Igor Lucena*
04 de março de 2021
Um dos principais embates entre os Estados Unidos e a China, além do ponto de vista do comércio internacional, é relativo à instalação da tecnologia 5G nas nações. A principal empresa que possui e oferece essa tecnologia a um preço competitivo e de ponta é a chinesa Huawei, que, tal como qualquer empresa chinesa, no final das contas deve obediência ao partido comunista e ao governo de Pequim, apesar de toda a política comercial que ela faz, sendo ela uma empresa da economia de mercado e que opera em vários países do mundo.
Suas principais concorrentes não são americanas, mas sim europeias: a Ericsson e a Nokia, que também têm uma capacidade considerável para a implantação das redes de comunicação 5G, porém com custos maiores. Por outro lado, pela importância que a rede 5G terá na “internet das coisas – IoT” e nos sistemas de comunicação e interconectividade entre casas, automóveis, tablets e diversos equipamentos neste século, torna-se evidente que a dominância de uma nação (ou uma empresa) sobre as redes 5G do planeta atribuem àquela nação (neste caso a China) um poder geopolítico e geoeconômico muito forte, sendo capaz de alterar a correlação de forças entre as principais potências econômicas e militares do planeta.
Esse plano, nitidamente demonstrado pela ofensiva econômica e comercial da Huawei na última década, aparentemente não será concretizado por um conjunto de interesses e eventualidades do destino. O primeiro entrave à estratégia chinesa se deu pela guerra comercial com os Estados Unidos, que colocou a Huawei na mira do presidente Donald Trump e passou a pressionar várias nações a não admitir a tecnologia chinesa pela falta de transparência e pelo risco a segurança nacional devido à possibilidade de espionagem e vazamento de dados da nova rede para o governo de Pequim. O segundo entrave se deu pela estratégia de várias nações europeias de verem suas empresas, que são fortes competidoras da Huawei, aproveitar a pressão americana e expandir suas operações para outras nações. Em último lugar, a crise da Covid-19 e a demora das autoridades chinesas em admitirem a gravidade do caso trouxeram à tona uma crise na relação sobre as informações divulgadas por Pequim, o que aumentou a desconfiança sobre a privacidade e a segurança da Huawei.
Outro importante fator limitador do poder de Pequim é a aliança de cooperação entre os sistemas de inteligência das 5 (cinco) principais nações anglofônicas, o chamado Five-Eyes, que reúne os Estados Unidos, o Reino Unido, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia. Com exceção do Canadá, que ainda está em análise, todas as outras nações já bloquearam a participação da Huawei nas suas redes 5G, o que efetivamente impede grande parte do poder de expansão chinesa neste setor. É importante ressaltar que o sistema Five-Eyes é o maior sistema de espionagem global do planeta, capaz de interceptar sinais de transmissão como telefones, rádios, internet e computadores, além da decodificação e da interceptação de dados militares e civis em todo o planeta.
Por outro lado, a China já possui um robusto sistema de espionagem de sinais, civis e militares, há anos, e não seria exclusivamente por conta do 5G que o governo de Pequim seria capaz de capturar dados e informações sensíveis sobre o Brasil ou outras nações. Isso já ocorre efetivamente, em especial por meio de mais de 10 agências que operam inteligência e espionagem em nome do governo de Pequim.
Obviamente que neste mundo cada vez mais complexo e interconectado, informação é poder e dinheiro. Não há elementos que possam desassociar a espionagem da expansão do poder dos Estados, principalmente pela disputa hegemônica que hoje encontramos em três polos, os Estados Unidos, a China e a União Europeia, que cada vez mais se apresentam como rivais e buscam ampliar suas zonas de interesse e influência ao redor do planeta.
Recentemente os Estados Unidos passaram a abordar o Brasil com mais do que puramente ideologia e fizeram ofertas em conjunto ao Export-Import Bank para financiar a compra de redes 5G que não sejam chinesas, o que se mostrou o mais forte golpe contra Pequim e a Huawei em território brasileiro. Sob o ponto de vista do nosso interesse nacional, não existem ideologias que possam sobrepujar o nosso bem-estar, e por isso a decisão sobre o 5G brasileiro ainda não está definida. Se analisarmos puramente sob o ponto de vista de segurança e espionagem, já somos alvos tanto dos chineses quanto dos americanos e europeus e não será a Huawei que vai efetivamente abrir nossas informações sigilosas, isso já é um fato consumado hoje. Como nação, possuímos interesses comerciais e estratégicos tanto com a China quanto com a Europa e os Estados Unidos, de modo que a escalada dessa disputa em nosso território não deve ser de alinhamento automático a um ou a outro lado. Essa decisão de adotar a tecnologia chinesa, europeia e americana deve se basear única e exclusivamente nos interesses do Brasil, tanto sob o ponto de vista de segurança estratégica, quanto militar e econômica.
*Igor Macedo de Lucena é economista e empresário, doutorando em Relações Internacionais na Universidade de Lisboa, membro da Chatham House – The Royal Institute of International Affairs e da Associação Portuguesa de Ciência Política
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