Isolamento social e busca por consumo mais consciente fazem crescer compartilhamento de produtos, de eletrodomésticos a móveis e equipamentos para automóveis
22 de maio de 2021 | 14h00
O confinamento imposto pela pandemia da covid-19 ajudou a impulsionar o mercado de aluguel e assinatura que, antes da crise sanitária, começava a conquistar espaço no mercado brasileiro.
Considerado um tipo de consumo mais consciente por compartilhar produtos, as locadoras oferecem extensa gama de itens que vão de tablets a tapetes, quadros, brinquedos, bolsas, óculos, malas, bagageiros para carros a móveis como sofás e camas, além de eletrodomésticos como geladeira e aspirador de pó.
A maior parte das locações é feita por startups, de forma online, por prazos de dias, meses e até anos. Elas também são responsáveis pela manutenção e assistência aos produtos. Algumas empresas têm estoque próprio, outras têm a plataforma e os itens são oferecidos por terceiros após passarem por curadoria de conteúdo.
Para alguns especialistas, a “revolução do aluguel”, economia compartilhada ou colaborativa tem potencial para contribuir com mais de 30% do PIB de serviços brasileiro a longo prazo.
Na avaliação de Marcos Gomes Rabelo, analista de Negócios do Sebrae/SP, ter a propriedade de algo significa ter de gastar na compra e, muitas vezes, investir na manutenção. “O compartilhamento é uma maneira de economizar com essa aquisição; se não preciso ter algo todos os dias à minha disposição, porquê eu investiria uma grande quantia na aquisição e manutenção desse bem se posso alugá-lo só quando precisar?”.
Rabelo cita ainda a mudança de comportamento nas relações de consumo. Segundo ele, as pessoas estão cada vez mais preocupadas com fatores ambientais e engajadas com um consumo consciente, que economiza recursos naturais ao mesmo tempo preserva o meio ambiente.
Para ele, a locação democratiza o acesso a produtos e serviços, ao mesmo tempo que possibilita ganho extra de renda para quem compartilha. Ele ressalta que a necessidade de economizar recursos financeiros aliada à crescente conscientização ambiental e aos avanços tecnológicos fez surgir diversos modelos de negócios baseados no compartilhamento. “É um modelo já testado e que vem se consolidando a cada ano, ganhando cada vez mais adeptos ao redor do mundo”.
Brinquedos para crianças confinadas
Há sete anos no mercado de locação de brinquedos para bebê de até quatro anos, a Okipoki passou a receber consultas para a faixa de cinco a seis anos, grande parte de pais de crianças que estão na pré-escola e tiveram de ficar em casa na pandemia.
A proprietária Denise Della Nina Andrade conta que correu para adquirir outros itens e atender a nova demanda. “Tínhamos três escorregadores e agora temos 15”. Ela teve também de aumentar a equipe nas áreas de entrega e de limpeza dos brinquedos.
A higienização que fazia nos seus produtos também virou serviço para terceiros, assim como a manutenção. Em um ano o faturamento do negócio aumentou 30% e os gastos extras na compra dos novos itens foram recuperados.
Entre as vantagens da locação, Denise cita a dificuldade das pessoas em ter espaço para guardar brinquedos como escorregadores e gangorras, especialmente para quem mora em apartamento. Como boa parte dos produtos são de plástico, ela também vê benefícios na parte da sustentabilidade, pois um único brinquedo pode ser compartilhado várias vezes e evita o uso maior da matéria-prima.
Só para bebês a Okipoki, de São Paulo, tem 300 opções de brinquedos, quase todos de linhas que ajudam no desenvolvimento. A locação pode ser feita por período de 14 dias a oito semanas
Centenária Riccó cria nova empresa para locação de móveis
Após 147 anos no ramo de produção e venda de móveis, a Riccó entrou há quatro anos na área de locação corporativa para ambientes de trabalho. O negócio estava a todo vapor quando veio a pandemia. Escritórios de empresas locadoras ficaram vazios e os funcionários passaram a fazer home office. Quase 6 mil conjuntos alugados de mesas e cadeiras foram devolvidos.
Paralelamente, a Riccó passou a receber demandas de móveis para o trabalho em casa de pessoas físicas ou de empresas alugando para os funcionários. Também chegaram pedidos de sofás, poltronas, mesas, berços e cômodas. O novo nicho de mercado levou o grupo a criar, em fevereiro, a Spaceflix, empresa focada no consumidor final.
“É uma maneira mais inteligente de consumir”, afirma Fábio Riccó, diretor geral da Riccó. "As pessoas também começaram a usar suas casas de forma diferente, ocupando mais os espaços”, diz ele, que é da quinta geração da família fundadora do grupo em São Paulo.
Em sua opinião, mudou a dinâmica de consumo, principalmente entre os mais jovens. “O intuito é pagar pelo uso do móvel em vez da posse, pois querem ter liberdade para, quando saírem de casa, não ter de mudar todos os móveis ou adaptá-los ao tamanho da nova moradia.”
O aluguel para pessoas físicas representa hoje 11% do faturamento do grupo. Neste ano já foram alugados 2,7 mil itens para home office, a maioria cadeiras ergonômicas, e foram feitos 110 contratos para outros produtos como mesas, sofás, quadros de parede e berços. A maior parte dos móveis é produzida na própria fábrica da Riccó.
Na BoBags, após locação é possível adqurir o produto de luxo
Isabel Braga Teixeira passou dois anos no Vale do Silício e voltou ao Brasil em 2015 com o propósito de criar uma startup de compartilhamento de itens de luxo. Começou alugando seu acervo próprio – tinha um guarda-roupa com 80% de peças que praticamente não usava.
Depois foi ampliando para outros itens, como bolsas, acessórios, óculos e roupas para esqui, já com a abertura para outras pessoas e marcas premium. A Closet BoBags se transformou então em um marketplace, hoje com 2,5 mil itens disponíveis e 40 mil clientes cadastrados. A startup tem escritórios no Rio e em São Paulo.
“Nossa oferta de produtos aumentou cinco vezes em relação ao ano passado”, informa Isabel. “Há pessoas que já ganharam R$ 250 mil alugando itens que não usava ou usava pouco; se fosse vendê-los receberia no máximo R$ 100 mil”.
Na pandemia ela decidiu combinar a locação com a venda. A pessoa aluga o produto e, se gostar, pode comprar. Em muitos casos, o cliente é quem faz uma oferta pelo produto. Hoje, 80% da receita vêm do aluguel e 20% das vendas.
Em dezembro, peças da Closet BoBags passaram a ser oferecidas para locação e vendas também na loja TramaLab, um marketplace físico no Shopping Villa Lobos. “Temos 23 marcas, das quais 80% só atuavam on line”, afirma Lívia Archeti Pagliaro, responsável pela TramaLab.
Ferramentas para construção e jardinagem na Casa do Construtor
Ao ficar em casa por mais tempo, muitos consumidores perceberam a necessidade de pequenas reformas e melhoras e, com tempo maior, partiram para o “faça você mesmo”. Esse movimento ajudou a Casa do Construtor, rede especializada na locação de equipamentos para construção, a aumentar em 18% o faturamento no ano passado em relação a 2019, atingindo R$ 328 milhões.
O presidente e fundador do grupo, Altino Cristofoletti Junior, afirma que o volume de aluguéis de ferramentas manuais aumentaram 49%, os de equipamentos para marcenaria 31,1%, itens para jardinagem em 19,3% e para limpeza pesada (cortinas, estofados e tapetes) 17,5%. “A participação da locação por pessoas não profissionais no faturamento subiu de 25% para 35% em 2020 e neste ano está em 33%”, diz.
Hoje, os clientes podem alugar, pessoalmente ou pelo site, equipamento por prazos de um dia mais de um mês. Os itens vão de betoneiras, a furadeiras, escadas e cortadores de grama, até uma câmera térmica que identifica fiação e canos de água nas paredes para evitar furos em locais inapropriados.
Criada em Rio Claro (SP) em 1993 para alugar equipamentos de construção civil para pequenas empresas e profissionais do setor, a Casa do Construtor tem hoje 330 unidades franqueadas em todo o País e pretende chegar ao fim do ano com 400, duas delas no Paraguai.
Tuim tem móveis e eletrodomésticos para a casa toda
Considerada a primeira empresa de móveis por assinatura no Brasil, a Tuim tem quase tudo o que as pessoas precisam em móveis, eletrodomésticos e utensílios para salas, quartos, cozinhas e varandas. Entre os 150 produtos disponíveis estão sofás, tapetes, geladeira, máquina de lavar louças, mesas e cadeira ergonômica.
A liberdade das pessoas mudarem, seja porque gostam de variações, saem da casa dos pais, vão morar mais próximo ao trabalho, se casam, se separam ou porque nascem os filhos são algumas das explicações que Pamela Paz dá para ter criado a startup, com sede em São Paulo.
Atualmente há cerca de 500 assinaturas ativas, algumas com locação de um produto e outras de apartamentos completos. Os prazos para a assinatura variam de dois a 36 meses, mas o mais buscado é o de um ano.
Segundo Pamela, embora não seja possível avaliar o reflexo da crise no negócio, que entrou em operação no fim de 2019, a pandemia trouxe muita visibilidade para a Tuim.
“Muitos precisaram de móveis para home office e houve um movimento grande de pessoas que nunca tinham ficado em casa por tanto tempo e começaram a perceber, por exemplo, que o sofá não era tão confortável, que precisavam de uma lava-louças e fizeram locações com esse olhar”, diz Pamela.
A Tuim também tem parceria com empresas de locação e venda de imóveis já decorados, como Loft, Luggo e Villa 11, em que fornece o mobiliário.
Volume4Trip tem Bagageiro só para quando é preciso
Luciano Bello sentiu na pele o que é programar uma viagem de fim de semana e não poder levar tudo o que precisa, pois metade do porta-malas foi ocupado pelas coisas do seu bebê. Pensando na situação, ele criou a Volume4Trip para locação de bagageiros, suporte de bicicletas e de pranchas, racks para tetos e cadeirinhas para crianças.
A startup passou por testes e adequações e entrou oficialmente no mercado em dezembro, após ser escolhida para um programa de aceleração do Sebrae. O modelo é o de compartilhamento, em que o proprietário coloca o item para locação quando não está usando.
O produto passa por avaliação de qualidade e segurança e usuários e locadores podem dar notas depois, como ocorre no Airbnb. A plataforma fica com 30% do valor pago pelo aluguel. Bello cita exemplo de um bom bagageiro de teto de 400 litros, que custa de R$ 5 mil a R$ 7 mil e normalmente é subutilizado. O aluguel custa entre R$ 40 e R$ 50 a diária.
Bello informa que houve demanda forte por equipamentos entre Natal e Ano Novo. “Com o agravamento da pandemia neste ano diminuiu mas, como a maioria das pessoas está com receio de viajar de avião e prefere usar o carro, há procura, em especial para finais de semana.”
Por sugestão dos próprios clientes, Bello estuda ampliar a lista de produtos e passar a oferecer, por exemplo, motorhomes, “mercado que tem crescido muito na pandemia”.
Locação de computadores dobra na pandemia
A Aluga.com também atua no ramo de equipamentos para informática e dobrou seu faturamento nos últimos 12 meses. Ricardo Marcelino, fundador da startup, diz que nos últimos seis meses foram adquiridos 600 notebooks, ampliando a oferta para 5 mil aparelhos, de um total de 15 mil itens disponíveis para locação.
Com dificuldade em encontrar produtos no mercado, em parte por causa da falta de semicondutores para a produção, consumidores também começaram a buscar a locação e a empresa passou a atender pessoas físicas.
Esse segmento responde agora por 5% dos aluguéis. Antes restrita aos mercado de São Paulo e Rio, a empresa passou a atender clientes do Brasil todo, com entregas feitas por transportadoras terceirizadas.
No aluguel empresarial, itens para home office disparam
Focada apenas na locação empresarial de itens como notebooks, desktops, tablets e smartphones, a paulista Agasus alugava em média 1,5 mil a 2 mil equipamentos por mês. A partir de março de 2020, em plena pandemia, a média subiu para 5 mil.
Com 60 funcionários dedicados ao atendimento de clientes, manutenção preventiva e consultoria, a empresa ampliou o quadro para 220 pessoas no ano passado.
Segundo João Luiz Lima, diretor executivo da Agasus, a receita de R$ 45 milhões em 2019 saltou para R$ 100 milhões no ano passado e está seguindo o mesmo ritmo neste ano. A procura maior atualmente é por notebooks, com mensalidade que varia de R$ 250 a R$ 500 por períodos de 36 a 48 meses.
“Acredito que, mesmo depois da pandemia, dificilmente haverá uma reversão, pois as empresas já vinham acelerando as locações em vez de ter a posse do equipamento.”
Procura por malas despenca na pandemia
A pandemia não ajudou a impulsionar todos os segmentos de aluguel. Ligada a um dos setores mais afetados pela crise, o de turismo, a locação de malas de viagem praticamente ficou parada nos últimos meses e só agora começa a dar pequenos sinais de retorno.
A startup GetMalas até suspendeu atividades, ficou hibernada, atendendo uma ou outra demanda pelo site, e agora ensaia a retomada, informa o sócio Tiago Santiago Botelho.
Ele informa que o negócio, aberto em 2013 em Belo Horizonte (MG) vinha crescendo ano a ano e, antes da pandemia, alugava em média 400 malas por mês. Inicialmente atuava em várias cidades do País, incluindo São Paulo, por meio de franquia e depois passou a ser por licenciamento.
“Tínhamos encontrado um investidor e íamos ampliar o negócio, mas com a pandemia tudo parou”, lamenta Botelho.
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