sábado, 24 de dezembro de 2016

A vingança dos perdedores da globalização

A globalização está a falhar nos países ocidentais desenvolvidos, onde um processo saudado em tempos por trazer benefícios universais está agora a enfrentar uma reação política. Porquê? A opinião das classes dirigentes, pelo menos na Europa, é que os Estados têm negligenciado a execução das reformas económicas necessárias para nos tornar mais competitivos a nível global.
Eu gostaria de apresentar uma visão alternativa. O fracasso da globalização no Ocidente deve-se à incapacidade das democracias para lidarem com os choques económicos que inevitavelmente resultam da globalização, como a estagnação dos rendimentos médios reais por duas décadas. Outro choque foi a crise financeira global - uma consequência da globalização - e o seu impacto permanente sobre o crescimento económico a longo prazo.
Em grande parte da Europa, a combinação da globalização e dos avanços tecnológicos destruiu a antiga classe trabalhadora e prejudica agora os empregos qualificados da classe média baixa. Portanto, a insurreição dos eleitores não é chocante nem irracional. Por que razão saudariam os eleitores franceses as reformas do mercado de trabalho, se isso pode resultar na perda dos seus empregos atuais, sem esperança de conseguirem outros?
Algumas reformas funcionaram, mas perguntemo-nos porquê. As aclamadas reformas do mercado de trabalho na Alemanha, em 2003, foram bem-sucedidas no curto prazo porque aumentaram a competitividade dos custos do país através de salários mais baixos em relação a outros países desenvolvidos. As reformas produziram um estado de quase pleno emprego só porque nenhum outro país fez o mesmo. Se outros se tivessem seguido, não teria havido nenhum ganho concreto.
As reformas tiveram uma grande desvantagem. Elas reduziram os preços relativos na Alemanha e impulsionaram as exportações, gerando no entanto saídas maciças de poupanças, a causa profunda dos desequilíbrios que levaram à crise da zona euro. Reformas como essas dificilmente poderão ser a receita para os países desenvolvidos resolverem o problema da globalização.
Nem há qualquer prova factual de que os países que fizeram reformas estejam numa melhor situação ou sejam mais capazes de lidar com uma insurreição populista. Os EUA e o Reino Unido têm estruturas de mercado mais liberais do que a maioria da Europa continental. No entanto, o Reino Unido pode estar prestes a sair da UE; nos EUA, os Republicanos podem estar prestes a nomear um populista radical como candidato presidencial. A Finlândia lidera todos os rankings de competitividade, mas a economia é um caso bicudo de não recuperação e tem um forte partido populista. O impacto económico das reformas é geralmente mais subtil do que os seus defensores admitem. E não há nenhuma ligação direta entre as reformas e o apoio aos partidos políticos estabelecidos.
O meu diagnóstico é que a globalização tem sobrecarregado política e tecnicamente as sociedades ocidentais. Não há nenhuma maneira de o podermos esconder, nem devemos fazê-lo. Mas temos de gerir a mudança. Isso significa aceitar que o momento ideal para o próximo acordo de comércio ou liberalização do mercado pode não ser imediatamente.
No fim de semana houve grandes protestos na Alemanha contra o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, um acordo entre os EUA e a UE. Um dos seus aspetos mais controversos é que ele reduziria a soberania legal dos parceiros.
Nos últimos dois anos, houve uma reversão dramática da opinião pública na Alemanha sobre os benefícios do livre comércio global em geral e do APT em particular. Em 2014, quase 90% dos alemães eram a favor do livre comércio, de acordo com uma sondagem da YouGov. Esse número caiu para 56%. O número de pessoas que rejeitam liminarmente o APT subiu de 25% para 33% durante o mesmo período de tempo. Estes números não sugerem que a UE se deva tornar protecionista. Mas a mudança rápida nos números deve servir como um sinal de alerta para os políticos serem cautelosos.
Eu não compreendo por que motivo Sigmar Gabriel, líder dos sociais-democratas e ministro da Economia da Alemanha, é um defensor tão acérrimo do APT. Se ele quiser verdadeiramente parar a erosão do apoio ao seu partido deve ser mais aberto sobre os custos políticos deste acordo. Não é surpreendente que muitos apoiantes do partido anti-imigrantes Alternative für Deutschland sejam antigos eleitores do SPD.
Um não ao APT iria remover pelo menos um dos fatores por trás do aumento das atitudes antiglobalização ou anti-UE. Os benefícios económicos marginais do acordo são superados pelas consequências políticas da sua adoção.
O que os defensores da liberalização do mercado global devem reconhecer é que tanto a globalização como a integração europeia originaram perdedores. Ambas deveriam ter resultado numa situação em que ninguém ficasse pior e em que alguns pudessem ter ficado melhor.
Tal não aconteceu. Estamos perto do ponto em que a globalização, e a adesão à zona euro em particular, tem prejudicado não só certos grupos da sociedade, mas nações inteiras. Se os decisores políticos não reagirem a isso, os eleitores fá-lo-ão certamente.
Editor do Financial Times

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