É justo que haja clareza sobre o quanto do desenvolvimento dos países ricos se baseia na destruição do planeta
20 de abril de 2021 | 04h00
Esta é a semana do Dia da Terra: vale aproveitar a ocasião para conhecer o novo IDH, que ajusta o tradicional índice de desenvolvimento humano para “pressões planetárias” (IDHP). Assim, além de informações sobre renda, educação e saúde, o novo IDH contempla a emissão de carbono e a pegada ecológica por habitante. Mensura então o quanto o desenvolvimento de um país pressiona a Terra, expondo vários países ricos – que despencam no ranking do IDH.
Peguemos o exemplo da Noruega, diversas vezes considerado o país de maior qualidade de vida, número 1 na classificação do indicador. As ruas de suas cidades têm ciclovias e estações para carregamento de carros elétricos. Sua política externa é preocupada com a mudança climática, sendo marcante o episódio da suspensão das doações ao Fundo Amazônia com o aumento do desmatamento no governo Bolsonaro. O novo IDH a constrange.
É que a Noruega perde nada menos do que 15 posições no indicador com os ajustes feitos pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). Não deve voltar ao topo do ranking tão cedo: em parte porque o país é um grande produtor de petróleo. Digamos que os painéis solares de Oslo são viabilizados pela riqueza de suas exportações, que vira por exemplo combustível fóssil queimado em outros países.
Dessa forma, o novo IDH expõe de forma clara uma certa hipocrisia que já era criticada. Sobre a convivência da agenda verde dos noruegueses com a venda de petróleo de suas gigantescas reservas para o resto do mundo, o jornalista Michael Booth comparou a Noruega ao “traficante de drogas que não usa seus produtos”.
O vexame também é de outros países, o que talvez explique a baixa cobertura da imprensa internacional para o novo IDH, ou a tímida divulgação do próprio Pnud (que embora disponibilize os dados, optou por não divulgar o ranking reclassificado). O rico que mais perde é Luxemburgo, caindo mais de 130 posições.
O Brasil ganha dez posições no novo IDH, menos do que vários países latino-americanos, muitos dos quais são os que mais ganham posições no IDHP entre países do mundo todo. Vários vizinhos nossos ganham mais que 20 posições. Seriam, para usar a definição oficial, países cujo desenvolvimento humano atual não pressiona o planeta e a desigualdade entre gerações. Segundo a ONU, esse IDH verde “deve ser visto como um incentivo para transformação. Em um cenário ideal, em que não houvesse pressões no planeta, o IDHP seria igual ao IDH”.
Vale frisar que o novo indicador, como o tradicional, tem limitações. Pode-se alegar que medidas sintéticas perdem a utilidade quando incorporam informações demais. E sempre haverá informações a incorporar. Por exemplo, a nova número um é a Irlanda, cuja prosperidade está em algum grau associada ao seu papel cada vez mais relevante de paraíso fiscal – em prejuízo de outros países.
Assumidamente experimental, o novo IDH verde gera um ranking com curiosidades. Quando a sustentabilidade entra na conta, o Brasil é considerado mais desenvolvido que a Austrália, o México desbanca os Estados Unidos, o Sri Lanka ultrapassa a Coreia do Sul. A Costa Rica, que mais ganhou posições, supera em desenvolvimento humano a Islândia. Portugal ganha da Finlândia. E o Panamá surge na frente do Canadá no novo IDH.
A diplomacia dos países desenvolvidos poderia ser desafiada com a nova abordagem. Além da Noruega, os Estados Unidos é outro país que cai muito na reclassificação. Por mais desastrosa que seja a atual política ambiental brasileira, por que deveria se dar tanto status às críticas de países cuja emissão por habitante é, respectivamente, quatro vezes ou oito vezes maiores que a nossa?
O IDH verde poderia ser um trunfo então para os países mais pobres, que deram menos causa à mudança climática e podem sofrer mais com ela (por conta dos efeitos na agricultura, por exemplo). Se vão ter seu crescimento econômico limitado pelos esforços de mitigação nos próximos anos, é justo que haja clareza sobre o quanto do desenvolvimento dos países ricos se baseia na destruição do planeta.
*DOUTOR EM ECONOMIA
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