segunda-feira, 4 de outubro de 2021

Qual indústria vai sobreviver no Brasil? O caminho é desafiador

O centro de uma nova fase na indústria deve ser focado na inovação, no desenvolvimento tecnológico, na produtividade e na internacionalização

José Roberto Mendonça de Barros e João Fernando Gomes de Oliveira*, O Estado de S.Paulo

02 de outubro de 2021 

É fartamente conhecido que a proteção excessiva não conseguiu construir uma indústria competitiva no Brasil. Pelo contrário, fomos ficando isolados do mundo, obrigados a usar bens de produção ultrapassados e matérias-primas caras ou de difícil acesso, enquanto a manufatura global seguiu avançando em alta velocidade. A agenda de proteção não só isolou os “protegidos”, mas também atrapalhou aqueles que dependiam de mais internacionalização.

Mas há uma outra resposta para o desafio de se desenvolver a indústria no Brasil. Ela envolve elementos de competitividade que sejam capazes de suplantar as dificuldades do ambiente de negócios. Temos estudado esse universo, avaliando casos de indústrias de sucesso no Brasil. Trata-se de um caminho inverso ao clássico. Em vez de apenas analisar profundamente os problemas do ambiente de negócio, podemos estudar quais elementos do sucesso industrial permitem ganhos de competitividade que nos posicionem no patamar internacional. 

Esse exercício tem sido realizado em reuniões e discussões com especialistas e executivos dessas empresas bem-sucedidas, que não são poucas. Observamos três pilares comuns em praticamente todos os casos de sucesso: 1) Intensa agenda de desenvolvimento tecnológico e produtividade; 2) Forte inserção internacional e 3) Sólida estrutura de capital. Tem sido interessante observar que os casos estudados justificam seu sucesso por esses três aspectos e não por qualquer tipo de proteção que lhes tenham beneficiado. 

Vamos então entender melhor cada um deles: a agenda de desenvolvimento tecnológico e o conceito de produtividade são prioritários e bastante amplos nas indústrias bem-sucedidas no Brasil. Produtividade deve ser um conceito entendido de maneira estendida, pois seus resultados são influenciados a partir da conceituação do produto industrial, tanto pela sua capacidade de criar valor no mercado, quanto pela eficiência de sua rota de produção, de seus processos industriais, da logística, de sua facilidade de manutenção e de sua sustentabilidade ou aspectos do fim de vida, como a remanufatura, reúso ou reciclagem. Para se obter essa produtividade ampla, as indústrias bem sucedidas priorizam esforços consistentes e persistentes no desenvolvimento tecnológico em todos os aspectos listados, levando a ganhos contínuos e sólidos de produtividade. 

Unidade da CSN
Unidade da CSN, em Volta Redonda: mercado fechado prejudica setor industrial do Brasil. Foto: Marcos Arcoverde/Estadão - 21/7/2016

Observa-se também que o sucesso inclui o aproveitamento de vantagens comparativas brasileiras, combinadas com avanço downstream nas cadeias de valor. São exemplos os recentes desenvolvimentos do uso de Nióbio em baterias automotivas pela CBMM, dos novos materiais no setor de árvores plantadas (IBA), os movimentos downstream industrial do agro (como a Companhia Lilla) e outros inúmeros exemplos onde o Brasil oferece diferencial competitivo construído (como a Aeris). As indústrias brasileiras de sucesso, sem exceção, desenvolvem visão de longo prazo, portfólios de produtos, road mapping tecnológico, ou seja, dedicam-se a um caminho contínuo e obsessivo para encontrar saídas inovadoras, frente aos nossos desafios e oportunidades.

Parece óbvio que só é possível desenvolver essa produtividade lato sensu com uma agenda de desenvolvimento de padrão mundial. Nesse ponto, observamos que a conexão com as melhores práticas do mundo, ou a internacionalização do negócio, é elemento essencial e presente em praticamente todas as empresas bem-sucedidas. Aqui, internacionalizar não significa apenas exportar, mas explorar as melhores oportunidades que o mundo globalizado pode oferecer em benefício da nossa indústria e pode incluir: investimentos diretos no exterior, ganhos com novos mercados, colaboração com os melhores parceiros para projetos de desenvolvimento industrial ou de P&D e ainda a ligação com as cadeias internacionais de suprimentos, via contratos de tecnologia ou investimentos no exterior, criando-se a capacidade de utilizar os melhores insumos e sistemas de produção.

Dessa forma, as agendas de produtividade e internacionalização claramente não combinam com a pauta protecionista ou o isolamento de nossa indústria. Hoje, temos muitos exemplos de que o protecionismo gerou produtos industriais ultrapassados, caros e de baixa qualidade. Isso é mais grave ainda quando a pauta protecionista atinge os materiais básicos, como o aço, por exemplo. O Brasil manteve um sistema de proteção da indústria siderúrgica nacional, cujo resultado foi a manutenção de preços internos acima do mercado internacional em cerca de 20%. Para indústria de manufatura metalomecânica isso tem sido fatal, uma vez que nesse universo industrial o valor da matéria-prima chega a contar cerca de 50% do preço do produto acabado. Hoje, podemos afirmar que proteção do aço foi um dos componentes mais importantes para o desmantelamento do setor de manufatura metalomecânica no Brasil.

É importante destacar que setores beneficiados por uma pauta de internacionalização não são apenas os que têm potencial de exportar. Há de se considerar os setores industriais que dão suporte à crescente produção de commodities que fortalecem a pauta de exportação do Brasil. Por exemplo, o crescente sucesso do agronegócio brasileiro depende de insumos industriais para o plantio, colheita e processamento/transporte das safras. Em trabalho que um dos autores realizou para o IEDI, em 2018, mostrou-se que 30% dos produtos considerados na pesquisa industrial do IBGE têm relação direta com o setor. E isso não considera o uso pela agropecuária de produtos para construção civil, caminhões, reboques e carrocerias e equipamentos de informática e produtos eletrônicos. A competição nesse setor é global e intensiva de tecnologia e, portanto, uma empresa brasileira só deverá ter sucesso com os melhores padrões de produtividade e qualidade, mesmo que venda prioritariamente no mercado interno.

Por fim, uma boa estrutura de capital, facilitada nos últimos anos pelo desenvolvimento dos mercados de capitais, sem detrimento das fontes tradicionais, tem sido um aspecto relevante nos negócios industriais bem-sucedidos. O mercado de capitais vai continuar ampliando sua importância no financiamento das empresas, via aberturas e aumentos de capital e a colocação de instrumentos de crédito junto ao mercado, como debêntures e outros certificados. Poderemos ter, pela primeira vez, crédito relativamente barato para todos e não apenas para os amigos do rei.

Esse fenômeno vai exigir um importante ajuste na estrutura de capital das empresas e na sua governança. Quem avançar nestas áreas obterá posição competitiva, como já estamos vendo durante a pandemia. O real deixa de ser uma moeda atraente para arbitragem (“carry”), resultando num menor fluxo de dinheiro quente. Deverá se manter mais desvalorizado, também pela crise fiscal e outras incertezas, como vem ocorrendo. 

A união de todos esses elementos em mercados onde temos vantagens comparativas tem gerado ganhos capazes de se sobrepor aos riscos inerentes ao nosso ambiente de negócios. É isso que temos observado nos inúmeros casos que estudamos. Parece-nos que o “custo Brasil” vai demorar para ser resolvido e mesmo que seja mais rapidamente, não se exclui essa pauta de busca por uma competitividade global. 

O centro de uma nova fase na indústria deve ser focado na inovação, no desenvolvimento tecnológico, na produtividade e na internacionalização. Tudo com base em uma sólida estrutura de capital. Além disso há de se explorar mais a criação de valor a partir dos recursos naturais, onde temos óbvias vantagens. Temos inúmeros nichos valiosos que contemplam simultaneamente nossas vantagens comparativas com a sustentabilidade lato sensu, o que pode ser uma marca forte para uma indústria de sucesso no Brasil. O caminho é desafiador, mas possível. 

*MENDONÇA DE BARROS É ECONOMISTA É SÓCIO DA MB ASSOCIADOS; GOMES DE OLIVEIRA É PROFESSOR DE MANUFATURA DA ESCOLA DE ENGENHARIA DA USP DE SÃO CARLO

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário