João Moraes Abreu, Marco Brancher, Carlos Lula e Marcia Castro
Não se trata mais apenas de evitar a Covid-19. Pela primeira vez em uma geração, os brasileiros já não sabem se, diante de um acidente – no trânsito, em casa, no trabalho -, hospitais, públicos e privados, conseguirão atendê-los.
Um lockdown de somente um mês, rígido e fiscalizado, nos termos sugeridos pelo Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) em carta aberta em 1º de março, é fundamental para atravessarmos a pior fase da pandemia sem agravar o estado de calamidade em que estamos.
Por que 30 dias? É o tempo para que a vacinação em massa comece a fazer efeito significativo. Por três fatores:
- Toda vacina impede o óbito. Após 450 milhões de pessoas vacinadas (1ª dose, de diferentes vacinas) contra a Covid-19 no mundo, não há notícia de um único óbito por Covid-19 entre elas
- Mais de 70% dos óbitos registrados no Brasil até aqui foram de pessoas acima de 60 anos;
- Devemos ter duas doses para imunizar todos os brasileiros acima de 60 anos até o início de maio, no cenário mais provável, detalhado abaixo.
E como a vacinação impacta em óbitos por dia? Estudo da ONG Impulso Gov combinou 12 bases de dados públicas com dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, por meio da Lei de Acesso à Informação, para projetar uma queda da atual média móvel de 2.300 óbitos por dia para menos de 1000 óbitos por dia, a partir de maio, graças à vacinação. A queda continuaria daí em diante.
Ainda são números inaceitáveis. Mas essa redução nos óbitos já aliviaria a pressão insustentável que o sistema de saúde vive hoje.
O estudo traçou três cenários de vacinação (pessimista, intermediário e otimista), e estamos hoje mais próximos do cenário intermediário, com produção nacional de 78 milhões de doses — suficiente para vacinarmos todas as pessoas acima de 60 anos — até o começo de maio. O estudo e a metodologia completa, disponível em CoronaCidades.org, sugere que o pior momento é o que vivemos agora e nas próximas semanas.
Então, se a vacinação deve melhorar a situação a partir de maio, por que precisamos de um lockdown de 30 dias? Não podemos só esperar?
Não. Primeiro, porque se o lockdown reduzir pela metade a atual média de óbitos, em um mês serão 45 mil vidas poupadas. Há outros três motivos menos óbvios:
- Sem lockdown, faltarão leitos para… tudo. Se o número de internações por Covid-19 não cair imediatamente (e não somente em maio, com os efeitos da vacinação), o sistema de saúde – público e privado – pode ficar sem leitos de UTI no país todo, como já ocorre em 16 dos 27 estados; e
- Quanto mais a curva sobe, mais difícil baixá-la. Já atingimos 3000 óbitos em um único dia. Se este número não cair já, não ficaremos abaixo de 1000 óbitos nem em maio, mesmo com a vacinação.
- Novas variantes podem surgir. Se permanecermos muito tempo com elevadíssima circulação do vírus, a chance de novas mutações surgirem aumenta, sendo possível até que o efeito da imunização seja menos potente e pessoas vacinadas venham a óbito. Neste caso, as projeções acima serão invalidadas. Estaríamos de volta a uma situação sem perspectiva de melhora.
Há luz no fim do túnel e ela está próxima; mas se não formos rápidos, ela pode se apagar.
Não podemos esperar mais nenhum dia. Após indesculpável atraso, o novo auxílio emergencial nacional, enfim, está a caminho, o que nos permite reduzir, agora, a circulação de pessoas, com medidas rígidas e de curto prazo, em todos os estados com mais de 85% de ocupação dos leitos de UTI ou internações por Covid-19 em ascensão.
Mesmo com um rígido lockdown agora, em 30 dias não estará “tudo bem”. Máscaras e distanciamento social permanecem necessários. Mas não sofreremos mais com falta generalizada de leitos e insumos médicos. Não necessitaremos de novos lockdowns nacionais. O pior terá passado.
É verdade que não será fácil: economicamente, psicologicamente. Mas março de 2021 não é março de 2020: sabemos o que fazer, e temos vacinas. Será o último esforço desta magnitude que precisaremos fazer como nação.
Desde sua criação, há 30 anos, o SUS já salvou milhões de vidas. Agora, somos nós que precisamos fazer nossa parte para, nos próximos 30 dias, salvarmos o SUS.
*Por um erro de divulgação da assessoria dos autores do artigo, o texto acima também foi publicado na seção Tendências/Debates
João Moraes Abreu, Diretor Executivo da Impulso Gov, realizadora do CoronaCidades.org
Marco Brancher, Coordenador de Dados da Impulso Gov
Carlos Lula, Presidente do Conselho Nacional de Secretários de Saúde
Marcia Castro, Professora da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard
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