- Natalie Sherman
- Da BBC News em Nova York
Por muitos anos, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, se gabou de que o fato de ele pagar poucos impostos mostra que ele é "inteligente".
Segundo Trump, o próprio sistema tributário americano beneficia empresários como ele com créditos e isenções fiscais.
"Como qualquer outra pessoa do setor privado, a menos que sejam estúpidos, eles usam as brechas da lei", disse Trump no debate presidencial no mês passado, quando confrontado com a informação publicada pelo jornal americano The New York Times de que havia pagado apenas US$ 750 em imposto de renda para o governo federal em 2016 e 2017.
O jornal também revelou que Trump não pagou nenhum imposto de renda por dez anos, "principalmente porque relatou ter perdido muito mais dinheiro do que ganhou".
"Essa equação é um elemento-chave da alquimia das finanças de Trump: usar os lucros de sua fama para comprar e sustentar negócios arriscados e, em seguida, usar seus prejuízos para evitar impostos", diz o jornal.
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As estratégias do atual presidente para pagamento de impostos nos últimos anos estão atualmente sob investigação de autoridades em Nova York. Mas o quão frequente é uma história como a dele?
Para Andy Summers, professor de Direito da London School of Economics, no Reino Unido, Trump teria dificuldades para adotar tais estratégias em outros países. O Reino Unido, por exemplo, tem regras que limitam o quanto de perdas com um negócio podem ser usadas para compensar ganhos em outro lugar.
Tudo isso sugere que Trump é um caso à parte, apesar de algumas pesquisas já terem encontrado taxas mais altas de evasão fiscal entre os muito ricos.
Mas, sob alguns aspectos, o presidente tem razão, segundo especialistas em impostos. Em vários lugares do mundo, os ricos pagam efetivamente menos do que os impostos oficiais exigiriam — e isso sem a necessidade de recorrer a esquemas muito complicados e nem ilegais.
"Na verdade, é algo relativamente comum", diz Arun Advani, professor de economia da Universidade Warwick, que examinou os impostos no Reino Unido junto com Summers.
Ganhos salariais atingidos com mais força
No Reino Unido, um quarto daqueles que ganham entre 5 milhões de libras (R$ 36 milhões) e 10 milhões de libras (R$ 72 milhões) em renda e ganhos de capital pagaram uma taxa média e efetiva de imposto de apenas 11% nos últimos anos, segundo demonstraram Advani e Summers.
Isso não só é menor do que a maior alíquota oficial, de 47%, mas também menos do que incide sobre alguém que ganha apenas 15 mil libras.
Nos Estados Unidos, os 400 bilionários mais ricos pagaram uma taxa média de imposto de 23% em 2018 — inferior à taxa de 24% paga pela metade inferior das famílias, estimaram economistas da Universidade da Califórnia em Berkeley em um estudo de 2019.
A diferença entre as taxas principais e o que os governos realmente arrecadaram foi impulsionada por leis que atingem salários com taxas de impostos mais altas do que outros tipos de renda, como propriedades e investimentos no mercado de ações.
O ex-banqueiro nova-iorquino Morris Pearl, de 60 anos, que já disse ter uma fortuna de "dezenas de milhões", afirma que sua alíquota de imposto de renda está bem abaixo da alíquota oficial dos Estados Unidos sobre as maiores rendas, de 37%. Isso apesar dos seus grandes ganhos no mercado de ações nos últimos anos, no qual ele investe desde que se aposentou na gigante de investimentos Blackrock em 2013.
"Todo o sistema é fundamentalmente injusto", diz Pearl, agora presidente do Patriotic Millionaires, um grupo de americanos ricos que apoia uma incidência mais alta de impostos em sua faixa de renda. "O quanto de imposto eu pago não corresponde em nada à quantidade de dinheiro que qualquer pessoa normal diria que eu ganhei."
Incentivo à economia ou motor de desigualdade?
Desde a década de 1980, as alíquotas oficiais sobre os maiores ganhadores tenderam a cair nos países desenvolvidos.
Essa queda fez parte de um contexto de guinada à direita com Ronald Reagan nos Estados Unidos e Margaret Thatcher no Reino Unido que influenciou em muito a política e a economia global.
Embora alguns países tenham alterado o nível de renda a partir do qual a taxa máxima é ativada, ou aumentado alíquotas após a crise financeira global, a tendência geral de queda permanece.
E a maioria dos países — mesmo a Dinamarca, conhecida por seus impostos altos — optou por recompensar os investimentos e a propriedade com alíquotas mais baixas.
Os defensores desse estímulo afirmam que ele incentiva investimentos, com resultados positivos no crescimento econômico e na geração de empregos. Eles argumentam também que os ricos ainda respondem por uma parcela desproporcional da arrecadação do governo.
Ao mesmo tempo, esta é uma configuração que está sendo cada vez mais culpada por alimentar a desigualdade e a instabilidade política.
Há alguns meses, Pearl ajudou a organizar uma carta assinada por alguns dos mais ricos do mundo pedindo aos governos que aumentem os impostos sobre pessoas como eles de maneira a ajudar no combate à pandemia do coronavírus.
Esta manifestação influenciou debates políticos nos Estados Unidos, no Reino Unido e em outros lugares.
Outro organizador da carta, Djaffar Shalchi, um magnata da construção civil da Dinamarca, diz que até mesmo seu país viu sua abordagem com fama progressista diminuir com o tempo. Shalchi quer ver o restabelecimento de um imposto sobre fortunas para combater a desigualdade econômica.
"Se não resolvermos esse problema, teremos uma situação como a dos Estados Unidos talvez dentro 20 anos", diz ele. "Estamos caminhando nessa direção."
A empreendedora Gemma McGough, que atua no setor de tecnologia no Reino Unido, concorda e diz que, no ano passado, pagou impostos em cerca de 40% sobre uma receita gerada principalmente por poupanças e investimentos.
Mas quando ela e seu marido venderam a primeira empresa deles em 2014, a Product Compliance Specialists, eles foram favorecidos por benefícios para empresários que blindavam a incidência de alguns impostos na venda de suas companhias.
"Eu me sinto um pouco culpada por ter ficado tão rica", diz McGough. "Quando comandava a empresa, não me sentia assim, porque acreditava que estava trabalhando duro."
"Só mais tarde, depois que vendemos a empresa, que eu enxerguei que há muitas pessoas trabalhando duro, e a maioria não fica milionária."
Mudança na política tributária?
McGough, Pearl e Shalchi continuam sendo uma minoria entre os mais ricos.
Mas, desde que os Patriotic Millionaires surgiram em 2010, suas pautas ganharam apoios importantes, como o do bilionário Warren Buffett. Ele defendeu em 2016 o aumento de impostos sobre os mais ricos, destacando que sua alíquota de 16% em impostos federais era inferior à de sua secretária.
Pearl, cujos US$ 100 mil em impostos pagos recentemente ainda eram muito mais volumosos do que o pago por Trump, se diz esperançoso de que a indignação com histórias como a do presidente americano force o pêndulo da política tributária a oscilar em outra direção.
"Era algo meio abstrato antes, mas acho (...) que as pessoas estão percebendo que a maioria está pagando uma parcela muito mais alta do que alguns de nossos cidadãos mais ricos", diz ele. "Muitas pessoas decidiram que isso não é justo."
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