O crescimento econômico nos países avançados é insignificante,
a inflação continua próxima do zero e os bancos centrais perderam
capacidade de fazer política monetária
Celso Ming, O Estado de S.Paulo
04 de maio de 2019 | 21h00
Na última quarta-feira, o Federal Reserve (Fed, banco central dos
Estados Unidos) reduziu os juros dos depósitos dos bancos, no
segmento considerado “excesso de reservas”, em 0,05 ponto porcentual ao ano, de 2,40% para 2,35%.
Por trás dessa decisão aparentemente cosmética, existe encrenca séria.
Trata-se de uma situação relativamente nova que produz enormes
impactos na economia mundial. Entender do que se trata é bem mais
fácil do que apontar soluções.
Simplificando um pouco, o mundo está inundado de dinheiro. Isso é
consequência das políticas de contra-ataque aos efeitos da crise de
2008. Na ocasião, os grandes bancos centrais trataram de comprar
no mercado global títulos e hipotecas que, naquela situação de pânico,
ninguém queria. Só o Fed emitiu nessa operação mais de
US$ 3,6 trilhões, os mesmos dólares que serviram para resgatar os
títulos que estavam largados nos mercados.
A crise foi rapidamente dominada, mas ficou a dinheirama despejada “até de
helicóptero”, como dizia em 2008 o então presidente do Fed, Ben Bernanke,
repetindo expressão do líder da Escola de Chicago, Milton Friedman.
A tão ameaçadora inflação não reapareceu, mesmo com os juros globais ao redor de zero por cento ao ano e, em alguns casos, até negativos. Mas essa é outra história. O importante aqui é entender que esses recursos acabaram depositados nos bancos que, encharcados de liquidez, encontram pouca opção para trabalhar com essa nova quantia.
Ao contrário do que os mais pessimistas imaginaram, mesmo com juros no chão, empresas e pessoas físicas do mundo rico não se atiraram ao consumo e aos investimentos porque persistiu nos corações e mentes o temor do retorno da crise. A revolta surda das classes médias ressentidas, as mesmas que vêm produzindo as manifestações nas grandes capitais, como as dos coletes amarelos na França, e também as mesmas que por tantos países vêm elegendo dirigentes xenófobos e protecionistas, é fator adicional que tem sido visto como prenúncio de mais turbulência. Daí a retranca geral, que leva ao adiamento do consumo e ao medo de assumir novos endividamentos.
Os bancos, por sua vez, temem a inadimplência e, traumatizados com a quebra estrondosa do Lehman Brothers, em 2008, também não se arriscam a aumentar o crédito. Preferem depositar as megassobras nos bancos centrais para, pelo menos, aproveitar os juros básicos. Na área do euro, por exemplo, os bancos mantêm depositados no Banco Central Europeu reservas de nada menos de 2 trilhões de euros, remuneradas a juros de 0,4% ao ano.
Do ponto de vista das políticas públicas, a situação não tem precedentes. O crescimento econômico nos países avançados é insignificante, a inflação continua próxima do zero e os bancos centrais, impossibilitados de baixar ainda mais os juros, perderam capacidade de fazer política monetária, ou seja, de injetar dinheiro para reativar o sistema produtivo. A economia não reage. É o que os especialistas vêm chamando de armadilha de liquidez.
Se afundassem ainda mais os juros para o campo negativo, os bancos centrais produziriam enormes distorções. Imagine a situação em que as dívidas perdessem valor e os próprios bancos tivessem de pagar juros para os tomadores de crédito, e não o contrário.
A decisão do Fed na semana passada procura forçar os bancos a se atirar às operações de crédito, na medida em que os obrigaria a enfrentar prejuízos com suas reservas remuneradas a juros mais baixos.
Os especialistas já queimaram muita energia de suas massas cinzentas para imaginar saídas desse labirinto. Até agora, não foram muito longe e há quem diga que a principal função dos bancos centrais, a política monetária, já deu o que tinha de dar.
Mas, pelo único precedente, já sabem que não obterão resultados fáceis. O Japão vive há décadas uma situação de juros prostrantes, ao redor de menos 0,10% juros negativos), conjugados com avanços medíocres do PIB. É o que os mais realistas temem que aconteça também com outras economias industrializadas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário