Ana Cristina Rosa
Jornalista especializada em comunicação pública e coordenadora da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPÚBLICA) - Seção Distrito Federal.
Nos últimos dias, uma sequência de fatos fez com que eu revisse um ponto de vista manifestado recentemente neste espaço. O Brasil, apesar de suas múltiplas facetas, é um só. As imagens degradantes de homens e mulheres famélicos enfileirados à espera de um caminhão trazendo ossos e restos de carne e cartilagem me fizeram enxergar na elite brasileira o retrato do nosso atraso.
Sem a imensa massa de brasileiros —pretos ou não— mantida na pobreza,
explorada como mão de obra barata, o modelo de crescimento implantado
desde o momento em que a primeira nau aportou por aqui há mais de 500
anos, dando início ao sistema socioeconômico cruel e desigual em vigor
até a atualidade, não seria possível.
A ideia da multiplicidade do Brasil não é nenhuma novidade. Surgiu em
meados do século passado quando o sociólogo francês Jacques Lambert —que
veio ao país com a missão de docentes que ajudou a criar a USP—
publicou o clássico livro “Os Dois Brasis” no qual retrata o convívio da
extrema pobreza com a opulência e modernidade em território nacional.
Anos mais tarde a tese inspirou a criação da expressão “Belíndia”,
cunhada pelo economista Edmar Bacha para denominar o Brasil como um
misto de Bélgica e Índia, desenvolvido e pobre ao mesmo tempo.
Porém, como observado com sagacidade pelo jornalista Carlos Müller, o
sociólogo Francisco de Oliveira desconstruiu essas visões nos ensaios
“Crítica à Razão Dualista” e “O Ornitorrinco”. Neles, Oliveira
evidenciou que a aparente dualidade do país moderno e cosmopolita versus
país atrasado é, na verdade, o que faz o Brasil ser uno.
Tudo porque o moderno nunca foi moderno e desenvolvido de fato em razão
de a nação brasileira ser o que é por ter explorado e submetido a
maioria da população ao atraso. A elite de hoje é a mesma que, direta ou
indiretamente, sempre atuou de maneira gananciosa contra o fim da
pobreza por não querer abrir mão de nenhum dos privilégios que desfruta.
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