A inflação, a crise hídrica, o processo eleitoral de 2022 e o alto nível de desemprego são alguns fatores que podem comprometer o desempenho da economia brasileira que, até então, tem mostrado resiliência
07 de julho de 2021 | 20h35
Os indicadores das vendas no varejo em maio vieram robustos, como se esperava. Reforçam a percepção de forte recuperação econômica. Mas convém avaliar melhor os fatores que eventualmente podem solapar a retomada.
As vendas ao consumidor (no conceito de varejo ampliado, que inclui veículos e materiais de construção) cresceram 3,8% em maio quando comparadas com as de abril (veja o gráfico). Mas o avanço não deve ater-se a esse mês. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revisou para cima os resultados de abril, de crescimento de 3,8% para 5,4%. Ou seja, os dados do mês seguinte indicam aumento sobre uma base bem mais alta. É um avanço ainda desigual, mas consistente com uma forte recuperação da economia. No período de 12 meses terminado em maio, o consumo cresceu 6,8%. São números que já vêm deflacionados e, assim, mostram com boa precisão o comportamento real do consumo.
Apesar dos pesares, não se pode subestimar os efeitos dos progressos obtidos na imunização da população. O total de vacinados contra a covid-19 no País, pelo menos em primeira dose, já está perto dos 80 milhões. Somados aos 17 milhões de recuperados da doença, já temos quase 100 milhões de imunizados.
O distanciamento social tende a ficar para trás, a atividade econômica vai sendo retomada e o consumo tem condições de crescer, especialmente no setor de serviços – o mais prejudicado pela pandemia. O risco de que algo dê errado nesse campo são as novas cepas do vírus, notadamente a variante Delta, originária da Índia e já confirmada no Brasil.
Como já relatado nesta Coluna em outras oportunidades, os analistas já estão contando com o crescimento do PIB neste ano de 5,5% (em relação a 2020), chegando alguns a apostar em alguma coisa ao redor dos 6,0%. Mas esse desempenho com que ninguém contava no início do ano não afasta o risco de choques que poderão contaminar esses resultados positivos.
O primeiro deles é o galope da inflação e dos juros. Parece inevitável um aumento geral do custo de vida (IPCA), de pelo menos 6% no acumulado do ano. Os números de junho a serem divulgados nesta quinta-feira devem confirmar essa projeção. O Banco Central, que demorou a dar a importância devida a essa erosão do poder aquisitivo, está agora empenhado em combater os efeitos da alta, especialmente sobre as expectativas do mercado, com aperto no volume de dinheiro (alta dos juros), cujo efeito colateral será o encarecimento do crédito, a vitamina da produção e do consumo.
A perda de renda produzida pelo forte desemprego (14,7% da população ativa no trimestre encerrado em abril) e pelo subemprego não vem sendo suficientemente compensada pela distribuição do auxílio emergencial e deve pesar sobre o futuro do consumo e da produção.
Outro choque são os efeitos do colapso hídrico. Seu impacto não se limitará aos preços do quilowatt-hora, mas se estenderá à produção, e será mais forte se houver racionamento. A seca deverá prejudicar ainda as safras de meio de ano, como a do milho de segunda semeadura e a da cana-de-açúcar. Antes de agosto são improváveis previsões mais precisas sobre o estrago.
Outra ameaça está no mercado do petróleo. Parece mais difícil a possibilidade de acordo da Opep sobre aumento da oferta. Enquanto isso, o consumo global de derivados tende a ser impulsionado pela forte recuperação da economia mundial e pela onda de calor no Hemisfério Norte, que aciona os dispositivos de refrigeração.
Na última segunda-feira, a Petrobrás anunciou substanciais reajustes para cima da gasolina, do óleo diesel e do gás de cozinha, os primeiros desde abril, quando foi substituída a diretoria da empresa. O governo, que lida mal com essa inevitabilidade, tem de decidir se as correções de preços serão feitas mais frequentemente e, nessas condições, tenderão a ser menores ou se dá um tempo entre os reajustes e, nesse caso, tem de aceitar pauladas nos preços.
Além dessa acumulação de choques, há outros dois que podem comprometer o desempenho da economia: a persistente deterioração das contas públicas e o processo eleitoral. Produzem incertezas crescentes no ambiente econômico que deverão ser mais sentidas a partir de outubro.
*CELSO MING É COMENTARISTA DE ECONOMIA
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