O mundo está empolgadíssimo com a chegada anunciada de não apenas uma, mas três vacinas contra o SARS-CoV-2. Ainda assim, e apesar de partilharem algum do otimismo do cidadão comum, os imunologistas e virologistas fazem questão de relembrar que não é uma panaceia e haverá sempre quem vá adoecer. Ou seja, não estamos a falar de uma eficácia total, apesar de os valores anunciados (até 95%) simbolizarem uma taxa bem superior às de outras no mercado, por exemplo, a da gripe – que protege 50 a 60% das pessoas que a recebem.
“Noventa, ou mesmo que fossem 70% de eficácia, é algo notavelmente elevado”, sustenta Andrew Preston, especialista em patogénese microbiana na Universidade de Bath, no Reino Unido, citado pelo Daily Mail – traduzindo, quer dizer que nove, ou sete, em cada dez pessoas vacinadas não ficaria doente mesmo se exposta à Covid-19. “Digamos que a vacina pode não impedir uma pessoa de ficar infetada, mas inibiria o desenvolvimento de sintomas”, prossegue o especialista.
Mas por que razão uma vacina não pode simplesmente oferecer proteção total? Wiil Irving, professor de virologia na também britânica Universidade de Notttingham, sublinha que as vacinas funcionam criando uma “memória da doença” caso o sistema imunitário volte a entrar em contado com o seu agente infecioso.
Para verificar se uma vacina funciona ou não, os ensaios clínicos incluem um grupo de pessoas que é vacinado e outro que não, o chamado grupo placebo. Depois conta-se o número de casos em cada grupo, ao longo de um determinado período. Se, em cem, no grupo de quem não recebeu vacina houver, por exemplo, 50 infetados e no outro, o dos vacinados, apenas 25, então podemos dizer que a vacina é 50 por cento eficaz. Ou seja, impediu metade das pessoas vacinadas de contrair a doença. E essa percentagem é o valor mínimo definido pela Organização Mundial da Saúde para considerar eficaz qualquer vacina contra a Covid-19.
Mais velhos em geral respondem menos bem
A impossibilidade de uma qualquer vacina alcançar os 100% de eficácia não é propriamente um dado novo – aliás, a meio do verão, o facto foi assumido pelo responsável da Moderna. Em entrevista ao diário espanhol El País, Tal Zaks, diretor científico daquela biotecnológica americana, adiantava que o mais certo era que cada pessoa tivesse de tomar duas doses “para por fim à pandemia” – mas sempre ressalvando que ainda havia muitas dúvidas sobre a eliminação deste coronavírus, e que, provavelmente, muitas se manteriam mesmo depois de o processo de vacinação começar.
A grande questão, como nota agora também Andrew Preston, no momento em que as primeiras vacinas estão prestes a chegar ao mercado, é que “há demasiadas variações nos sistemas imunitários da população para que uma qualquer vacina seja 100% eficaz”. Além disso, à medida que envelhecemos, o nosso sistema imunitário responde menos bem do que o desejaríamos – daí, por exemplo, a noção de que a vacinação das pessoas mais velhas em geral pode ser um problema. “É por isso”, explica, “que as vacinas contra a gripe, que se destinam em grande parte aos idosos, contêm adjuvantes, uns compostos que aumentam a resposta imunitária à vacina – o que significa que há uma maior probabilidade de produzir anticorpos e ficar protegido.” Depois, há todas as outras variáveis: afinal, é também consentâneo que qualquer outra condição que enfraqueça o sistema imunitário (as tais comorbilidades ou doenças associadas de que tanto se tem falado) também pode afetar a nossa resposta a uma vacina.
Ainda assim, o grande objetivo é conseguir parar a circulação da doença, criando a tão almejada imunidade de grupo. Ou seja, se mais de 90% das pessoas forem vacinadas, isso reduz a quantidade do agente infeccioso em circulação por praticamente não ter pessoas para infetar. Claro que o resultado depende ainda do número de pessoas vacinadas – e já há até quem tenha alertado para o facto de a aumentada resistência às vacinas poder ser um entrave a esse fim. “Sabemos que se as taxas de vacinação contra o sarampo descerem abaixo dos 90%, voltam os surtos porque se trata de uma doença extraordinariamente infecciosa”, acrescenta Wiil Irving, a lembrar que o valor do R do sarampo é cerca de 15. Ora, se pensarmos que o R da Covid-19, em média e sem medidas adicionais, é cerca de três, parar a pandemia pode de facto estar mais próximo do que imaginamos.
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