domingo, 6 de dezembro de 2020

"Resultados são excelentes; podemos controlar a covid-19"

OTIMISMO COM VACINAS


Infectologista do Hospital Júlio Müller se diz otimista com 

os estudos feitos até agora

Reprodução

O infectologista Cor Jesus Fernandes Fontes é o pesquisador responsável pelos testes da CoronaVac em Mato Grosso

BIANCA FUJIMORI

As vacinas contra a Covid-19 produzidas em 

todo o Mundo têm apresentado resultados 

animadores, segundo o infectologista do 

Hospital Júlio Müller, Cor Jesus Fernandes Fontes.

 

Na semana passada, três das principais vacinas 

que estão na fase final de testes divulgaram taxas 

superiores a 90% de eficácia e segurança. São elas: a 

do laboratório Moderna, da 

Pfizer- BioNTech e a russa Sputnik V.

 

A Inglaterra foi o primeiro país a anunciar o início da vacinação em massa 

da população.

 

Para o pesquisador, que lidera os testes da vacina chinesa CoronaVac em 

Mato Grosso, há alta expectativa para a aprovação de vacinas no Brasil.

 

“Todas elas, do ponto de vista de imunogenicidade, têm apresentado uma 

resposta excelente, acima de 80%, que é uma proporção considerada ótima 

para a vacina. Algumas delas, que têm resultados já analisados, mostraram 

eficácia”, afirma.

 

Segundo Fontes, haverá mais de uma opção de imunizante, mas ele acredita 

que a melhor opção ainda seja a CoronaVac, produzida em parceria com o 

Instituto Butantan, de São Paulo.

 

“A expectativa de todos nós é muito boa. Principalmente porque a Coronavac 

tem se mostrado muito segura. Nós já temos cerca de 12 mil pessoas 

vacinadas no Brasil, nenhum evento adverso grave associado ao produto 

que está sendo estudado”, garantiu o médico.

 

Na entrevista ao MidiaNews, ele explica que a vacina é feita de forma 

simples e usa técnicas já utilizadas há décadas na Medicina. Além disso, o 

infectologista aponta que a CoronaVac não depende de recursos de 

armazenamento de alta tecnologia e sua produção em larga escala é 

favorável no Brasil, tendo em vista o auxílio do Instituto Butantan.

 

Leia os principais trechos da entrevista:

 

MidiaNews - Há poucos dias, vacinas que estão sendo desenvolvidas 

entraram em fase final de testes e divulgaram os resultados parciais. 

Como o senhor avalia os números apresentados?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - São várias vacinas que estão sendo 

testadas, todas em fase final e várias já têm resultados mais que 

preliminares, alguns já estão concluídos. Todas elas, do ponto de 

vista de imunogenicidade, têm apresentado uma resposta excelente, 

acima de 80%, que é uma proporção considerada ótima para vacina.

 Algumas delas, que têm resultados já analisados, mostraram eficácia. 

Mas a que melhor posso falar é a que estamos testando, que é a vacina 

da CoronaVac, em parceria do Instituto Butantan com o laboratório chinês 

Sinovac. Já temos resultados divulgados na imunogenicidade, que foram 

superiores a 90%. Já está publicado. O Instituto Butantan anunciou que irá

fazer uma primeira análise no final desse mês ou início de dezembro porque 

já tem um quantitativo de pessoas que pegaram a doença e que já permite 

essa análise.

 

MidiaNews - Estamos perto de vencer essa doença terrível?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Acho que estamos perto de ter uma 

ferramenta para prevenir a doença. Não sei se a gente vai conseguir 

vencer. Mas qualquer medida preventiva associada a essas tradicionais 

que a gente já tem apresentado, como distanciamento social, uso de 

máscara, higienização, com a vacina tenho certeza que vamos controlar 

essa doença. Acabar com ela talvez não porque essas viroses são muito 

difíceis de serem eliminadas. Vamos torcer para isso, mas se a gente 

controlar já vai estar muito bem porque foi uma epidemia que causou 

impacto não só sanitário, mas impacto social e econômico grande no 

Mundo inteiro.

 

MidiaNews - As principais vacinas são construídas a partir do vetor 

viral e do RNA. Pode explicar como isso funciona?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - As vacinas têm que ser feitas com o 

agente patológico inteiro ou uma parte dele. No caso, o nosso agente 

é um vírus, que é uma partícula minúscula, apenas uma molécula. 

Essa molécula é de RNA ou de DNA, que é o nosso ácido nucleico, 

que está presente em todo ser vivo. Tem várias formas de produzir 

uma vacina hoje com a tecnologia avançada porque nós sabemos 

processar esses compostos orgânicos químicos. Podemos processar 

de várias formas. Por exemplo: a CoronaVac faz uma inativação dele,

 porém mantém o vírus inteiro. Mas pode sintetizar alguma proteína do 

vírus a partir do conhecimento da estrutura química dela. É possível 

sintetizar uma proteína semelhante de modo que vamos ter só a proteína, 

e não o vírus, para funcionar como a vacina. Nós podemos fazer a síntese 

dessa proteína não por química, mas engenharia genética utilizando outros 

vetores, outros seres vivos que vão expressar a mesma proteína porque a 

gente faz uma manipulação genética em bactérias ou fungos. Nós já temos 

vacinas assim e que funcionam bem.

 

Da mesma forma, como esse vírus é RNA, o RNA que nós temos é 

responsável pela nossa produção de proteína dentro da célula. Então 

utilizando essa técnica que a gente já domina hoje, é possível transcrever 

a partir do RNA do vírus em outra célula hospedeira de bactérias ou de 

fungo e pode transcrever a proteína a partir do RNA do vírus que já foi i

solado. Essa é a mais moderna proposta agora, que é usada pela da 

Universidade de Oxford.

 

Produzir a proteína do vírus com a tecnologia que temos hoje passou 

a ser uma coisa simples e rápida, por isso que está tudo muito veloz 

nessa área de vacinas.

 

MidiaNews - As vacinas com vírus atenuado também estão 

mostrando bons resultados, não é mesmo?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Todas elas que já liberaram algum 

tipo de resultado na literatura ou até mesmo na imprensa têm se 

mostrado promissoras. É claro que devem existir vacinas que não 

têm tido bons resultados. E tudo que não tem bom resultado não 

aparece. Elas estão mostrando bons resultados tanto do ponto de 

vista da resposta imunológica, quanto de segurança. E algumas 

delas já têm resultado de eficácia. Posso dizer que, pelo menos 

uma dessas vacinas, nós vamos incorporar na luta contra a Covid. 

Eu penso até que todas, mas tomei conhecimento de quatro que 

estão com resultados mais avançados. Qual delas pode ser mais 

rápida a ser usada em massa no Brasil? Essa CoronaVac que 

estamos testando e por ser de tecnologia mais simples.

 

MidiaNews - Quais as expectativas com os desenvolvimentos 

das vacinas?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - A expectativa de todos nós é muito boa. 

Principalmente porque a Coronavac tem se mostrado muito segura. Nós 

já temos cerca de 12 mil pessoas vacinadas no Brasil, nenhum evento 

adverso grave associado ao produto que está sendo estudado. O 

desenho dessa vacina é o mais tradicional que existe, que é o vírus 

inteiro inativado por calor e por processo químico. Esse é o mesmo 

princípio de várias outras vacinas que a gente tem como contra a 

febre amarela, sarampo, que são vacinas tradicionais muito boas. 

A gente só tem boas expectativas.

 

MidiaNews - Os altos índices de proteção apresentados até agora 

mostram que a Covid, embora grave, talvez seja uma doença 

contra a qual haverá facilidade para imunização?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Sim. Se você tem uma vacina, até 

vacinar todo mundo, e nem toda vacina vai cumprir 100% da proteção, 

mas vai imunizar uma série de pessoas e há outra série de pessoas que 

está adquirindo ou já adquiriram a doença. Então você conta com a própria 

doença imunizando as pessoas. E a gente já sabe que pessoas mais 

jovens, crianças, têm a infecção de forma mais branda, mais assintomática. 

Elas vão se imunizando naturalmente enquanto outras vão receber a vacina. 

De modo que todos esses mecanismos que a gente aplica na intervenção 

contra a doença vão somando e a gente vai ter, ao final, lucros disso. Então 

não preciso de vacina com 100% de eficácia. Se ela for 70% eficaz já 

ajuda maravilhosamente bem a atingir a tal imunidade de rebanho que 

a gente tanto espera.

 

MidiaNews - O que representa, do ponto de vista da imunização 

da população, uma vacina que tenha cerca de 95% de eficácia? 

Podemos, por exemplo, dispensar a obrigatoriedade da vacinação?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - A questão de obrigatoriedade é uma 

expressão muito forte. Uma vacina que tem uma eficácia alta, que nem 

precisa ser 95%, tem que ser fortemente recomendada para todos os 

indivíduos. As autoridades de Saúde têm o direito de obrigar a vacinar, 

caso a doença esteja comprovadamente causando danos social, econômico 

e sanitário, como aconteceu no início do século XX com a febre amarela. 

O Congresso aprovou uma lei da obrigatoriedade da vacina da febre amarela 

comandada por Oswaldo Cruz. Obrigatoriedade vai depender da situação no 

momento em que essa vacina estiver disponível. Se nós estivermos em 

lockdown, com várias pessoas morrendo e tem uma vacina que, 

comprovadamente, está protegendo as pessoas, isso é uma decisão das 

autoridades de Saúde. Mas a recomendação eu tenho certeza de que, se 

tivermos uma vacina eficaz, vai ser forte por parte das autoridades de Saúde.

 

MidiaNews - A vacina desenvolvida pela Pfizer precisa de ultracongeladores, que 

não existem no Brasil. Além dessa questão, a imunização pode enfrentar outros 

problemas de logística no País?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Qualquer vacina está sujeita a enfrentar 

problemas de logística, principalmente em um país deste tamanho onde a 

vacina tem que ser transportada para rincões de florestas da Amazônia. 

Então um país desse tamanho sofre com qualquer insumo da saúde para 

chegar à ponta. Se a tecnologia necessária da logística é mais complexa, 

como ultrarrefrigeração, é claro que essa vacina vai demorar mais. A 

tecnologia chega ao Brasil, mas é uma questão de tempo maior porque 

nós temos mais dificuldades pelas distâncias, falta de estradas, ter que 

usar embarcações aquáticas para espalhar a vacina. Fica mais caro. Se 

essa vacina for maravilhosa, a indústria vai disponibilizar para todo Mundo 

os equipamentos. O problema é a questão de tempo da estruturação da 

logística. Quanto mais complexa, mais tempo vai demandar para ela chegar. 

Por isso que a gente tem esperança nessa tecnologia mais simples porque o 

Brasil já tem uma experiência altíssima em distribuir vacinas para todo o 

território com certa tranquilidade.

 

MidiaNews - Mato Grosso possui uma boa estrutura para uma 

vacinação em massa?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Tem. Mato Grosso já tem experiência 

de vacinação em massa para poliomielite, febre amarela. É só uma 

questão de ter uma vacina eficaz e o serviço de saúde vai se 

preocupar com isso. Mato Grosso tem essas regiões de difícil 

acesso, mas que hoje em dia a vacina da gripe chega. Claro que 

a cobertura não é maravilhosa, mas aos poucos vamos atingindo 

o Estado inteiro. O mais importante de tudo isso é ter a vacina eficaz 

e com uma logística que a gente suporta no momento.

 

MidiaNews - Há um risco de superlotação das unidades de saúde?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Sem dúvida. Quando surgir a vacina, os 

primeiros meses de disponibilização dessa prevenção vai ser uma demanda 

reprimida como tivemos na vacinação da gripe no início desse ano. A demanda 

por vacina em uma situação dessa passa a ser uma demanda muito ansiosa. 

Todo mundo querendo vacinar e vai dar superlotação de tudo. Vai haver 

dificuldade. Então o planejamento disso tem que ser muito bom para que 

não haja tumultos e insatisfações.

 

MidiaNews - O Governo do Estado anunciou que pode adquirir 

vacinas para a população. O senhor considera que pode ser 

uma boa saída para Mato Grosso?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - O Governo de Mato Grosso, quando tiver 

uma vacina eficaz e autorizada pela Anvisa, se tiver recurso para adquirir 

a vacina, acho que ele deve fazer isso. O Ministério da Saúde vai ter que 

conseguir a vacina para o Brasil inteiro. Então tudo isso é tempo que está 

correndo. Se há mais de uma vacina eficaz e você consegue comprar por 

outra via, o Governo, se puder comprar, vai agilizar o processo. Acredito 

que vários estados vão fazer isso. Todos os estados estão querendo 

resolver de vez essa tensão que a gente está vivendo.

 

MidiaNews - As parcerias da AstraZeneca com a Fiocruz e a 

Coronavac com o Butantan, que são instituições brasileiras, 

podem dar vantagem na aprovação dessas vacinas no País?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Sem dúvida. São instituições que já 

têm estrutura para produção de vacina, já produzem vacina em larga 

escala, não só para o Brasil como para o Mundo. Elas têm condição 

de expandir a estrutura para aumentar a velocidade de produção. 

Isso é inegável. São instituições que têm competência técnica para 

produzir vacinas. Mais do que isso, realizar esses ensaios que estão 

sendo feitos. É mais do que saudável tanto para a indústria quanto 

para o nosso País que essas instituições que produzem as moléculas 

venham trabalhar em parceria com as instituições que produzem a 

vacina. Isso vai dar agilidade para o Brasil ter a sua própria vacina.

 

MidiaNews - Como o senhor avalia a testagem da CoronaVac 

em Mato Grosso?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Nós iniciamos em meados de outubro, 

está fazendo um mês. Temos a meta de incluir de 500 a 800 pessoas e 

já atingimos mais de 25%. Já foram testadas entre 200 e 300 pessoas. 

Estamos recebendo vários voluntários interessados constantemente. 

Até agora a vacina foi super segura, não deu nenhum problema em 

quem tomou. É um ensaio tradicional de vacina com 50% de 

probabilidade de receber placebo e 50% de probabilidade de 

receber a vacina. Tem um acompanhamento rigoroso por 12 meses 

para observar a incidência da doença nos dois grupos.

 

Nós estamos recrutando voluntários que sejam profissionais de

saúde para participar dessa vacina. E lembrando que participar 

como voluntário dessa iniciativa é ser solidário, é se autovalorizar 

perante uma situação que está colocando em risco muitas pessoas 

no Mundo e está impactando muito na vida de toda a população. 

Sempre recomendo que as pessoas que queiram ser voluntárias se 

sintam honradas e valorizadas.

 

MidiaNews - Tem expectativa de quando saem os resultados da 

testagem em Mato Grosso?

 

Cor Jesus Fernandes Fontes - Segundo o Instituto Butantan, agora 

em meados de dezembro, antes do Natal, já vai ter resultado preliminar. 

Mas isso não quer dizer que o estudo vai ser interrompido. Vai ter um 

resultado preliminar que pode ser favorável à vacina, pode não ser. O 

estudo vai continuar até o final do ano que vem para atingir o número 

previsto de participantes e de acompanhamento de 12 meses.

 

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