terça-feira, 10 de agosto de 2021

IPCC: Com aquecimento, Brasil produzirá menos alimento e terá desequilíbrio de CO2 na Amazônia

Além da floresta, regiões como o Centro-Oeste e o Nordeste devem ter cenários de seca e incêndios amplificados; cidades do Sudeste devem ter mais enchentes

Emilio Sant’Anna , O Estado de S.Paulo

 Tiago Queiroz|Estadão

O planeta tem esquentado mais rápido do que o previsto e o Brasil deve sofrer com eventos climáticos extremos mais frequentes, como estiagens no Nordeste e no Centro-Oeste e enchentes em cidades do Sudeste. E se a mudança no equilíbrio dos ecossistemas não for suficiente para um novo rumo nas decisões de autoridades, no Brasil também são esperados efeitos negativos na economia, como forte queda da produção agrícola. Segundo o novo relatório do Painel Intergovernamental sobre o Clima da ONU (IPCC), apresentado nesta segunda-feira, 9, essas serão apenas algumas das consequências do aquecimento global para as Américas do Sul e Central. 

O prognóstico é resultado do trabalho de cientistas de 66 países reunidos pela entidade, que aprofundaram análises para 11 diferentes regiões do globo. Em meio à pandemia da covid-19, com mais de 560 mil mortes apenas no Brasil, as projeções do IPCC apontam para possíveis novas crises humanitárias.

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O desmatamento contínuo reduz as chuvas e aumenta as temperaturas locais, colocando também em risco a vegetação remanescente e a produção de alimentos Foto: TIAGO QUEIROZ/ESTADÃO

Segundo o relatório, caso as metas do Acordo de Paris (pacto climático que quase todos os países assumiram em 2015 para conter o aquecimento global) não sejam cumpridas e o planeta atinja 2ºC acima dos níveis pré-industriais ainda neste século, regiões como o Centro-Oeste do Brasil e a Amazônia serão fortemente afetadas. A postura negacionista de governos como o de Jair Bolsonaro (sem partido), que minimiza os impactos do desmatamento e fragiliza a fiscalização ambiental, tem preocupado especialistas. 

Conforme o IPCC, na região central do continente, sob influência climática da chamada Monção Sul-americana, que sofreria forte alteração, as projeções apontam para o aumento das secas em meados do século 21, o que afeta regiões como o Centro-Oeste e o Nordeste. Essa mudança afetará também a produção agrícola, um dos principais motores da economia brasileira. Cenários com a maior frequência de incêndios e desertificação são também considerados de alta probabilidade.

Na gestão Bolsonaro, o número de focos de incêndios em regiões como Amazônia, PantanalCerrado disparou. Em 2020, o Cerrado brasileiro, assim como o Pantanal, registraram as piores queimadas já captadas pelos satélites do Instituto Nacional de Pesquisas Especiais (Inpe), órgão do Ministério da Ciência e Tecnologia

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Brigadistas do Ibama combatem incêndio em unidade de conservação ambiental na região de Manicoré, no Estado do Amazonas  Foto: Gabriela Biló/ Estadão

O Cerrado desempenha papel essencial no apoio ao ciclo da água no Brasil, uma vez que é fonte de oito das 12 bacias hidrográficas do País. O desmatamento contínuo reduz as chuvas e aumenta as temperaturas locais, colocando também em risco a vegetação remanescente e a produção de alimentos. Em 2020, por exemplo, a estiagem atrapalhou o início do plantio de soja. Neste ano, o País ainda vive estiagem histórica, que coloca no horizonte o risco de racionamento energético. 

“O negacionismo ambiental desse governo é muito parecido com o negacionismo na pandemia, que produziu quase 600 mil mortes. Esse negacionismo na saúde a gente está vendo o que gera. Frente ao meio ambiente, vemos escassez hídrica, aumento das emissões, produção de alimentos ficando mais cara”, diz Mauricio Voivodic, diretor executivo do WWF-Brasil.

No Cerrado, os alertas do Inpe indicam 661 km² de desmate em julho, totalizando 5.102 km² entre agosto de 2020 e o último mês - alta de quase 24% ante o ano anterior (2019-2020). Maranhão, Bahia e Tocantins lideram o ranking dos Estados com maior área desmatada no último ano.

Floresta já emite mais gás carbônico do que absorve em algumas áreas

Na Amazônia, por sua vez, o Inpe registrou 8.712 km² em alertas de desmate entre agosto de 2020 e julho de 2021. Isso coloca o período atrás apenas dos 9.216 km² devastados entre agosto de 2019 e julho do ano passado, conforme os números dos últimos seis anos. Essa, no entanto, não é a única medida do problema.

 

Algumas áreas da Floresta Amazônica já emitem mais dióxido de carbono do que absorvem, segundo estudo publicado em julho na revista científica Nature. Fatores como o desmatamento causado pelo homem e os efeitos das mudanças climáticas parecem ter influenciado a capacidade do bioma de atuar como “filtro” de um dos principais gases responsáveis pelo efeito estufa.

O estudo analisou centenas de amostras de ar coletadas na parte mais baixa da atmosfera terrestre, entre 2010 e 2018, e constatou que o sudeste da Amazônia se tornou grande fonte de emissão de CO2. Durante os últimos 50 anos, as plantas e o solo absorveram mais de 25% das emissões de gás carbônico. Já as emissões aumentaram em até 50%. A inversão dessa capacidade de absorver CO2 em determinadas regiões é também uma das conclusões gerais do relatório do IPCC.

“Os desmatamentos na Amazônia e em outros biomas brasileiros contribuem para o aquecimento do planeta e não beneficiam o País, seu povo e sua economia formal. A ciência e a história recente do país revelam claramente que podemos produzir mais e melhor sem desmatar, e que os biomas são fundamentais para a agricultura e para garantir a segurança hídrica e energética de nossas cidades", diz Carolina Genin, diretora de Clima do WRI Brasil, parte do World Resources Institute (WRI), instituição de pesquisa que atua em mais de 60 países.

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Desmatamento na Floresta Nacional de Jamanxim, perto de Novo Progresso, no Pará Foto: Amanda Perobelli/Reuters - 11/9/2019

Os problemas para o Brasil não param por aí, aponta o documento. No Sudeste, inundações causadas pelas chuvas - que já castigam cidades como São Paulo, Rio de Janeiro e Belo Horizonte - devem se tornar ainda mais constantes.

 

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