Às vésperas da COP 26, o Brasil está sem protagonismo na geopolítica ambiental e com a imagem desgastadas pela falta de compromisso do governo Bolsonaro com o meio ambiente
14 de outubro de 2021
O Brasil chega à Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 26), a ser realizada na Escócia, de 31 de outubro a 12 de novembro, sem propostas, pressionado e sem credibilidade.
A política ambiental de “passar a boiada” do governo Bolsonaro em nada colabora com a meta de manter a temperatura média do planeta em até 1,5° C acima dos níveis pré-industriais até 2030. Ao contrário disso, o Plano Climático do Brasil atual contribui para o aquecimento de 3°C – o dobro do limite previsto pelo Acordo de Paris, assinado em 2015, de acordo com relatório divulgado nesta quinta-feira pela organização global Transparência Climática, entidade que reúne ONGs de 16 países.
O desmatamento, responsável por quase metade das emissões de gases causadores do efeito estufa do Brasil, segue acelerado. Manteve-se acima dos 10 mil km² em 2019 e 2020. No mês de agosto, a Amazônia perdeu 1,6 mil km² de vegetação, aumento de 7% na comparação anual, segundo levantamento com base nos dados do Sistema de Alerta de Desmatamento (SAD) do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon). A falta de determinação no combate às chamas e a falta de fiscalização fizeram com que os alertas de desmatamento na Amazônia no acumulado dos dois primeiros anos do governo Bolsonaro fossem 82% superiores à média dos alertas registrados nos três anos anteriores, como mostram os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ligado ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
Nos dois últimos anos, por falta de empenho das autoridades, a média de processos que impuseram multas cobradas por crimes ambientais nos Estados da Amazônia Legal despencou 93%, na comparação com a média dos quatro anos anteriores, revelou estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
“O único jeito de superar essa crise é com ações concretas”, adverte Marcelo Furtado, professor visitante da Universidade de Columbia e um dos fundadores da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, organização que reúne representantes do agronegócio, do setor financeiro e da sociedade civil.
Na Assembleia-Geral da ONU realizada em setembro, o presidente Jair Bolsonaro anunciou o propósito de reduzir em 10 anos (de 2060 para 2050) a meta de neutralizar as emissões de carbono do Brasil. Mas, como observa Furtado, esse discurso não convence porque as políticas públicas do governo federal não caminham nessa direção. Ou seja, não tem credibilidade.
Nas últimas semanas, as lideranças do Congresso aumentaram as articulações para avançar nas discussões do projeto de lei que trata sobre a regulação do mercado brasileiro de crédito de carbono. Têm por objetivo levar o País à COP 26 com uma pauta já amadurecida, uma vez que um dos debates da conferência terá como tema o artigo 6 do Acordo de Paris, que prevê a criação do mercado de carbono global.
Diante do desgaste em torno da condução da política ambiental do Brasil, presidentes de 105 empresas de capital nacional e estrangeiro, como Amazon, Bradesco, Natura, Shell e Vivo, e de 10 entidades setoriais divulgaram carta em que defendem metas ambientais ambiciosas, desenvolvimento de medidas em direção a uma economia de baixo carbono e a volta do protagonismo do Brasil nas negociações sobre o clima.
Na mesma linha, empresas do setor de mineração – um dos mais sensíveis às restrições socioambientais – defenderam a necessidade de que o País adote compromissos mais firmes nessa área.
Governadores tentam suprir a lacuna deixada por Bolsonaro e mostrar para o mundo que os demais atores da sociedade brasileira estão comprometidos com a agenda. Em agosto, a coalizão dos governadores pelo clima, que reúne 25 chefes de Executivos estaduais, participou de encontro com o presidente da COP26, Alok Sharma. Um mês antes, encontraram-se com John Kerry, enviado especial dos Estados Unidos para o clima, e discutiram projetos. Ao menos 10 representantes estaduais pretendem estar presencialmente na conferência.
Isso é pouco. Especialistas advertem que é preciso ampliar as metas de redução das emissões e reduzir drasticamente o desmatamento ilegal, que corresponde a 44% das emissões. “O Brasil vai comparecer à Conferência com as mãos vazias. Precisará mudar de postura para não se isolar ainda mais. Até agora, o cenário não tem sido positivo”, lamenta Fábio Feldman, consultor sênior de articulação política do Centro Brasil no Clima.
No caso, isolamento significa não só distanciamento diplomático, mas, também, menos parceiros comerciais para comprar os produtos que o Brasil exporta, menos investimentos estrangeiros e menos possibilidades de negócios para o País. /COM PABLO SANTANA
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