quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

Fundos de pensão britânicos financiam desmatamento, diz relatório

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No Reino Unido, duas em cada dez libras investidas em fundos de pensão estão ligadas ao desmatamento no exterior. Isso é equivalente a cerca de 300 bilhões de libras (US$ 406 bi) dos pensionistas britânicos financiando cortes de floresta. A informação é de um estudo divulgado na quarta-feira (23/2) pelo grupo ativista MMM (Make My Money Matter) em parceria com Global Canopy e Systemiq.

A conexão com o desmatamento, segundo a pesquisa, se dá pelo financiamento de empresas ligadas à importação de commodities agrícolas e florestais, como soja, carne e madeira. O Brasil é o destaque do levantamento, que usa dados do Imazon para informar que o desmatamento no país cresceu 29% em 2021 na comparação com 2020.

À Sky News, Sônia Guajajara, coordenadora executiva da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) disse que os poupadores britânicos "têm poder para ajudar a salvar as florestas", e exortou as pessoas a "usar sua voz para mudar a maneira como sua aposentadoria é investida, criando um mundo no qual você realmente vai querer se aposentar."

A reportagem da emissora britânica ouviu ainda o representante dos fundos de pensão do país, Nigel Peaple, que criticou a metodologia para chegar ao valor de 300 bilhões de libras e disse que os administradores são mais seletivos na decisão de investir em empresas com histórico ambiental ruim do que a pesquisa sugere. Ele reconheceu, contudo, que tais empresas não estão desempenhando bem os investimentos de longo prazo que já receberam.

O estudo faz parte de uma campanha, liderada pelo ator Richard Curtis, que incentiva cidadãos britânicos a vigiar para onde seus investimentos estão sendo direcionados e cobrar que empresas ligadas ao desmatamento sejam proibidas de acessar os recursos. "Não pode haver ação sobre a mudança climática sem enfrentar o desmatamento", disse Curtis à Sky News.

Os fundos de pensão no Reino Unido administram aproximadamente 2.7 trilhões de libras (US$ 3,6 trilhões). As aposentadorias dos países ricos são instrumentos econômicos poderosos e podem ser usadas contra empresas implicadas no agravamento das mudanças climáticas, sugere uma pesquisa da Universidade de Washington.

Medidas regulatórias podem acelerar este processo, diferenciando empresas com bom ou mau desempenho climático. Um projeto de lei na União Europeia deve obrigar os importadores a provar que estão livres de desmatamento e de violações aos direitos humanos por meio de uma coleta obrigatória e detalhada de informações da cadeia de suprimento, incluindo coordenadas geográficas. O alvo da legislação será o setor agrícola, especificamente commodities de alto risco, como carne bovina, madeira e soja. O descumprimento pode levar à proibição das atividades da empresa no bloco europeu.

O Reino Unido estabeleceu em novembro de 2021 uma lei semelhante, que torna ilegal para as empresas do país o uso de produtos ligados ao desmatamento considerado ilegal no país de origem. Anfitrião da Conferência do Clima da ONU em 2021, o país tem tentado liderar globalmente o combate à crise do clima.

 
Polícia Federal faz operação contra o garimpo no Rio Tapajós (PA)
Polícia Federal faz operação contra o garimpo no Rio Tapajós (PA)
Reprodução/Polícia Federal
 
  
E o que mais você precisa saber:

CORTAR NA CARNE

A Marfrig pediu e não levou o empréstimo de US$ 200 milhões que solicitou ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Segundo apuração da Bloomberg, o pedido foi negado porque o banco não conseguiu concordar com a empresa sobre objetivos ambientais. Há um mês, o site mostrava estratégias de empresas brasileiras de carne para esconder suas conexões com gado criado em áreas de desmatamento recente. Antes, o Norges Bank já tinha colocado a Marfrig sob investigação para possível exclusão de investimentos do fundo de pensão da Noruega por riscos ambientais.

CÚMPLICES DA DESTRUIÇÃO

Um relatório feito por APIB e a Amazon Watch mostra que o desmatamento com origem na mineração cresceu 62% sob o governo Bolsonaro e tem como alvo principal os TIs (Territórios Indígenas). Vale, Anglo American, Belo Sun, Glencore, AngloGold Ashanti, Rio Tinto, Potássio do Brasil e Grupo Minsur são as nove empresas grandes que pediram para minerar nessas áreas. O Fundo Previ foi a instituição financeira que mais investiu (US$ 7,4 bilhões) em mineradoras com atividades que impactam diretamente TIs na Amazônia, seguido por Bradesco (US$ 4,4 bilhões) e a Caixa Econômica Federal, (US$ 786 milhões). Bancos dos EUA investiram juntos mais de US$ 14 bilhões.

OPERAÇÃO CARIBE AMAZÔNICO

Dois destaques da reportagem de Sônia Bridi para o Fantástico no último domingo (20/2) sobre a contaminação em Alter do Chão (PA).

O garimpo é uma atividade milionária que usa pessoas pobres sem dar a elas chances reais de uma vida digna. "A vida passou por mim e não vi", disse um garimpeiro de 44 anos flagrado em condições precárias em ação de fiscalização e que está no garimpo desde os 16. Também se destaca a resiliência do IBAMA, que completa 33 anos sem dar trégua ao crime ambiental organizado mesmo sob forte processo de esvaziamento.

UM PAÍS NA LAMA

Na semana passada, a maior chuva da história de Petrópolis (RJ) escancarou a precariedade das políticas de prevenção a desastres naturais no Brasil em meio ao agravamento da crise do clima. Nesta semana, o destaque é a precariedade no socorro às vítimas, com moradores cavando escombros com as próprias mãos em busca de familiares soterrados mais de uma semana depois do incidente. O exército não aceitou mostrar ao UOL como a instituição está colocando a mão na massa na limpeza da cidade, enquanto autoridades locais disputam palanque e trocam acusações.

VOCÊ CONHECE?

Tempestades extremas, ondas de calor, frio no verão, estiagens prolongadas, mega incêndios em áreas úmidas. Eventos extremos como estes têm chamado a atenção em todo o mundo pela intensidade e proximidade com que ocorrem. A meteorologista e divulgadora científica Josélia Pegorim comanda o Podcast O Clima entre Nós, que traduz o conhecimento de pesquisadores convidados sobre eventos meteorológicos e suas relações com as ações humanas e com o clima da Terra.

 
Usina termelétrica a gás em Uruguaiana (RS)
Usina termelétrica a gás em Uruguaiana (RS)
Reuters Photographer
 
  

O Brasil é o sexto maior investidor global na expansão de gasodutos, e esta pode não ser exatamente uma boa notícia. Este tipo de infraestrutura, voltada a transportar o gás para grandes usuários industriais e termelétricas, pode se tornar sem utilidade quando a transição energética para renováveis estiver avançada. A afirmação é de um estudo divulgado na terça-feira (22/2) pelo Global Energy Monitor (GEM).

A contratação e construção deste tipo de infraestrutura ficou travada entre 2020 e 2021 devido à COVID. A organização mapeou o que eles afirmam ser uma expansão maciça da rede global de gasodutos em 2022, com investimentos que somam US$ 485 bilhões. Globalmente, há 70.900 km de gasodutos em construção, com 122.500 km adicionais em desenvolvimento pré-construtivo.

No Brasil, o desenvolvimento de gasodutos foi acelerado rapidamente sob a Nova Lei do Gás, afirma a pesquisa. Com isso, o país tem US?22,2 bilhões de gasodutos em desenvolvimento, com 7.700 km propostos e 400 km em construção.

Se a redução progressiva do uso de combustíveis fósseis ocorrer para o cumprimento das metas climáticas, esses valores se tornarão ativos irrecuperáveis, segundo o estudo. Os maiores investimentos estão previstos para China, Índia, Rússia, Austrália, Estados Unidos e Brasil.

"Para o Brasil, um enorme investimento em gasodutos não será apenas ruim para a crise climática, é uma má política econômica, pois muitos desses gasodutos se tornarão ativos irrecuperáveis", disse Gregor Clark, Gerente de Projetos do Portal Energético da GEM.

"A boa notícia é que a maioria desses novos gasodutos ainda não está em construção, portanto não é tarde demais para os brasileiros irem em uma direção diferente e escolherem as energias renováveis em vez do gás", completa.

A contratação de novos gasodutos está ocorrendo apesar da Agência Internacional de Energia (AIE) advertir que a demanda por gás deve atingir o pico já nos próximos anos. A agência adverte que o mundo deve fazer uma rápida transição dos combustíveis fósseis para as energias renováveis, para evitar a frustração de investimento e para o atingimento de metas climáticas.

A energia gerada pelo gás é mais cara na comparação com as renováveis porque o insumo destas para gerar eletricidade - água, luz solar ou vento - é gratuito. No Brasil, quase 90% do gás fóssil GNL é importado dos EUA, e flutuações no preço dos combustíveis fósseis e do dólar tornam a geração termelétrica ainda menos competitiva por aqui.



 

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