sábado, 1 de setembro de 2018

Plano de Governo do Bolsonaro e o desapreço à democracia


Imagem: Fábio Rodrigues Pozzebom/ Agência Brasil
Sabe-se que planos de governo são, em regra, cumprimento de formalidades eleitorais ou, quando melhor trabalhados, meras peças de campanha. Ocorre que, diante do atual quadro eleitoral, no qual o líder das pesquisas no cenário mais factível é um candidato cujas idéias conhecidas são assumidamente próximas do autoritarismo, o estudo de seu plano de governo faz-se importante. Se o senso comum diz que no mandato o presidente eleito não consegue aplicar o que promete durante a campanha, após ler o plano de governo do candidato Jair Bolsonaro, a esperança é que, caso eleito, o capitão da reserva não desminta essa ideia.
O jornalista José Roberto de Toledo publicou na página eletrônica da revista Piauí* um artigo em que aponta o fato da palavra Deus constar 82 vezes no plano de governo bolsonarista. Muito embora possa estar conforme o preâmbulo do texto constitucional, com a infeliz menção a deus inserida pelo constituinte, não coaduna com o conteúdo da Constituição Federal, cujo texto destaca a laicidade do Estado. Sobre o conteúdo do programa, o referido jornalista destaca que o texto fora metade escrito por aquele alçado a uma espécie do primeiro ministro de eventual governo, o economista Paulo Guedes, enquanto a outra metade teria, pelas características, sido escrito pelo próprio Bolsonaro.
No entanto, enquanto esta última metade, escrita supostamente por Bolsonaro, revela-se antidemocrática por seu conteúdo, a metade referente ao programa econômico é problemática pelo seu pressuposto antidemocrático.
Na primeira parte, afora certa visão segmentada da realidade, com menções um tanto quanto ilusórias sobre a cor da bandeira brasileira ou a relação entre o número de homicídios no País e as supostas reuniões do Foro de São Paulo, o plano apresenta propostas que partem de premissas falsas ou apresentam soluções contraditórias com o próprio ideário do candidato.
Segurança pública
Para a segurança pública o candidato promete acabar com as progressões de regime e saídas temporárias durante o cumprimento de pena de prisão, o que já foi declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal em ocasiões anteriores. Portanto, trata-se de uma proposta com pouca probabilidade de aplicação.
Ademais, promete garantir ao policial, no exercício da função, o excludente da ilicitude. Ora, a não ser que o candidato esteja a sugerir licença para cometer crimes, os policiais já são beneficiados, quando no exercício da função, pelo excludente da ilicitude pelo atual Código Penal. Assim sendo, trata-se de uma proposta inócua, eis que visa estabelecer algo já estabelecido.

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Por fim, misturando alhos com bugalhos, promete, ainda no tópico da segurança pública, retirar qualquer restrição à propriedade privada. Fica a pergunta se Bolsonaro também excluiria a possibilidade de desapropriação de terras utilizadas para plantação de psicotrópicos já prevista na Constituição Federal ou o candidato apoiaria o tráfico como forma de garantir a propriedade privada?
Vê-se que para a segurança pública, o candidato possui promessas inconstitucionais. Sejam inócuas por prometer algo que já existe ou contraditórias com seus próprios posicionamentos.
Educação
Para a educação, além da já conhecida verborragia sobre doutrinação e afins, sugere o incremento da modalidade de educação à distância e o não “veto dogmático”. Mostra-se desatualizado ante as recentes alterações normativas que, muito ao contrário de realizarem veto dogmático, tem flexibilizado bastante as regras para esta modalidade educacional.
No mais, o programa reflete o posicionamento já conhecido do candidato, repleto de pontos de exclamação e de atribuição da culpa de todos os males à esquerda ou ao comunismo, o que reforça ter sido o próprio candidato quem escreveu esta parte do plano.
Economia
Porém no âmbito econômico, a suposta tecnicidade do setor e a considerável concentração de poderes revelam a necessidade preocupação. Propõe uma concentração das pastas da Fazenda, Planejamento e Indústria nas mãos do futuro Ministro da Economia. Este todos já sabemos quem seria. Além disso, sugere que o Banco Central, muito embora formalmente independente, seja alinhado às diretrizes da pasta econômica.


O que se verá, na prática, é uma redução da pluralidade no campo de negociação das decisões econômicas. Ao contrário do que é comumente vendido como realidade, a diversidade de visões ministeriais no momento de tomada de decisões econômicas não serve apenas como cabides de emprego e do “toma lá dá cá”, mas também garantir que exista, mesmo que de forma mínima, um governo da economia e não apenas sua gestão.
A economia, em uma sociedade que se pretenda democrática, não pode ser conduzida por somente um ente com poderes de “posto Ipiranga” e a redução e concentração ministerial. Ainda que isso pareça vantajoso em uma primeira análise, pode agravar o quadro.
O que cotidianamente é tratado como uma consequência ruim do excesso de ministérios pode ser, de forma colateral, um ponto positivo, que é uma maior possibilidade de pluralidade de visões no momento de tomada de decisões econômicas. Mesmo ciente dos problemas práticos, sabe-se que cada ministro representante de um partido pode vir a defender alguns interesses. Esses últimos corriqueiramente podem ser os interesses das suas bases eleitorais, ainda que a novelização da política os retrate apenas como interesses escusos.
Se é notório o desconhecimento deste candidato em assuntos do campo econômico, ainda mais preocupante é sua intenção em delegar todas as decisões deste setor a um único grupo ou ministério. Um eventual governo Bolsonaro se assemelharia bastante ao que foi a ditadura chilena sob Pinochet: a economia entregue a técnicos para geri-la da forma como bem entenderem, enquanto o chefe de Estado controla o país também de forma antidemocrática.
Repetindo os clichês de sempre, votar é um ato extremamente pessoal e as pessoas são livres para depositarem sua confiança em quem bem entenderem. Esta eleição, dada a fragmentação do campo político, oferta um cardápio vasto ao eleitor, o qual pode decidir entre o liberalismo conservador do novo ao esquerdismo reacionário do PSTU, no entanto o ato de exercer o direito de “votar em Bolsonaro” revela uma contradição em termos.

Umberto Abreu Noce é Advogado, formado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais e Mestre em Direito Público pelo Programa de Pós-Graduação em Direito da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais

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