distributivas para redutos eleitorais, independentemente da coerência com necessidades da sociedade. Como resultado, negociações pouco republicanas são comuns para fazer rodar o Executivo e/ou o projeto de poder de um grupo político, o mensalão do PT e o orçamento secreto do Bolsonaro são e geram resultados perversos.
- E se metade das cadeiras fosse preenchida por sorteio dentre os cidadãos interessados previamente inscritos, via partidos políticos, proporcionalmente aos votos recebidos por cada partido?
- E se a entrada do projeto em pauta fosse obrigatória e tivesse prazo, por blocos temáticos (educação, meio ambiente, política econômica, etc.) e/ou por sorteio?
- E se a autoria de leis fosse dos partidos e não dos parlamentares individualmente, reduzindo-se os incentivos individuais, dado que o jogo é coletivo, e responsabilizando os partidos pelos resultados do legislativo?
- E se o Legislativo tivesse metade do número atual de partidos políticos e dos parlamentares para negociar?
- Qualificação do debate e do processo legislativo
Tramitação lenta e custosa; volume de leis inócuas, volume de leis sobre a mesma temática e incoerência da ordem jurídica; desconexão com políticas públicas, ausência de soluções para os problemas dos cidadãos:
- E se projetos inconstitucionais fossem obrigatoriamente excluídos da pauta por avaliação prévia da controladoria?(enquete)
- E se a denominação de logradouro fosse por sorteio, ordem numérica, por sugestão e/ou votação da comunidade local ou de autoria dos partidos políticos?
- E se toda proposta legislativa fosse fundamentada em diagnósticos de demandas e dados estatísticos e/ou qualitativos?
- E se toda Casa Legislativa tivesse suporte técnico qualificado para produção de diagnósticos e benchmarking de políticas públicas?
- E se houvesse uma obrigatoriedade pelo uso de sistemas digitais com dados acessíveis em todas as Casas Legislativas do Brasil?(enquete)
- Entregas, resultados e fiscalização da atuação parlamentar
Mandatos parlamentares recebem estrutura equivalente às empresas de pequeno porte (recursos, equipe, infraestrutura) e tem plena autonomia na gestão, baixa responsividade e responsabilização pelos seus atos, a transparência é opcional. E os resultados da atuação parlamentar são questionáveis, seja na qualidade da produção legislativa, na capacidade de fiscalização ou na percepção da sociedade em geral.
- E se todos os parlamentares e assessores passassem por curso de formação inicial quando assumissem o cargo, bem como por atualizações periódicas? (enquete)
- E se ao menos parte dos assessores fosse selecionada mediante processo seletivo com aferição de capacidades técnicas?
- E se todos os mandatos elaborassem e publicizassem, de partida, o planejamento do mandato, a composição da sua equipe e a prestação de contas da sua atuação?
- E se mandatos e partidos políticos fossem anualmente avaliados por metas, indicadores, resultados, indicadores e entregas para a sociedade?
- E se os parlamentares se especializem em pautas e temáticas específicas e desenvolvessem capacidade técnica para elaborar e avaliar a implementação das políticas públicas do Executivo na sua área de atuação?
- E se os parlamentares inovassem nas estratégias e iniciativas de fiscalização do Executivo, com capacidade para aferir desde a elaboração dos programas e projetos, passando pela execução dos serviços e do controle jurídico e orçamentário da atuação governamental?
- E se os parlamentares forem proibidos de monetizar conteúdo na internet?
- E se os Tribunais de Contas aferissem não só o trabalho do presidente da casa, mas também de todos os outros parlamentares? (enquete)
- E se fosse obrigatório o cumprimento de requisitos de transparência para a execução de partes do orçamento da casa?
- Participação Social
As casas legislativas e os mandatos que as compõem precisam sair de uma postura passiva e passar a se responsabilizar pela participação popular através de um engajamento proativo e efetivo das suas comunidades.
- E se fosse obrigada a destinação de espaços das casas para ações populares?
- E se fosse obrigada a divulgação dos projetos de lei em linguagem mais acessível nos sites e redes sociais?
- E se o Parlamento Jovem e ações de educação política nas escolas fossem obrigatórias em todas as casas legislativas do país? (enquete)
- E se os mandatos de vereadores precisassem ir ao menos quinzenalmente nos bairros ouvir e conversar com os cidadãos?
- E se a população pudesse priorizar ou votar diretamente em parte dos PLs?
- E se os parlamentares consultassem seus eleitores sobre as demandas locais, visitassem bairros e experimentassem os serviços que devem fiscalizar?
- E se o aumento da remuneração fosse definido pela sociedade e não por eles mesmos?
Agradeço aos parlamentares que se esforçam para melhorar e para sobreviver na política, aos participantes da enquete e a todos com quem aprendi sobre política, em especial ao time do Legis-Ativo, generosos e geniais. Deixo essa coluna, para focar na transformação da sociedade pela educação. O Legislativo será melhor, quando tivermos parlamentares mais preparados e republicanos e quando os cidadãos forem capazes de avaliar e escolher melhor seus representantes.
“Não há nada como o sonho para criar o futuro. Utopia hoje, carne e osso amanhã.” Victor Hugo
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