sábado, 25 de maio de 2019

A armadilha de liquidez (liquidez parasitária)


O crescimento econômico nos países avançados é insignificante, 

a inflação continua próxima do zero e os bancos centrais perderam 

capacidade de fazer política monetária

Celso Ming, O Estado de S.Paulo
04 de maio de 2019 | 21h00
Na última quarta-feira, o Federal Reserve (Fed, banco central dos 
Estados Unidos) reduziu os juros dos depósitos dos bancos, no 
segmento considerado “excesso de reservas”, em 0,05 ponto porcentual                              ao ano, de 2,40% para 2,35%.
Por trás dessa decisão aparentemente cosmética, existe encrenca séria. 
Trata-se de uma situação relativamente nova que produz enormes 
impactos na economia mundial. Entender do que se trata é bem mais 
fácil do que apontar soluções.
Simplificando um pouco, o mundo está inundado de dinheiro. Isso é 
consequência das políticas de contra-ataque aos efeitos da crise de 
2008. Na ocasião, os grandes bancos centrais trataram de comprar 
no mercado global títulos e hipotecas que, naquela situação de pânico, 
ninguém queria. Só o Fed emitiu nessa operação mais de 
US$ 3,6 trilhões, os mesmos dólares que serviram para resgatar os 
títulos que estavam largados nos mercados.
A crise foi rapidamente dominada, mas ficou a dinheirama despejada “até de 
helicóptero”, como dizia em 2008 o então presidente do Fed, Ben Bernanke
repetindo expressão do líder da Escola de Chicago, Milton Friedman.
Ben Bernanke
A crise foi rapidamente dominada, mas ficou a dinheirama despejada “até de helicóptero”, 
como dizia em 2008 o então presidente do Fed, Ben Bernanke, repetindo expressão do líder 
da Escola de Chicago, Milton Friedman Foto: Foto: Brendan McDermid/Reuters
A tão ameaçadora inflação não reapareceu, mesmo com os juros                                  globais ao redor de zero por cento ao ano e, em alguns casos, até                             negativos. Mas essa é outra história. O importante aqui é entender                                    que esses recursos acabaram depositados nos bancos que,                                         encharcados de liquidez, encontram  pouca opção para                                                trabalhar com essa nova quantia.
Ao contrário do que os mais pessimistas imaginaram, mesmo com juros                                  no chão, empresas e pessoas físicas do mundo rico não se atiraram ao                          consumo e aos investimentos porque persistiu nos corações e mentes o                                  temor do retorno da crise. A revolta surda das classes médias ressentidas,                          as mesmas que vêm produzindo as manifestações nas grandes capitais,                          como as dos coletes amarelos na França, e também as mesmas que por                            tantos países vêm elegendo dirigentes xenófobos e protecionistas, é                                   fator adicional que tem sido visto como prenúncio de mais turbulência.                              Daí a retranca geral, que leva ao adiamento do consumo e ao medo                                      de assumir novos endividamentos.
Os bancos, por sua vez, temem a inadimplência e, traumatizados com                                   a quebra estrondosa do Lehman Brothers, em 2008, também não se                                  arriscam a aumentar o crédito. Preferem depositar as megassobras nos                      bancos centrais para, pelo menos, aproveitar os juros básicos. Na área                                do euro, por exemplo, os bancos mantêm depositados no Banco Central                  Europeu reservas de nada menos de 2 trilhões de euros, remuneradas a juros                                      de 0,4% ao ano.
Do ponto de vista das políticas públicas, a situação não tem                                       precedentes. O crescimento econômico nos países avançados é                             insignificante, a inflação continua próxima do zero e os bancos centrais,                     impossibilitados de baixar ainda mais os juros, perderam capacidade                                 de fazer política monetária, ou seja, de injetar dinheiro para reativar                                       o sistema produtivo. A economia não reage. É o que os especialistas vêm                           chamando de armadilha de liquidez.
Se afundassem ainda mais os juros para o campo negativo, os bancos                              centrais produziriam enormes distorções. Imagine a situação em que                                      as dívidas perdessem valor e os próprios bancos tivessem de pagar                                       juros para os tomadores de crédito, e não o contrário.
A decisão do Fed na semana passada procura forçar os bancos a                                            se atirar às operações de crédito, na medida em que os obrigaria a                                        enfrentar prejuízos com suas reservas remuneradas a juros mais baixos.
Os especialistas já queimaram muita energia de suas massas cinzentas                            para imaginar saídas desse labirinto. Até agora, não foram muito longe e                            há quem  diga que a principal função dos bancos centrais, a política                          monetária, já deu o que tinha de dar.
Mas, pelo único precedente, já sabem que não obterão resultados                                  fáceis. O  Japão vive há décadas uma situação de juros prostrantes,                                      ao redor de menos 0,10% juros negativos), conjugados com avanços                          medíocres do PIB.  É o que os mais realistas temem que aconteça                             também  com outras economias industrializadas.

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