Computadores que trabalham em regime 24 horas na “mineração” da moeda virtual consomem volume de energia semelhante ao da Argentina; atividade entra no alvo de ambientalistas
Texto: Luciana Dyniewicz / Design: Bruno Ponceano
23 de maio de 2021
O bitcoin derreteu. A moeda virtual, que chegou a valer US$ 64 mil em abril, encerrou a semana cotada a US$ 37,3 mil, uma queda de 42% desde seu auge. Se o comportamento do ativo nas últimas semanas decepciona e preocupa investidores e “mineradores”, ambientalistas comemoram.
Há alguns anos, o bitcoin e uma grande parte das criptomoedas passaram a ser apontados como vilões do meio ambiente. A nocividade das moedas ganhou os holofotes nos últimos dias após o bilionário Elon Musk afirmar que sua montadora de veículos elétricos, a Tesla, não aceitaria mais bitcoin como forma de pagamento devido ao potencial danoso da moeda. No começo do ano, porém, a empresa havia anunciado ter investido US$ 1,5 bilhão em bitcoin, o que pressionou o preço do ativo para cima.
Valor do Bitcoin (Em dólares)
O dano causado por criptomoedas ao meio ambiente ocorre porque elas demandam um grande volume de energia para existir. Um indicador desenvolvido pela Universidade de Cambridge aponta que apenas o bitcoin consome um volume de energia semelhante ao da Suécia ou ao da Argentina.
Segundo outro indicador – o Bitcoin Energy Consumption Index, ou índice de consumo de energia do bitcoin –, o gasto estaria no mesmo patamar do da Holanda. Os dois cálculos, porém, ainda subestimam o consumo total de energia, segundo Alex de Vries, cientista de dados e criador desse segundo indicador.
“Eles dão um peso maior a máquinas novas usadas no processo de ‘mineração’ e subestimam as máquinas que tendem a ser menos eficientes, por exemplo. Mas é bom termos uma estimativa para nos guiar, ainda que seja conservadora”, afirma. Vries lembra que os cálculos também são incapazes de contabilizar os roubos de energia. No Brasil mesmo, há casos de “mineração” de criptomoeda usando gato de energia elétrica.
Ranking de consumo de energia
A produção de bitcoins é feita por supercomputadores que realizam cálculos matemáticos de alta complexidade em milésimos de segundos. Esses computadores estão ligados a uma espécie de rede paralela na web. Tudo isso foi desenvolvido em 2009 por um programador anônimo de computação. Ele estabeleceu em seus códigos computadorizados que, a cada dez minutos, o software da bitcoin lança uma equação matemática diferente na internet. O computador que desvendar primeiro a fórmula é recompensado com um lote de 6,25 bitcoins. Hoje, um lote desses vale US$ 233 mil, ou R$ 1,2 milhão.
Como os “mineradores” são pagos em bitcoin, quanto maior a cotação da moeda, maior a probabilidade de alguém investir em equipamentos que decodificam as equações matemáticas. “Há um incentivo muito grande para se adicionar máquinas à rede. Baseado no preço (do bitcoin no início do mês, quando estava cotado a US$ 55 mil), o consumo de energia provavelmente dobrará no próximo ano”, acrescenta Vries. Por isso, o alívio entre ambientalistas quando o preço do bitcoin cai.
A “produção” das criptomoedas é feita por supercomputadores que realizam cálculos matemáticos de alta complexidade em milésimos de segundos
Essas máquinas estão ligadas a uma espécie de rede paralela da web. No caso do bitcoin, o software coloca nessa rede equações matemáticas diferentes a cada dez minutos. Os computadores dos “mineradores” tentam resolver essas equações por tentativa e erro.
O computador que soluciona primeiro a equação ganha como recompensa um lote de bitcoins.
Os computadores ficam 24 horas por dia tentando solucionar as equações - daí o elevado consumo de energia
Como é difícil descobrir os lotes sozinhos, os “mineradores” atuam em grupos. Quando um “minerador” do grupo descobre uma equação, o lote é dividido entre todos de forma proporcional à velocidade de processamento que cada “minerador” adiciona ao grupo. Cerca de 65% dos “mineradores” do mundo hoje estão na China, onde o carvão é uma importante fonte energética, o que resulta em alta emissão de gás carbônico
Uma das maiores preocupações em relação ao impacto das criptomoedas no meio ambiente decorre da concentração de 65% das “minas” na China. Apesar de também contar com hidrelétricas, o país tem o carvão como base de sua matriz energética, sendo essa a fonte responsável por 60% do abastecimento. Segundo pesquisas da Universidade de Cambridge, em todo o mundo, as energias renováveis são fonte de apenas 39% dos computadores usados na “mineração”.
A universidade ainda não tem estimativas de quanto gás carbônico emitem todos esses computadores trabalhando 24 horas por dia.
Para o holandês Alex de Vries, considerando a fonte de energia
principal dos locais onde as “minas” estão instaladas, é possível
afirmar que é o equivalente ao emitido pela Suécia. Países que mais mineram criptomoeda (Em porcentagem da capacidade de processamento) “Também
podemos dizer que é o mesmo volume de carbono que eliminamos ao
implementar carros elétricos. Assim, todo o gás carbônico que
economizamos ao usar esses carros é completamente anulado por bitcoins. E
o bitcoin cresce muito rápido, enquanto o uso de carros elétricos,
não”, afirma o cientista de dados.
Na região chinesa da Mongólia Interior – localizada no norte do país e responsável por 8% da “mineração” global –, o governo anunciou em março que a atividade seria proibida porque vinha impossibilitando que fossem alcançadas as metas de redução de emissão de carbono. O anúncio foi feito mais de dois meses antes de o governo chinês alertar, na semana passada, que instituições financeiras do país não deveriam receber criptomoedas como pagamento ou oferecer produtos e serviços relacionados a elas. Nesse caso, porém, a medida está ligada à intenção da China de lançar sua própria moeda digital. O governo da Mongólia Interior não é o único preocupado com as questões ambientais relacionadas às criptomoedas. Na semana passada, o Banco Central Europeu afirmou que a “pegada de carbono exorbitante do bitcoin e seu uso potencial para fins ilícitos são motivos de preocupação”, além de ter destacado que a volatilidade do preço do produto o torna “arriscado e especulativo”. Giulia Marchi/The New York Times
Já o Estado de Nova York estuda um projeto de lei para proibir a “mineração” até que os impactos no meio ambiente sejam melhor analisados. “Minas” que não cumprirem com metas climáticas devem ser banidas. É no Estado de Nova York que a Greenidge Generation Holding comprou uma usina de carvão desativada para queimar gás natural e usá-lo como fonte de “mineração” de criptomoeda. A companhia pretende abrir seu capital na bolsa ainda neste ano.
O setor público, ao menos por enquanto, parece estar tomando a dianteira nas discussões sobre o assunto. Ainda que tenha assumido compromissos públicos com as metas de preservação ambiental, o setor privado começa a investir nas criptomoedas em todo o mundo, em um movimento que ganhou velocidade neste ano, conforme as cotações subiam.
No Brasil, o BTG Pactual lançou, na última segunda-feira, um fundo de investimentos com alocação total de recursos em bitcoin. Em abril, o banco já tinha anunciado outro fundo de bitcoin, mas apenas 20% dele era composto pela moeda digital. Procurado, o BTG não quis comentar.
Além do BTG, a fintech Hashdex, gestora brasileira de recursos especializada em criptomoedas, lançou um fundo de investimento em criptomoedas que é negociado na Bolsa de Bermudas. A empresa também não quis falar sobre a questão ambiental dos criptoativos.
No varejo, o Mercado Livre revelou, neste mês, que comprou US$ 7,8 milhões em bitcoin entre janeiro e março para diversificar os ativos na estratégia de tesouraria. Poucos dias antes, a companhia havia divulgado que passou a ter uma seção em sua plataforma onde o bitcoin é aceito na compra de imóveis na Argentina. Em nota, a empresa afirmou que, com o “propósito de inovação permanente”, tem acompanhado a “evolução das criptomoedas e da tecnologia blockchain na economia global, observando todos os aspectos financeiros, regulatórios e ambientais que envolvem tais tecnologias”.
O aumento da procura por bitcoins por empresas e instituições financeiras é justamente um dos fatores que fizeram o preço da moeda subir nos últimos 12 meses, segundo o professor Robert Wardrop, diretor do centro da Universidade de Cambridge responsável pelo indicador que mensura o volume de energia gasto pelo bitcoin.
Wardrop afirma que gestoras de recursos e companhias podem querer apostar no bitcoin por ser um ativo que costuma oscilar de forma diferente dos demais negociados no mercado financeiro, como o dólar. Isso deve se tornar mais difícil, no entanto, para as empresas mais expostas publicamente e comprometidas com metas de sustentabilidade.
“Vai ser interessante ver, no próximo ano, como essas organizações vão se comportar. Para os intermediários, que só facilitam a comercialização e estão encarando uma demanda enorme dos clientes, será mais fácil. Mas uma BlackRock (maior gestora de ativos do mundo) ou algum outro grande nome que se preocupa com sua reputação pode ser menos inclinado a manter bitcoin.”
Como amenizar o problema?
Para Fabrício Tota, diretor do Mercado Bitcoin – plataforma de negociação de criptoativos com 2 milhões de clientes –, um possível modo para reduzir o impacto das moedas virtuais no meio ambiente seria que governos de locais onde a matriz é baseada em combustível fóssil taxassem a energia. “O ‘minerador’ vai onde a energia é barata e abundante. Existe ‘mineração’ com energia eólica ou hídrica.”
Tota destaca também que a resolução das equações matemáticas do processo de “mineração” garante que o sistema seja à prova de fraudes e que o bitcoin tem benefícios importantes, como ser uma “unidade monetária à prova de burocratas”. O executivo lembra ainda que, na plataforma do Mercado Bitcoin, a tecnologia das criptomoedas é usada para a comercialização de crédito de carbono. A empresa diz que já neutralizou todo o carbono que emitiu entre 2013 e 2020.
Vilanizar o bitcoin por questão ambiental é bobagem. Olha o ouro e o diamante. Ninguém está falando de parar de usá-los. Processos produtivos impactam. Temos de encontrar alternativas que impactem menos.
Dono de uma “mineradora” no Paraguai até 2019, quando a vendeu para chineses, o brasileiro Rocelo Lopes afirma que a quantidade de energia consumida pelas criptomoedas no mundo hoje é “irrisória” (é 0,55% do total), mas admite que a “mineração” precisa ser deslocada para regiões onde há excesso de energia. “O problema é que, hoje, existe uma concentração de ‘mineradoras’ em algumas cidades da China que usam carvão e onde o consumo de energia das criptomoedas é maior do que a capacidade de produção energética do local.”
Lopes, que também é dono da Stratum, uma empresa que fornece tecnologias para redes de criptomoedas, ainda trabalha como consultor para quem quer criar sua própria “mina”. Atualmente, está ajudando na criação de uma “mina” em Sorocaba (SP) que usará energia solar. A ideia é que, durante o dia, as placas solares gerem um excedente de energia que se transformará em crédito na rede elétrica para ser consumido à noite.
Alex de Vries, o holandês por trás do Bitcoin Energy Consumption Index, porém, frisa que os problemas do bitcoin vão além da questão energética. Ainda que os “mineradores” usem apenas energia renovável, eles demandam um grande volume de computadores que, para conseguirem os bitcoins de forma eficiente, precisam ser trocados a cada 18 meses, em média.
Vries lembra que os computadores demandam, em sua fabricação, semicondutores (chips minúsculos que estão em falta no mercado e cuja escassez paralisou a indústria automotiva global). “Você pode pensar dessa forma: se você colocar um chip em uma ‘mina’ de bitcoin, não pode colocá-lo em um carro elétrico ou num dispositivo eletrônico pessoal. Então, pode haver outras consequências econômicas e climáticas.”
O sistema em que computadores resolvem uma equação matemática e que permite que os bitcoin sejam colocados no mercado chama “proof of work” (prova de trabalho, em português). É ele que garante a segurança da criptomoeda, mas que, por outro lado, demanda um grande volume de energia.
Há um outro mecanismo que pode fazer o mesmo trabalho do “proof of work”, chamado “proof of stake” (prova de participação). Nesse sistema, quem recebe as novas moedas é escolhido de forma aleatória, mas a probabilidade de recebê-las é proporcional ao volume de dinheiro que você investe na rede. A segurança desse mecanismo é garantida pelo fato de que os próprios investidores perdem dinheiro caso a rede apresente falhas, então todos ajudam a mantê-la sem fraudes.
Para os críticos, no entanto, esse é um sistema concentrador de renda. Ainda assim, ele já é usado por algumas moedas virtuais, como Tezos e NEO. A segunda criptomoeda mais popular do mundo, a Ethereum, está no processo para tentar substituir o “proof of work” pelo “proof of stake”.
Expediente
Editor executivo multimídia Fabio Sales / Editora de infografia multimídia Regina Elisabeth Silva / Editores assistentes multimídia Adriano Araujo, Carlos Marin e William Mariotto / Design Bruno Ponceano / Infografia Edmison Silva
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