A Serra Gaúcha me lembra a Europa. É, de forma figurativa, uma utopia do país. Ali existe uma estrutura agrícola de pequena escala intacta, que gera prosperidade e paz social, escreve o colunista Philipp Lichterbeck.
Eu passei uma semana na Serra Gaúcha, no Rio Grande do Sul. Fiz uma pesquisa para uma reportagem sobre a nova geração de vini- e viticultores brasileiros. Há cerca de 20 anos, eles começaram a reformar as antigas vinícolas familiares e a produzir vinhos de alta qualidade. Hoje são extremamente bem-sucedidos. Muitos vinhos e espumantes brasileiros são de alta classe e recebem prêmios atrás de prêmios, o que é ainda pouco conhecido no Brasil devido à relativamente pequena quantidade de produção. Muitos produtores dizem: preferimos qualidade à quantidade.
A maioria das vinícolas está nos arredores das cidades de Bento Gonçalves e Garibaldi, num dos vales que lá se chamam Vale dos Vinhedos, porque, é claro, há ali muitos vinhedos e produtores de vinho.
A paisagem é incrível. Consiste em montanhas e colinas, nas quais se espalham vinhedos, campos e florestas. As sinuosas estradas rurais conectam vilarejos e pequenas fazendas, e quando se dirige ao longo delas nota-se tudo muito limpo e bem cuidado. Pobreza também praticamente não se vê.
A região parece pacífica, verde e idílica – um espelho do que o Brasil poderia ser. É uma espécie de utopia deste país. Não de forma concreta, mas no sentido figurativo. A razão é simples. Há mais de cem anos, surgiu aqui uma estrutura agrícola de pequena e média escala, que ainda hoje proporciona prosperidade geral e paz social. Ao longo da história foram criadas várias cooperativas e também alguns grandes produtores de vinhos e sucos como Aurora, Miolo, Salton e Valduga. Outro grande empregador na região é a Tramontina. A estrutura econômica da região é mista e, como são muitas pessoas que possuem algo, elas assumem responsabilidades. Se o maior número possível conseguir um pedaço do bolo, não há disputa pelas migalhas.
Isso torna a região radicalmente diferente do resto do Brasil. Já fora da Serra Gaúcha, nas amplas planícies do Rio Grande do Sul, enormes campos de soja estão se expandindo novamente, e na periferia dos vilarejos a pobreza e o desemprego voltar a surgir: barracos de madeira tortos e sujos, nos quais as pessoas cozinham com lenha. A pobreza aqui é branca. E está diretamente relacionada à distribuição injusta de terras.
Essa tendência está aumentando. O Brasil está se tornando cada vez mais a terra do latifúndio. Uma nação de pastagens e campos onde são cultivadas colheitas comerciais para exportação. O terreno geralmente pertence a um proprietário. Eles criam riqueza para poucos e pobreza para muitos. O motivo: a agricultura industrializada quase não precisa de mão de obra, consome áreas cada vez maiores e utiliza cada vez mais agrotóxicos.
Os números são claros: no Brasil há aproximadamente 130 mil grandes propriedades rurais. Elas concentram quase a metade de toda a área cadastrada no Incra. No outro lado: os 3,75 milhões de minifúndios - propriedades de terra em mãos de pequenos produtores familiares - ocupam somente 10% da área. É lógico que esse desequilíbrio cria problemas sociais e ecológicos. Em vez de combatê-la, a classe política promove a desigualdade: as grandes propriedades rurais recebem 43% do crédito rural, enquanto para 80% dos estabelecimentos menores essa fatia é de menos de 20%.
A concentração de terra também contribui para a incidência de trabalho escravo, como revelam dados do Ministério do Trabalho e Emprego. Além disso, há um número considerável de grandes propriedades rurais improdutivas.
Na terra dos vinhos da Serra Gaúcha é diferente. E isso tem muito a ver com a história. As famílias italianas que imigraram para cá a partir dos anos 1870 receberam um pedaço de terra do governo e em troca tiveram que ajudar a cuidar da região: construir estradas, erguer vilarejos. Naquela época, ocorreu uma espécie de reforma agrária - algo que agora é chamado "comunista" pela direita. Parece que antes que os políticos brasileiros façam uma reforma agrária - muitos são latifundiários - o Saara vai ficar sem areia.
Para muitas famílias de imigrantes essas terras eram a base para a criação de capital e a ascensão social. Muitos ainda vivem na terra de seus antepassados. Cultivam uvas e vinho, grãos e legumes, criam animais, abrem restaurantes ou pequenas mercearias. Não parece haver aqui um grande capitalista, há muitos pequenos e médios empresários com acesso a capital. Desde que cheguei ao Brasil, nenhum lugar me lembrou tanto a Europa. Não apenas por causa da paisagem, mas também por causa do ambiente pacífico. É a relativa igualdade, a participação do maior número possível de pessoas, que cria a paz.
Por causa disso, muitos ricos e super-ricos do Brasil visitam a região nos fins de semana, alguns até mesmo de helicóptero. Eles querem beber um bom vinho e espumante, comer bem e passar dias agradáveis longe do Brasil das desigualdades e da violência. É paradoxal.
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