segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Pisos e tetos

Há décadas a inflação faz parte da arquitetura de concentração de renda, que os economistas, empresários e políticos impõem ao povo brasileiro. Mas a estabilidade da moeda é insuficiente se os governos não fizerem os investimentos sociais necessários

CB
 
CRISTOVAM BUARQUE
 
postado em 15/11/2022 
(crédito: kleber sales)
(crédito: kleber sales)

Cristovam Buarque é professor emérito da UnB e membro da Comissão Internacional da Unesco para o Futuro da Educação

Lula tem razão quando lembra que muitos defendem o teto de gastos para evitar a volta da inflação, sem defesa de piso social, para assegurar todo brasileiro com alimentação satisfatória, escola de qualidade, atendimento de saúde, moradia com saneamento, garantia de emprego e renda com moeda estável. Tanto quanto a desigualdade como a educação de base é oferecida, a maior causa da pobreza é a desvalorização da moeda que rouba o valor dos salários pagos aos trabalhadores. Há décadas a inflação faz parte da arquitetura de concentração de renda, que os economistas, empresários e políticos impõem ao povo brasileiro. Mas a estabilidade da moeda é insuficiente se os governos não fizerem os investimentos sociais necessários.

O Brasil precisa definir políticas sociais e de crescimento econômico que atendam às necessidades básicas da população e promovam emprego. Lula lembra que um gasto que salva vida ou constrói infraestrutura é investimento. Para tanto, o Estado precisa investir o que for necessário, tendo consciência de que esses investimentos exigem gastos no momento que são realizados e que não devem ser financiados pelos próprios pobres ao receberem salários e bolsas com moeda desvalorizada e sofrerem as consequências do endividamento, juros elevados, preços inflacionados e consequente recessão e desemprego.

Além do piso social, é preciso haver teto em gastos desnecessários, mordomias, desperdícios e privilégios: ineficiência, ostentação, prioridades e política fiscal que concentram. O Brasil precisa também definir um limite ao uso de seus recursos naturais, para evitar a depredação que sacrifica as gerações futuras. Os dois governos Lula praticaram essa ideia de pisos e tetos: criaram programas sociais, foram responsáveis fiscalmente e comprometidos com o meio ambiente. Precisa-se de uma reforma fiscal que permita financiar as necessidades dos pobres, eliminando desperdícios e ineficiências, para manter a estabilidade da moeda em benefício do povo e do país.

Em vez do nervosismo por uma fala improvisada de Lula enfatizando mais o piso social do que o teto de gastos, os agentes econômicos — compradores e investidores — deveriam observar os atos de Lula, nos seus oito anos de governo e sugerir formas para financiar os gastos sociais com uma política fiscal responsável, capaz de barrar excessos de gastos e de subsídios dirigidos à parcela rica e à indústria ineficiente. Para assegurar o piso social que atenda às necessidades e retome o crescimento, é preciso impor tetos aos privilégios. Romper o teto de gastos com os pobres e impor teto de benefícios aos privilegiados.

Tudo indica que Lula vai manter seu compromisso social e repetir a responsabilidade fiscal de seus dois governos, com orçamentos equilibrados. Ele tem manifestado a importância do fator confiança e da previsibilidade como condição ao bom desempenho da economia e já demonstrou saber que a responsabilidade fiscal é determinante para que os agentes econômicos tomem decisões corretas. Por isso, a necessidade de piso social e de limites em gastos supérfluos.

Ao longo de décadas, economistas e políticos optaram pela ideia de que a pobreza decorre da falta de crescimento e justificaram ostentação, gastos supérfluos, desperdícios e ineficiências como ferramentas para superar a pobreza. Iludiram os pobres cujo trabalho era pago com a falsa moeda da inflação. Usaram a inflação para que os pobres financiassem o progresso para os ricos, agravando a pobreza enquanto o país crescia. Foi graças à maldade da inflação que o Brasil conseguiu estar entre os países mais ricos e aqueles com maior concentração de renda e número de pobres e de famintos.

Nossos economistas, empresários e políticos precisam perceber que a permanência da pobreza é um dos maiores entraves ao progresso nacional e sua superação promove o crescimento e o desenvolvimento. O mercado deve entender que os investimentos sociais impactam positivamente sobre a economia e levar em conta que parte do bom desempenho da economia nos anos de Lula veio dos resultados do que se investiu em educação, saúde, Bolsa Família. E muitos ao redor do Lula esquecem que isso foi possível graças à estabilidade monetária. Sem os investimentos sociais o crescimento fica limitado, sem a estabilidade monetária os benefícios sociais são corroídos.

Mas, enfim,  precisa-se aumentar gastos sociais e manter equilíbrio fiscal, reduzindo privilégios, desperdícios, ineficiências: piso para os necessitados e teto para os privilegiados. 

“Se a característica comum das constituições modernas é elevar os direitos sociais à característica de direitos constitucionais, a constituição brasileira deu um passo adiante ao criar garantias de efetivação desses direitos” – aliás, é o que se chama de “constitucionalismo da terceira geração”.

“É justamente a geração que transformou os direitos sociais em direitos fundamentais. Ou, em outras palavras,  se a constituição do século XIX , dos Estados liberais, eram um freio ao poder do Estado, as constituições atuais são um passo à frente. São textos que criam, além de limites para o poder estatal, obrigações políticas em relação aos cidadãos” – Conforme visão do jurista Luigi Ferrajoli.

Hoje, “vive-se o chamado constitucionalismo da terceira geração. Com o fim das ditaduras que acabaram com as liberdades individuais e relativizaram até mesmo o direito à vida, os direitos fundamentais e sociais foram elevados ao patamar de direitos constitucionais. E as constituições passaram a estar acima das leis, funcionando como régua para a atuação dos Estados. Nesse sentido é que são ‘um passo à frente’ ao Estado. ‘Os direitos fundamentais são de todos e de cada um, e não da maioria. São direitos pré-políticos, e portanto não estão à disposição da maioria para que decidam sobre eles”.

Então, é neste sentido que o Estadoprecisa aumentar gastos sociais e manter equilíbrio fiscal, reduzindo privilégios, desperdícios, ineficiências: pisos para os necessitados e tetos para os privilegiados” (deixando-se um intervalo de livre flutuação para os valores medianos).

 

 PISOS E TETOS  SALARIAIS

 

ü 30 horas mensais de trabalho (máximo ou teto mundial)

ü Maior salário mínimo do mundo (teto mundial: AUS$ 20,33 por hora).

ü Teto NBA anual: US$ 82 milhões

ü Piso NBA anual: US$ 70.000 mil

ü Mercado de tecnologia (salário anual)

US$ 234 milhões

ü Piso professores: RS 4.420,00

ü Piso geral: RS 1.812,00

ü Vôleiball, polo aquático, badminton, beiseball, handebol: piso RS 11 mil, teto: 41 mil, futebol: piso10 mil, teto 100 mil,

NBA: piso U$ 3 milhões por ano, teto U$ 112 milhões por ano, médico piso R$ 11 mil por mês, teto R$ 18 mil por mês.

 



 

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