sábado, 7 de janeiro de 2023

Combustível limpo: novo método é capaz de produzir hidrogênio a partir da água com energia solar


É possível imaginar que a humanidade poderá usar luz e água para produzir um combustível que, ao ser queimado, produzirá água, em um ciclo totalmente limpo


Por Fernando Reinach

Quando as escolas no Brasil ainda tinham aulas práticas de química, todos os alunos aprendiam a produzir hidrogênio e oxigênio a partir da água. Para isso basta colocar água com sal em um vidro, ligar um fio de cobre ou platina em cada polo de uma pilha e colocar as pontas dos fios na água. Logo borbulhas de hidrogênio se formam em um polo e borbulhas de oxigênio aparecem no outro polo.

Nesse aparato simples, a energia da corrente elétrica separa os átomos de oxigênio e hidrogênio presentes numa molécula de água (lembrem-se que a água é formada por dois átomos de hidrogênio e um átomo de oxigênio). E se você usar uma célula fotoelétrica em vez de uma pilha para produzir a corrente elétrica, é possível quebrar a molécula de água usando luz solar.

Novo método mais eficiente usa energia solar.
Novo método mais eficiente usa energia solar. Foto: Getty Images

Método

Faz décadas que os químicos vêm tentando transformar esse aparato simples em algo capaz de produzir hidrogênio em larga escala e com um custo baixo. O fato é que ainda não tiveram sucesso. As razões são bem conhecidas, mas difíceis de explicar aqui. Esse processo é chamado de fotoeletroquímico, pois usa energia solar (foto) para produzir a eletricidade (eletro) que provoca a reação química (químico) e que separa o hidrogênio do oxigênio da água.

Nos últimos anos, os cientistas têm trabalhado no desenvolvimento de um outro método chamado fotocatálise. Nesse método, é usado um catalisador (uma molécula que facilita a quebra da molécula de água separando o oxigênio e o hidrogênio, mas que não se altera e não é consumida) e luz solar.

O aparelho é extremamente simples: um frasco fechado, transparente, com o catalisador preso no fundo, onde é colocada a água. Esse frasco é iluminado diretamente pela luz solar, concentrada no frasco por uma lente. E pronto, o catalisador faz com que a energia solar quebre a molécula de água separando o oxigênio do hidrogênio que são liberados na forma de gás e são facilmente separados. É quase como se você fervesse a água, mas no caso da fervura o gás liberado é vapor de água (nesse caso a molécula de água está intacta com o oxigênio ligado ao hidrogênio). Na fotocatálise, o gás liberado é uma mistura de hidrogênio e oxigênio, duas moléculas distintas.

Parece e de fato é simples. O segredo todo está no catalisador, a molécula que permite que a reação funcione. Dezenas de grupos de cientistas, faz anos, vêm tentando produzir um catalisador que permita que essa reação ocorra de forma rápida e eficiente. Agora, finalmente, esse catalisador foi descoberto. O catalisador é composto por nano fios organizados em forma cristalina do composto indium gallium nitride (InGaN)/gallium nitride (GaN).

Essa molécula complicada é sintetizada diretamente sobre uma folha de silício. É essa folha, com esses fios finíssimos organizados em colunas, que é colocada no fundo do frasco de vidro e recoberta com água. Esse catalisador de certa forma prende as moléculas de água e absorve a luz solar fazendo com que a energia da luz seja usada para romper a molécula de água, separando o oxigênio do hidrogênio. Somente uma parte do espectro da luz é usada na reação, mas a parte infravermelha ajuda a manter o frasco a 70 graus Celsius, a temperatura ideal para que a reação ocorra. As bolhas de gases se desprendendo do catalisador são facilmente visíveis.

O mais impressionante é que esse sistema funciona por tempo indeterminado sem consumir o catalisador, contanto que seja adicionada mais água e que a luz solar continue a incidir sobre o frasco. O sistema pode usar água de torneira, água do mar ou água destilada e tem uma eficiência de 9,2% (9,2% da energia solar incidente é recuperada na forma de hidrogênio).

O próximo passo será aumentar o sistema de modo a produzir quantidades comerciais de hidrogênio e oxigênio. Caso os cientistas tenham sucesso nessa etapa, é possível imaginar que a humanidade poderá usar luz e água para produzir um combustível que, ao ser queimado, produzirá água. Um ciclo totalmente limpo do ponto de vista ambiental. Imagine um carro que se mova usando hidrogênio produzido a partir de água e luz solar e que emita pelo escapamento somente água. Agora é esperar e torcer para que essa descoberta científica seja convertida em uma tecnologia que possa ser consumida por toda a humanidade.

Mais informações: Solar-to-hydrogen efficiency of more than 9% in photocatalytic water splitting. Nature

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário