À medida que a pandemia continua se expandindo, com novas variantes e taxas de contágio e mortalidade recordes, um novo gap de sexo/gênero começa a aparecer de forma consistente nos dados de diversos países: muito mais homens são vítimas da Covid-19.
O sexo masculino foi identificado como fator de risco para mortalidade e internações graves por Covid-19 em meta-análise de 92 estudos globais do Nature Communications: pacientes do sexo masculino têm risco 2,8 vezes maior de internação em UTIs e 1,4 vez maior de mortalidade (Peckham et al., 2020). Evidência semelhante também é encontrada nos dados de 187 países que estão sendo acompanhados pela plataforma Global Health 50/50: 68% das internações em UTIs e 57% das mortes por Covid-19 são de homens.
Rotina do Hospital Albert Einstein na pandemia de Covid-19
Além disso, a vantagem feminina também se manifesta na menor prevalência e nos melhores resultados de diversas outras doenças infecciosas. De fato, diferenças inatas e adaptativas do sistema imunológico entre os sexos, e a favor das mulheres, já estão bem documentadas (“The Better Half: On the Genetic Superiority of Women”, Sharon Moalen).
Mas há também um segundo conjunto de explicações relacionadas aos aspectos comportamentais que são bastante plausíveis neste contexto de pandemia. A transmissão da Covid-19 depende em grande parte das atitudes preventivas adotadas pela população, como higiene, uso de máscaras, distanciamento social, e até mesmo a busca ativa pelos serviços de saúde, que podem diferir entre os gêneros.
Se elas fossem importantes, poderiam inclusive contribuir para variações no número de casos entre homens e mulheres, o que não se verifica globalmente, apesar de haver diferenças entre os países.
Entre as exceções, está o Brasil. Aqui, o gap de gênero a “favor” dos homens vem desde o número de casos, indicando que parte do diferencial de mortalidade pode começar nesse estágio: 56% dos contágios ocorrem entre os homens, enquanto 44% estão entre as mulheres.
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É claro que a interpretação no número de contágios está sujeita ao viés da testagem —ou seja, quem escolhe fazer o teste ou tem acesso a ele—, informação que, infelizmente, é disponibilizada apenas para grupo de 13 países, do qual o Brasil não faz parte. Nesses dados, a indicação é que as mulheres, mais do que os homens, buscam as testagens (57%), o que tende a contribuir, ao contrário, para maior detecção dos casos entre elas.
Testagens e contágios à parte, muitas outras evidências apontam para a importância de fatores comportamentais nas precauções e cuidados entre os gêneros, como a percepção de risco da epidemia e o cumprimento de medidas preventivas.
Estudo publicado na renomada Proceedings of the National Academy of Sciences indica que as mulheres percebem a Covid-19 como uma doença séria e que não apenas concordam com as políticas de mitigação como também as praticam mais seriamente (Galasso et al., 2020).
As diferenças comportamentais entre os gêneros trazem implicações importantes para o gerenciamento da epidemia, especialmente na direção de estratégias de enfrentamento à crise de saúde que mobilizam mais os homens. Precauções e cuidados adequados são, afinal, as únicas possibilidades maleáveis de ação, já que fatores genéticos e comorbidades preexistentes estão fora do controle imediato dos indivíduos.
Realmente não surpreende que países com os piores desempenhos no enfrentamento à epidemia estejam sendo liderados por homens que expressam atitudes fortemente masculinas e brutas, desdém pelo uso de máscaras e pouco apreço pelo distanciamento social.
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