Quando Jair Bolsonaro anunciou, durante a campanha, que minorias deveriam se curvar a maiorias, não falava de uma relação numérica relacionada à vontade popular.
Quem compreende o sentido de minoria como o conjunto de pessoas sem o mesmo acesso a direitos e privilégios dos chamados grupos hegemônicos sabe que a tradução literal da afirmação era uma ameaça: os fracos devem se dobrar aos mais fortes.
Fica a pergunta: quando foi que ocorreu o contrário?
A história da violência no campo do Brasil, por exemplo, é uma história de forças assimétricas. Ganha quem manda, manda quem pode, pode quem tem dinheiro. Entre mandantes e executores, morre quem, quase sempre, tem quase nada.
Em dezembro, será lembrado o 30º aniversário do líder ambientalista Chico Mendes. Foi em seu estado, o Acre, que o agora presidente eleito prometeu metralhar adversários.
Em 2017, a Comissão Pastoral da Terra contabilizou 70 assassinatos no campo, maior número desde 2003. Foram registrados massacres na Bahia, Mato Grosso, Pará e Rondônia, além da suspeita de execução de “índios flecheiros”, do Vale do Javari, no Amazonas, entre julho e agosto de 2017.
Segundo a CPT, de 1985 e 2017 ocorreram 1.438 casos de conflitos no campo, com 1.904 assassinatos. Apenas 113 haviam sido julgados (8% dos casos), com a condenação de 31 mandantes e 94 executores.
Das capitanias hereditárias aos herdeiros das oligarquias, passando pela escravidão, a história da ocupação das terras no Brasil é a história de um massacre.
Mas, pelo senso comum, que atribui riqueza a merecimento e ignora os processos históricos que empurraram muitos para a miséria e poucos para o poder, reivindicação de direitos é sinônimo de “coitadismo” e mobilização, de banditismo.
Esse discurso é constantemente reproduzido não só por quem está indisposto a perder uma linha de privilégio em um país fundado na desigualdade, mas também por uma classe média atordoada que, sem conseguir reconhecer o próprio algoz, compra a briga pelos farelos dos elos mais frágeis da sociedade – entre eles quem não tem onde dormir.
Esse medo, sem base na realidade, de perder o pouco que se tem ajuda a explicar o ódio contra grupos organizados para ter um mínimo de acesso a direitos básicos.
Bolsonaro assumiu sob aplausos de quem sempre mandou no país, a começar pelo campo, e com uma bazuca apontada contra todo tipo de “ativismo”.
Seu filho, Eduardo, comparou militantes de movimentos sem-terra a terroristas que utilizam “seu poder criminoso para invadir terras, incendiar tratores para obrigar o fazendeiro a vender suas terras por um preço baixo”.
A análise vinha como ameaça: qual o problema de prender cem mil pessoas?
Que ninguém se engane: a birra do deputado não é com ocupações, é com ocupações promovidas por gente pobre em um país marcado pela exclusão no campo e o déficit habitacional gigante nas cidades.
Ganha um fim de semana em alguma mansão ocupada irregularmente no lago Sul de Brasília quem souber dizer quais os planos do novo governo para resolver a questão da moradia do país – e dois finais de semana para quem se lembrar de alguma declaração indignada de políticos como Eduardo contra os barões de máfias como a do ISS, que ganhavam descontos milionários em impostos da Prefeitura de São Paulo em troca de propina. O esquema envolvia até mesmo proprietários de shoppings de alto padrão – a diferença é que este tipo de marginal frequenta colunas sociais em vez de páginas policiais.
A retórica contra ativistas que lutam justamente contra essa situação, na melhor das hipóteses, é só uma grande cortina de fumaça para assustar, frustrar mobilizações e desviar as atenções sobre as primeiras medidas anunciadas pelo novo governo – medidas que, até aqui, fortalecem justamente o lado vitorioso dessa batalha.
O anúncio da “musa do veneno” como nova ministra da Agricultura é só um dos muitos sinais de quem se dobrará a quem a partir de janeiro.
Em tempo: o tão demonizado MST, que segundo o senso comum é composto por “vagabundos” e potenciais terroristas, é hoje o maior produtor de arroz orgânico do Brasil.
O tão propagado discurso em defesa da família poderia levar em conta os pais, mães e filhos trabalhadores que encontraram um pedaço de terra sem função social e agora ajudam a alimentar um país.
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