capitalização impulsionou desigualdades no mundo, diz OIT
Organização associa gestão privada das aposentadorias à baixa
cobertura e redução de benefícios, afetando sobretudo a população
mais pobre; 18 dos 30 países estudados restabeleceram parcial ou
totalmente a gestão estatal
Até 2018, a maioria dos países (18) havia observado a necessidade de reformar
novamente o sistema de aposentadorias após a adoção da capitalização. "A grande
maioria dos países se afastou da privatização após a crise financeira global de 2008,
quando as falhas do sistema de previdência privada tornaram-se evidentes e tiveram
que ser corrigidas", diz o documento.
A conclusão é de que a experiência fracassou de modo geral, tendo impulsionado as
desigualdades, estagnado ou diminuído a abrangência dos sistemas de aposentadorias,
o que acaba prejudicando especialmente a população mais pobre.
Na Bolívia, as pensões privadas corresponderam, em média, a 20% do salário médio
durante a vida ativa do trabalhador, enquanto no Chile a mediana das taxas de substituição
futuras é de 15%, valor que despenca a apenas 3,8% entre os trabalhadores de baixa renda.
"A deterioração do nível das prestações sociais resultou em aumentos da pobreza na
velhice, comprometendo o objetivo principal dos sistemas de previdência, que é a garantia
de renda suficiente para a idade avançada, e exigindo, como consequência, um apoio
público significativo", defende a OIT.
Além disso, são pontuados pela organização os altos custos de transição do sistema de
repartição para a capitalização, que criaram pressões fiscais e elevaram os custos
administrativos. O ministro da Economia, Paulo Guedes, cita o desafio, mencionando
a intenção de suavizar a transição e cortar gastos para que o ajuste fiscal trazido pela
reforma seja efetivo. Ele lembra ainda que os benefícios da capitalização deveriam vir
a médio prazo, não de imediato.
Embora pouco especificado e ainda permeado por incertezas, o novo modelo a ser
adotado no Brasil é baseado na substituição da ideia de os mais novos pagarem pela
aposentadoria dos mais velhos pela ideia de cada trabalhador poupar para poder se
aposentar. O grande desafio do governo, a partir disso, é entender um modelo que
não puna excessivamente os mais pobres, que dificilmente conseguem poupar durante
o período na ativa, para que estes possam ter como se aposentar.
Como a aposentadoria é garantida pela contribuição do próprio trabalhador, o valor
recebido é afetado por períodos em que não há capacidade de poupar, o que pode punir
diretamente as mulheres, por exemplo.
A desigualdade de gênero cresce à medida em que, durante a gravidez, a mulher para de
trabalhar e também, de contribuir. Posteriormente, o valor recebido por elas na
aposentadoria cai por conta disso, algo que não afeta os homens. Na Polônia,
a proporção das mulheres em risco de pobreza atingiu um recorde histórico de
22,5% em 2014, após mudanças na aposentadoria que aplicaram a capitalização,
aponta o estudo.
De modo geral, a experiência é entendida pela organização como fracassada e
incapaz de aliar corte de gastos com a garantia de uma aposentadoria justa às
populações. Alguns modelos foram substituídos por outros totalmente controlados
por estados, e foram criados sistemas mistos em alguns países.
Repartição x Capitalização
Atualmente, no sistema de repartição, os trabalhadores ativos contribuem para pagar
os benefícios de aposentados e pensionistas. Como o gasto é alto por si só e a
população está envelhecendo, o deficit da Previdência está em ascensão no Brasil.
A população economicamente ativa financia a aposentadoria dos mais velhos,
que contribuíram para quem veio antes, e assim sucessivamente. O crescente
envelhecimento da população brasileira é ponto chave para o aumento do rombo
previdenciário. Com a redução do número de ativos, mais suporte do governo é
empregado e, por consequência, mais deficit é acumulado.
A contribuição na repartição é feita proporcionalmente ao salário do trabalhador, com
o acréscimo das contribuições de empregadores e do governo federal. A administração
é feita pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Hoje, o valor mínimo
(assegurado pelo governo) aos aposentados é de R$ 998, o equivalente a um
salário mínimo, e o teto do INSS é de R$ 5.645,80.
No modelo de capitalização, os trabalhadores ativos contribuem e fazem depósitos
individuais para sua própria aposentadoria, como uma espécie de poupança. O governo
deixaria de cobrir o que falta, sem a garantia de um piso, o que é apontado pela OIT
como uma das razões que fizeram com que os sistemas voltassem a ser geridos total
ou parcialmente pelo estado.
Além disso, governo federal e empregadores só contribuiriam espontaneamente, sem
obrigação de fazê-lo. Para o trabalhador, seguiria sendo percentualmente em relação ao
salário recebido. A administração deixaria de ser feita exlusivamente pelo INSS,
passando a gestores da iniciativa privada, como bancos e fundos de pensão.
O ponto central do novo regime é reduzir a longo prazo os gastos públicos e
incentivar o mercado de crédito e a liberdade das relações trabalhistas. Em
contrapartida, muitos não conseguem poupar e o custo de transição é elevado, uma
vez que, inicialmente, há perda de arrecadação. Também é mais difícil prever o valor
da aposentadoria, que costuma ser bem inferior ao salário mínimo local para a
população mais pobre em países que adotam este modelo, como o Chile, entendido
por Guedes como inspiração.
Sem garantia de um piso para os mais pobres, com menor obrigação para empresários
e o governo federal, mas com redução de gastos públicos, a capitalização é polêmica, traz
uma grande transformação e é prevista pela nova Previdência brasileira, que
deverá começar a ser votada no início de abril .
uma grande transformação e é prevista pela nova Previdência brasileira, que
deverá começar a ser votada no início de abril .
Modelo de capitalização chileno, inspiração do governo Bolsonaro,
vive crise
O sistema de aposentadorias chileno, reformado durante a ditadura de Augusto Pinochet,
em 1981, foi o primeiro a conceder à iniciativa privada a gestão dos recursos das
aposentadorias dentre os 30 países estudados pela OIT. O modelo de protagonismo
privado, no entanto, vive crise e deverá ser reformado. A questão geradora dos
questionamentos a respeito da previdência social é o valor médio das aposentadorias,
que faz com que o número de chilenos com risco de pobreza na velhice aumente.
Em outubro do ano passado, o presidente Sebastian Piñera, que declarou apoio a Jair
Bolsonaro nas eleições do mesmo mês , encaminhou ao Congresso uma proposta de
reforma que prevê aumento gradual da alíquota previdenciária, de 10% para 14%. Essa
diferença seria paga pelas empresas, que até então só contribuíam em casos de
profissões insalubres.
"Sabemos que hoje as aposentadorias são muito baixas e inferiores às expectativas de
nossos idosos", reconheceu Piñera durante pronunciamento em rede nacional. As medidas
preveem um reforço do "pilar solidário", que garante pagamento de assistência àqueles
que se enquadram em situação de vulnerabilidade social.
A previsão é que gastos desse tipo, que são pagos pelo governo, aumentem de 0,8% para
1,12% do PIB (Produto Interno Bruto), que é a soma de todos os bens e serviços
produzidos no país. Em 2018, o PIB chileno teve crescimento de 4%, puxado por
um bom desempenho do setor de mineração, serviços e comércio, informou o Banco
Central local nesta segunda-feira (18).
O presidente do Chile ressaltou que, entre os 2,8 milhões de aposentados no País,
1,5 milhão necessitam do pilar solidário, recebendo a Pensión Básica Solidária de
Vejez (PBSV), que vai de US$ 180 a US$ 215, ou o Aporte Previsional Solidario
de Vejez (APSV), subsídio a quem ganha menos de US$ 470, para complementar
a renda.
A desigualdade de gênero, citada no documento da OIT, pode ser vista nos
resultados chilenos. Do total de pessoas dependentes dos benefícios de assistência,
62% são mulheres. Muitas vezes, elas têm participação mais intermitente no mercado
de trabalho e carreira interrompida pela maternidade. Como a contribuição é individual,
a mulher fica mais vulnerável ao sistema que retira a obrigação do estado em garantir
um piso para a aposentadoria.
No Peru, o sistema de capitalização existe paralelamente ao sistema de repartição, algo
mais próximo da realidade a ser adotada no Brasil. O trabalhador peruano pode escolher
se contribui para o setor público ou privado, mas o governo garante que o valor pago ao
regime de capitalização seja menor e aparentemente mais atrativo. A escolha é contribuir
com 13% da renda bruta para o Sistema Nacional de Pensiones (SNP) ou com 10% do
salário para o Sistema Privado de Pensiones (SPP). No regime estatal, há uma garantia
maior de um rendimento básico, enquanto, no privado, a contribuição é menor, mas o risco
sobe.
Em 2017, foi instituída uma comissão vinculada ao Ministério da Fazenda peruano,
denominada Comisión de Protección Social (CPS), para avaliar o sistema previdenciário
do país e propor mudanças nas aposentadorias. É estudada ainda a criação de uma
alíquota de contribuição para empresas, em busca de elevar o valor médio pagos aos
aposentados.
Segundo dados de 2014 da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento
Econômico (OCDE), a cobertura do sistema misto peruano (pouco mais de 90%) é
superior aos regimes de capitalização do Chile (70%) e de repartição do Brasil
(em torno de 60% de abrangência).
Link deste artigo: https://economia.ig.com.br/2019-03-20/capitalizacao-oit-aposentadoria.html
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