Infectologista do Hospital Júlio Müller se diz otimista com
os estudos feitos até agora
As vacinas contra a Covid-19 produzidas em
todo o Mundo têm apresentado resultados
animadores, segundo o infectologista do
Hospital Júlio Müller, Cor Jesus Fernandes Fontes.
Na semana passada, três das principais vacinas
que estão na fase final de testes divulgaram taxas
superiores a 90% de eficácia e segurança. São elas: a
do laboratório Moderna, da
Pfizer- BioNTech e a russa Sputnik V.
A Inglaterra foi o primeiro país a anunciar o início da vacinação em massa
da população.
Para o pesquisador, que lidera os testes da vacina chinesa CoronaVac em
Mato Grosso, há alta expectativa para a aprovação de vacinas no Brasil.
“Todas elas, do ponto de vista de imunogenicidade, têm apresentado uma
resposta excelente, acima de 80%, que é uma proporção considerada ótima
para a vacina. Algumas delas, que têm resultados já analisados, mostraram
eficácia”, afirma.
Segundo Fontes, haverá mais de uma opção de imunizante, mas ele acredita
que a melhor opção ainda seja a CoronaVac, produzida em parceria com o
Instituto Butantan, de São Paulo.
“A expectativa de todos nós é muito boa. Principalmente porque a Coronavac
tem se mostrado muito segura. Nós já temos cerca de 12 mil pessoas
vacinadas no Brasil, nenhum evento adverso grave associado ao produto
que está sendo estudado”, garantiu o médico.
Na entrevista ao MidiaNews, ele explica que a vacina é feita de forma
simples e usa técnicas já utilizadas há décadas na Medicina. Além disso, o
infectologista aponta que a CoronaVac não depende de recursos de
armazenamento de alta tecnologia e sua produção em larga escala é
favorável no Brasil, tendo em vista o auxílio do Instituto Butantan.
Leia os principais trechos da entrevista:
MidiaNews - Há poucos dias, vacinas que estão sendo desenvolvidas
entraram em fase final de testes e divulgaram os resultados parciais.
Como o senhor avalia os números apresentados?
Cor Jesus Fernandes Fontes - São várias vacinas que estão sendo
testadas, todas em fase final e várias já têm resultados mais que
preliminares, alguns já estão concluídos. Todas elas, do ponto de
vista de imunogenicidade, têm apresentado uma resposta excelente,
acima de 80%, que é uma proporção considerada ótima para vacina.
Algumas delas, que têm resultados já analisados, mostraram eficácia.
Mas a que melhor posso falar é a que estamos testando, que é a vacina
da CoronaVac, em parceria do Instituto Butantan com o laboratório chinês
Sinovac. Já temos resultados divulgados na imunogenicidade, que foram
superiores a 90%. Já está publicado. O Instituto Butantan anunciou que irá
fazer uma primeira análise no final desse mês ou início de dezembro porque
já tem um quantitativo de pessoas que pegaram a doença e que já permite
essa análise.
MidiaNews - Estamos perto de vencer essa doença terrível?
Cor Jesus Fernandes Fontes - Acho que estamos perto de ter uma
ferramenta para prevenir a doença. Não sei se a gente vai conseguir
vencer. Mas qualquer medida preventiva associada a essas tradicionais
que a gente já tem apresentado, como distanciamento social, uso de
máscara, higienização, com a vacina tenho certeza que vamos controlar
essa doença. Acabar com ela talvez não porque essas viroses são muito
difíceis de serem eliminadas. Vamos torcer para isso, mas se a gente
controlar já vai estar muito bem porque foi uma epidemia que causou
impacto não só sanitário, mas impacto social e econômico grande no
Mundo inteiro.
MidiaNews - As principais vacinas são construídas a partir do vetor
viral e do RNA. Pode explicar como isso funciona?
Cor Jesus Fernandes Fontes - As vacinas têm que ser feitas com o
agente patológico inteiro ou uma parte dele. No caso, o nosso agente
é um vírus, que é uma partícula minúscula, apenas uma molécula.
Essa molécula é de RNA ou de DNA, que é o nosso ácido nucleico,
que está presente em todo ser vivo. Tem várias formas de produzir
uma vacina hoje com a tecnologia avançada porque nós sabemos
processar esses compostos orgânicos químicos. Podemos processar
de várias formas. Por exemplo: a CoronaVac faz uma inativação dele,
porém mantém o vírus inteiro. Mas pode sintetizar alguma proteína do
vírus a partir do conhecimento da estrutura química dela. É possível
sintetizar uma proteína semelhante de modo que vamos ter só a proteína,
e não o vírus, para funcionar como a vacina. Nós podemos fazer a síntese
dessa proteína não por química, mas engenharia genética utilizando outros
vetores, outros seres vivos que vão expressar a mesma proteína porque a
gente faz uma manipulação genética em bactérias ou fungos. Nós já temos
vacinas assim e que funcionam bem.
Da mesma forma, como esse vírus é RNA, o RNA que nós temos é
responsável pela nossa produção de proteína dentro da célula. Então
utilizando essa técnica que a gente já domina hoje, é possível transcrever
a partir do RNA do vírus em outra célula hospedeira de bactérias ou de
fungo e pode transcrever a proteína a partir do RNA do vírus que já foi i
solado. Essa é a mais moderna proposta agora, que é usada pela da
Universidade de Oxford.
Produzir a proteína do vírus com a tecnologia que temos hoje passou
a ser uma coisa simples e rápida, por isso que está tudo muito veloz
nessa área de vacinas.
MidiaNews - As vacinas com vírus atenuado também estão
mostrando bons resultados, não é mesmo?
Cor Jesus Fernandes Fontes - Todas elas que já liberaram algum
tipo de resultado na literatura ou até mesmo na imprensa têm se
mostrado promissoras. É claro que devem existir vacinas que não
têm tido bons resultados. E tudo que não tem bom resultado não
aparece. Elas estão mostrando bons resultados tanto do ponto de
vista da resposta imunológica, quanto de segurança. E algumas
delas já têm resultado de eficácia. Posso dizer que, pelo menos
uma dessas vacinas, nós vamos incorporar na luta contra a Covid.
Eu penso até que todas, mas tomei conhecimento de quatro que
estão com resultados mais avançados. Qual delas pode ser mais
rápida a ser usada em massa no Brasil? Essa CoronaVac que
estamos testando e por ser de tecnologia mais simples.
MidiaNews - Quais as expectativas com os desenvolvimentos
das vacinas?
Cor Jesus Fernandes Fontes - A expectativa de todos nós é muito boa.
Principalmente porque a Coronavac tem se mostrado muito segura. Nós
já temos cerca de 12 mil pessoas vacinadas no Brasil, nenhum evento
adverso grave associado ao produto que está sendo estudado. O
desenho dessa vacina é o mais tradicional que existe, que é o vírus
inteiro inativado por calor e por processo químico. Esse é o mesmo
princípio de várias outras vacinas que a gente tem como contra a
febre amarela, sarampo, que são vacinas tradicionais muito boas.
A gente só tem boas expectativas.
MidiaNews - Os altos índices de proteção apresentados até agora
mostram que a Covid, embora grave, talvez seja uma doença
contra a qual haverá facilidade para imunização?
Cor Jesus Fernandes Fontes - Sim. Se você tem uma vacina, até
vacinar todo mundo, e nem toda vacina vai cumprir 100% da proteção,
mas vai imunizar uma série de pessoas e há outra série de pessoas que
está adquirindo ou já adquiriram a doença. Então você conta com a própria
doença imunizando as pessoas. E a gente já sabe que pessoas mais
jovens, crianças, têm a infecção de forma mais branda, mais assintomática.
Elas vão se imunizando naturalmente enquanto outras vão receber a vacina.
De modo que todos esses mecanismos que a gente aplica na intervenção
contra a doença vão somando e a gente vai ter, ao final, lucros disso. Então
não preciso de vacina com 100% de eficácia. Se ela for 70% eficaz já
ajuda maravilhosamente bem a atingir a tal imunidade de rebanho que
a gente tanto espera.
MidiaNews - O que representa, do ponto de vista da imunização
da população, uma vacina que tenha cerca de 95% de eficácia?
Podemos, por exemplo, dispensar a obrigatoriedade da vacinação?
Cor Jesus Fernandes Fontes - A questão de obrigatoriedade é uma
expressão muito forte. Uma vacina que tem uma eficácia alta, que nem
precisa ser 95%, tem que ser fortemente recomendada para todos os
indivíduos. As autoridades de Saúde têm o direito de obrigar a vacinar,
caso a doença esteja comprovadamente causando danos social, econômico
e sanitário, como aconteceu no início do século XX com a febre amarela.
O Congresso aprovou uma lei da obrigatoriedade da vacina da febre amarela
comandada por Oswaldo Cruz. Obrigatoriedade vai depender da situação no
momento em que essa vacina estiver disponível. Se nós estivermos em
lockdown, com várias pessoas morrendo e tem uma vacina que,
comprovadamente, está protegendo as pessoas, isso é uma decisão das
autoridades de Saúde. Mas a recomendação eu tenho certeza de que, se
tivermos uma vacina eficaz, vai ser forte por parte das autoridades de Saúde.
MidiaNews - A vacina desenvolvida pela Pfizer precisa de ultracongeladores, que
não existem no Brasil. Além dessa questão, a imunização pode enfrentar outros
problemas de logística no País?
Cor Jesus Fernandes Fontes - Qualquer vacina está sujeita a enfrentar
problemas de logística, principalmente em um país deste tamanho onde a
vacina tem que ser transportada para rincões de florestas da Amazônia.
Então um país desse tamanho sofre com qualquer insumo da saúde para
chegar à ponta. Se a tecnologia necessária da logística é mais complexa,
como ultrarrefrigeração, é claro que essa vacina vai demorar mais. A
tecnologia chega ao Brasil, mas é uma questão de tempo maior porque
nós temos mais dificuldades pelas distâncias, falta de estradas, ter que
usar embarcações aquáticas para espalhar a vacina. Fica mais caro. Se
essa vacina for maravilhosa, a indústria vai disponibilizar para todo Mundo
os equipamentos. O problema é a questão de tempo da estruturação da
logística. Quanto mais complexa, mais tempo vai demandar para ela chegar.
Por isso que a gente tem esperança nessa tecnologia mais simples porque o
Brasil já tem uma experiência altíssima em distribuir vacinas para todo o
território com certa tranquilidade.
MidiaNews - Mato Grosso possui uma boa estrutura para uma
vacinação em massa?
Cor Jesus Fernandes Fontes - Tem. Mato Grosso já tem experiência
de vacinação em massa para poliomielite, febre amarela. É só uma
questão de ter uma vacina eficaz e o serviço de saúde vai se
preocupar com isso. Mato Grosso tem essas regiões de difícil
acesso, mas que hoje em dia a vacina da gripe chega. Claro que
a cobertura não é maravilhosa, mas aos poucos vamos atingindo
o Estado inteiro. O mais importante de tudo isso é ter a vacina eficaz
e com uma logística que a gente suporta no momento.
MidiaNews - Há um risco de superlotação das unidades de saúde?
Cor Jesus Fernandes Fontes - Sem dúvida. Quando surgir a vacina, os
primeiros meses de disponibilização dessa prevenção vai ser uma demanda
reprimida como tivemos na vacinação da gripe no início desse ano. A demanda
por vacina em uma situação dessa passa a ser uma demanda muito ansiosa.
Todo mundo querendo vacinar e vai dar superlotação de tudo. Vai haver
dificuldade. Então o planejamento disso tem que ser muito bom para que
não haja tumultos e insatisfações.
MidiaNews - O Governo do Estado anunciou que pode adquirir
vacinas para a população. O senhor considera que pode ser
uma boa saída para Mato Grosso?
Cor Jesus Fernandes Fontes - O Governo de Mato Grosso, quando tiver
uma vacina eficaz e autorizada pela Anvisa, se tiver recurso para adquirir
a vacina, acho que ele deve fazer isso. O Ministério da Saúde vai ter que
conseguir a vacina para o Brasil inteiro. Então tudo isso é tempo que está
correndo. Se há mais de uma vacina eficaz e você consegue comprar por
outra via, o Governo, se puder comprar, vai agilizar o processo. Acredito
que vários estados vão fazer isso. Todos os estados estão querendo
resolver de vez essa tensão que a gente está vivendo.
MidiaNews - As parcerias da AstraZeneca com a Fiocruz e a
Coronavac com o Butantan, que são instituições brasileiras,
podem dar vantagem na aprovação dessas vacinas no País?
Cor Jesus Fernandes Fontes - Sem dúvida. São instituições que já
têm estrutura para produção de vacina, já produzem vacina em larga
escala, não só para o Brasil como para o Mundo. Elas têm condição
de expandir a estrutura para aumentar a velocidade de produção.
Isso é inegável. São instituições que têm competência técnica para
produzir vacinas. Mais do que isso, realizar esses ensaios que estão
sendo feitos. É mais do que saudável tanto para a indústria quanto
para o nosso País que essas instituições que produzem as moléculas
venham trabalhar em parceria com as instituições que produzem a
vacina. Isso vai dar agilidade para o Brasil ter a sua própria vacina.
MidiaNews - Como o senhor avalia a testagem da CoronaVac
em Mato Grosso?
Cor Jesus Fernandes Fontes - Nós iniciamos em meados de outubro,
está fazendo um mês. Temos a meta de incluir de 500 a 800 pessoas e
já atingimos mais de 25%. Já foram testadas entre 200 e 300 pessoas.
Estamos recebendo vários voluntários interessados constantemente.
Até agora a vacina foi super segura, não deu nenhum problema em
quem tomou. É um ensaio tradicional de vacina com 50% de
probabilidade de receber placebo e 50% de probabilidade de
receber a vacina. Tem um acompanhamento rigoroso por 12 meses
para observar a incidência da doença nos dois grupos.
Nós estamos recrutando voluntários que sejam profissionais de
saúde para participar dessa vacina. E lembrando que participar
como voluntário dessa iniciativa é ser solidário, é se autovalorizar
perante uma situação que está colocando em risco muitas pessoas
no Mundo e está impactando muito na vida de toda a população.
Sempre recomendo que as pessoas que queiram ser voluntárias se
sintam honradas e valorizadas.
MidiaNews - Tem expectativa de quando saem os resultados da
testagem em Mato Grosso?
Cor Jesus Fernandes Fontes - Segundo o Instituto Butantan, agora
em meados de dezembro, antes do Natal, já vai ter resultado preliminar.
Mas isso não quer dizer que o estudo vai ser interrompido. Vai ter um
resultado preliminar que pode ser favorável à vacina, pode não ser. O
estudo vai continuar até o final do ano que vem para atingir o número
previsto de participantes e de acompanhamento de 12 meses.
Nenhum comentário:
Postar um comentário