sexta-feira, 7 de maio de 2021

De volta à reforma tributária

Nelson Barbosa

Professor da FGV e da UnB, ex-ministro da Fazenda e do Planejamento (2015-2016). É doutor em economia pela New School for Social Research.



Nelson Barbosa

O desenho da reforma técnica existe desde os anos 1990; o apoio político ainda não

Volto à reforma da tributação indireta porque o projeto andou e parou nesta semana. O relator da comissão no Congresso, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), apresentou seu parecer, mas o presidente da Câmara parou o processo.

Independentemente do caminho legislativo adotado, a maioria dos economistas concorda com a direção a ser seguida: tributação no destino (ponto de venda), em vez de na origem (ponto de produção), tributo sobre o valor adicionado (para evitar cobrar imposto sobre imposto), alíquota única sobre todos os produtos e serviços (acabam regimes especiais) e toda compra de insumo gera crédito tributário (o imposto que você paga pode ser abatido do imposto que você deve).

As mudanças acima diminuirão a carga sobre a indústria, mas aumentarão sobre serviços. A carga tributária continuará a mesma, mas alguns setores pagarão mais e outros pagarão menos em relação à situação atual. Por esse motivo a reforma tem oposição ferrenha dos setores hoje desonerados. Reforma tributária nunca é assunto meramente técnico.

 Simplificar tributação indireta requer cobrar imposto sobre tudo, o que é inicialmente regressivo, pois os pobres gastam relativamente mais de sua renda com consumo do que os ricos.

Vários economistas se opõem à alíquota única com base no mantra popular: “Alimento não deve pagar imposto”, “livro não deve pagar imposto”, e assim em diante. A intenção é boa, mas o caminho do inferno... vocês sabem.

Quanto maiores as exceções, mais complicado ficará o sistema tributário e maior será o risco de desvio de função, de desoneração de quem não precisa.

Nos impostos indiretos, tributação boa é tributação simples. Alíquota única no destino para todos os bens e serviços. A regressividade dessa medida pode e deve ser compensada com transferência de renda.

Por exemplo, tributar a cesta básica, mas transferir renda aos mais pobres com base no valor de tributos que incidem sobre a cesta básica. A mesma coisa se aplica a livros, tributar e transferir o recurso para quem mais precisa (exemplo: subsídio para livros escolares). O deputado Ribeiro incluiu essa lógica no seu parecer. A fila anda.

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Outro nó político está na divisão da arrecadação. Alguns colegas querem juntar tributo federal, estadual e municipal para simplificar a vida do contribuinte (correto), mas a iniciativa pode diminuir os fundos que bancam a proteção social feita pela União (errado).

Para não estimular “rouba-monte” entre União, estados e municípios, é melhor manter as coisas legalmente separadas. Contribuição sobre bens e serviços (CBS) para a União, imposto sobre bens e serviços (IBS) para estados e municípios, que, por sua vez, pode ser dividido em duas partes: IBS-E e IBS-M.

A União pode e deve ir na frente criando a CBS (por lei). Estados e municípios podem ir depois (por emenda constitucional), com opção de aderir ou não ao sistema federal de arrecadação. Alguns estados e municípios aderirão. Outros, de maior arrecadação ou ambição, preferirão manter sua própria burocracia.

E ter CBS, IBS-E e IBS-M não complicará a vida do contribuinte se os sistemas eletrônicos de arrecadação se comunicarem. Há tecnologia de informação para isso. Não devemos confundir competência legal (a quem cabe a receita) com sistema de informática (guia única na internet).

A reforma também deve ser gradual, migrando de várias alíquotas para alíquota única ao longo de quatro a oito anos, a fim de dar tempo às empresas se adaptarem.

O desenho da “reforma técnica” existe desde os anos 1990. O apoio político ainda não.

 

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