THE ECONOMIST
Aumento da renda rural está tornando a China menos desigual
A rua
principal da pequena cidade de Hangbu, em Anhui, uma das províncias mais pobres
da China, exibe uma mescla de estabelecimentos comerciais típica das áreas
rurais. Lá estão os armazéns onde se pode comprar sementes e fertilizantes, as
lojas de ferramentas e implementos agrícolas, a meia dúzia de restaurantes
simples e o indefectível hotelzinho interiorano. Mas há também uma loja em cuja
vitrine reluzem iPhones e iPads.
Os aparelhos são um sinal de que a China rural, há muito ofuscada
pelo crescimento estonteante das cidades do país, começa a viver tempos
melhores. Também é um indício não tão inequívoco de que a desigualdade social,
sintetizada pela enorme diferença de prosperidade material entre as cidades e o
interior do país, talvez esteja começando a diminuir. “Eu não estaria aqui se as
pessoas não tivessem dinheiro para comprar”, diz o proprietário da loja de
iPhones, Yuan Yue. “A gente sabe que é um dinheiro suado, mas as pessoas estão
começando a ganhar mais.”
Os frutos da meteórica expansão econômica vivida pela China nos
últimos 35 anos não foram distribuídos de forma equitativa. Estudos oficiais e
independentes mostram que o país, cuja igualdade social era marcante, ao
crescer, tornou-se profundamente desigual. O indicador mais usado para medir a
desigualdade de renda é o coeficiente de Gini; um número entre 0 e 1, em que o
zero significa que todas as pessoas têm a mesma renda e o 1 aponta que toda a
renda do país está concentrada numa só pessoa. Oficialmente, o Gini chinês
passou de um patamar inferior a 0,3, nos anos 80, o que fazia da China um dos
países mais equitativos do mundo, para quase 0,5 hoje, que a torna um dos mais
desiguais.
Outras análises indicam que a deterioração foi ainda mais
acentuada. Um levantamento largamente citado, a Southwestern University of
Finance and Economics, uma das mais importantes instituições chinesas na área de
economia e finanças, conclui que em 2010 o Gini do país chegou a 0,61, colocando
a China entre as sociedades mais desiguais do mundo, ao lado de países como a
África do Sul. A discrepância se deve, em grande medida, ao fato de que as
pesquisas independentes tentam abarcar uma variedade maior de fontes de renda,
incluindo as receitas geradas por empresas e investimentos, ao passo que os
números oficiais levam em conta apenas os salários.
De qualquer forma, o fato é que o Gini chinês, apesar de alto,
começou a cair. Oficialmente, isso começou há sete anos, quando o indicador
estava em 0,49. No ano passado, o Gini oficial ficou em 0,46. O levantamento da
Southwestern University aponta para um recuo mínimo: de 0,61, em 2010, para 0,6,
em 2014. Ainda assim, parece confirmar que o pior ficou para trás. “Mesmo que os
dados oficiais estejam subestimando o grau de desigualdade, a tendência de
declínio é plausível”, diz Li Shi, da Beijing Normal University.
Em termos nacionais, a maior contribuição para o aumento da
desigualdade vinha do abismo que se abriu entre o interior e as cidades. Agora,
a redução desse abismo parece ser também o principal motor da diminuição da
desigualdade. Em 2009, a renda média nas zonas urbanas era 3,3 vezes superior à
renda média rural. Depois de seis anos consecutivos de crescimento mais
acelerado da renda rural, a diferença caiu para 2,7. Esse avanço da renda rural
é alimentado, em grande medida, por camponeses que, na realidade, trabalham em
áreas urbanas ? onde se empregam como operários em fábricas ou como auxiliares
de serviços gerais, mas que, em razão das restrições do sistema de registro
residencial chinês, não podem se mudar definitivamente para as cidades.
Demografia. Uma explicação para a melhoria das condições
em que vivem esses migrantes é a transformação demográfica por que passa a
China. A população economicamente ativa do país começou a encolher. Isso ajudou
a impulsionar a remuneração dos trabalhadores de baixa qualificação. Outro fator
é que, em busca de mão de obra barata, muitas empresas se mudaram para o
interior, instalando-se em regiões relativamente pobres. Yuan diz que começou a
vender iPhones em Hangbu depois que algumas fábricas de eletrônicos se
estabeleceram nos arredores da cidadezinha. Numa barraca armada na beira da
estrada que conduz a essa zona industrial, um homem tenta recrutar
trabalhadores. A remuneração, de 3 mil yuans (US$ 460) mensais, é apenas um
pouco inferior à oferecida por empregos semelhantes em cidades maiores. “A gente
passa o ano inteiro atrás de mão de obra. Para essa turma o que conta é o
salário. Se não estão satisfeitos, pedem as contas e vão embora”, diz o
recrutador.
Isso exemplifica uma teoria apresentada em 1955 por Simon Kuznets,
ganhador do Nobel de economia de 1971. Seu argumento era o de que, quando um
país começa a se desenvolver, abre-se um grande fosso entre os que têm a sorte
de trabalhar em áreas que oferecem salários mais altos e os que se esfalfam na
agricultura. Mas, à medida em que o desenvolvimento avança, os setores mais
modernos da economia começam a absorver indivíduos em número suficiente para
fazer com que a desigualdade volte a cair. Embora a teoria deixe de ter validade
quando os países atingem estágios de desenvolvimento mais avançados, na China
ela ainda parece aplicável.
Mas o fato é que a mudança não aconteceu de forma totalmente
espontânea, tendo sido em parte consequência de políticas redistributivas. Nos
últimos dez anos, a China expandiu seu sistema de saúde e seguridade social,
tornou gratuitos os primeiros nove anos de escolarização nas áreas rurais e
aboliu um imposto agrícola que castigava os camponeses havia centenas de
anos.
E ainda há muito a ser feito. Na zona rural, as inversões públicas
continuam excessivamente baixas, sobretudo as feitas através do sistema público
de previdência. Mais do que isso, a legislação chinesa torna as pessoas do
interior cidadãos de segunda classe: além de não poderem se mudar para as
cidades, os camponeses são proibidos de vender terras, sendo assim privados
daquele que seria seu bem mais valioso. Sem mudanças, a desigualdade continuará
a afligir o país. “Se confiarmos apenas no desenvolvimento econômico, a
desigualdade não se reduzirá de maneira mais efetiva”, diz Gan Li, da
Southwestern University.
Além do mais, para muita gente a ideia de que a desigualdade de
renda talvez esteja em declínio está longe de ser algo perceptível. A
concentração de riqueza (os bens que as pessoas têm, em vez dos rendimentos que
auferem) continua gigantesca. Segundo a lista do Hurun Report, em 2015 havia
mais bilionários na China (596) do que nos Estados Unidos (537). Estudo da
Universidade de Pequim, publicado no início deste ano, mostra que um terço dos
ativos do país está nas mãos de 1% das famílias chinesas.
As exibições ostentatórias de riqueza tornaram-se menos frequentes
depois que Xi Jinping assumiu o comando do Partido Comunista, no fim de 2012, e
iniciou uma campanha de repressão à corrupção. Mas carrões esportivos,
restaurantes suntuosos, lojas de roupas caríssimas ainda são comuns nas grandes
cidades. Servem para lembrar que, na China, uma pequena elite urbana vive no
bem-bom, ainda que um ou outro iPhone rural aponte para o aumento da renda no
interior do país.
© 2016 THE ECONOMIST NEWSPAPER LIMITED. DIREITOS RESERVADOS.
TRADUZIDO POR ALEXANDRE HUBNER, PUBLICADO SOB LICENÇA. O TEXTO ORIGINAL EM
INGLÊS ESTÁ EM WWW.ECONOMIST.COM.
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