postado em 09/05/2019
liando ciência e saberes tradicionais para preservar a biodiversidade, e garantindo os modos de vida das comAunidades que tiram seu sustento da floresta amazônica, a Reserva de Desenvolvimento Sustentável (RDS) Mamirauá, a primeira do Brasil, mostra que é possível explorar recursos naturais sem destruir o meio ambiente.
Localizada na região do médio Solimões, 500 km a oeste de Manaus (AM), a reserva Mamirauá, com 1,124 milhão de hectares (11.240 km²), foi criada em 1996 pelo governo do estado do Amazonas.
"A floresta permite que a gente a use sem afetar ou afetando pouco a forma como funciona. Basta fazer de maneira eficiente, baseada em ciência, nos conhecimentos tradicionais", explica à AFP na pousada flutuante Uakari, dentro da reserva, Emiliano Ramalho, diretor técnico-científico do Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá.
O instituto é uma unidade de pesquisa contratada pelo Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) para gerir, junto com as comunidades locais, a reserva Mamirauá e sua vizinha, a RDS Amanã (de 2.350.000 hectares ou 23.500 km²), criada em 1998.
Situadas no coração da Amazônia, que abriga a maior biodiversidade do planeta, as reservas têm espécies que estimulam os sentidos. Aves de diferentes cores e tamanhos reproduzem uma sinfonia diária enquanto sobrevoam os flutuantes, verdadeiras casas com cozinha, quartos, sala e banheiros, aonde se chega em voadeiras, lanchas rápidas que são os carros das hidrovias amazônicas.
Leva-se 40 minutos de voadeira de Tefé, município mais próximo, à entrada de Mamirauá, e uma hora e meia até o acesso a Amanã.
Nos rios e lagos, botos-cor-de-rosa (Inia geoffrensis) nadam em grupos, alheios ao trânsito das embarcações.
As vocalizações do macaco guariba (Alouatta guariba) são constantes do amanhecer ao pôr-do-sol, quando os carapanãs (mosquitos hematófagos) atacam os visitantes sem dó.
"A gente tem que mudar essa concepção de que floresta só pode trazer benefícios se for derrubada, se acabar com unidades de conservação, se a gente remover ou não criar mais terras indígenas. Essa pluralidade sociobiodiversa é o que faz a Amazônia. Sem ela, o sistema não funciona", acrescenta Ramalho, lembrando que na floresta amazônica vivem 25 milhões de pessoas.
- Economia amazônica -
A legislação brasileira prevê dois tipos de unidades de conservação: de proteção integral, onde a ocupação é proibida para garantir a preservação das espécies; e de uso sustentável, onde as comunidades podem explorar recursos naturais, assegurando a proteção da biodiversidade.
As RDS pertencem à segunda categoria. Segundo dados do Ministério do Meio Ambiente, existem 39 reservas deste tipo no Brasil, 23 na Amazônia.
Concebida para ser uma unidade de proteção integral, Mamirauá virou uma RDS pela impossibilidade de retirar a população tradicional, sem a qual a gestão de uma área tão extensa seria inviável.
A ocupação recente da região, antes habitada por indígenas, data do início do século XX, durante a exploração da borracha. Com a queda desta atividade, os seringueiros se fixaram ali, vivendo de agricultura, pecuária, pesca e caça de subsistência.
Hoje, a reserva Mamirauá tem 200 comunidades com dez mil moradores. Amanã, 125 com 5.026 habitantes. São caboclos na maioria, que moram sobretudo em casas flutuantes e palafitas, devido à variação do nível das águas, que supera dez metros entre as épocas de cheia (dezembro a julho) e seca.
Em abril, por ocasião do 20º aniversário do Instituto Mamirauá, uma equipe da AFP visitou cinco comunidades nas duas reservas.
Seus moradores exploram agricultura e pecuária com técnicas de manejo agroecológico como o pastoreio rotativo e o beneficiamento de frutas nativas, como cupuaçu e o açaí, para comercialização da polpa, de valor comercial superior ao produto in natura, além de artesanato e pesca sustentável.
A experiência-símbolo do instituto é o manejo do pirarucu (Arapaima gigas), maior peixe de escamas de água doce do mundo, podendo medir três metros e pesar 200 kg.
Vítima da sobrepesca, beirou a extinção, mas graças ao conhecimento dos pescadores para contar os peixes nos rios e lagos da região, avalizada com metodologia científica por pesquisadores, a espécie se recuperou e voltou a ser abundante.
Hoje, é pescado de forma sustentável, respeitando seu período reprodutivo e cotas pré-estabelecidas.
Segundo relatório do Instituto Mamirauá, em 2018 o manejo do pirarucu em Mamirauá e Amanã rendeu R$ 1.566.309,50, distribuídos entre mais de 700 pescadores. Ao mesmo tempo, a população do peixe saltou de 2.507 espécimes em 1999 para 190.523 em 2018.
As decisões sobre as ações nas reservas são tomadas coletivamente entre as comunidades e o instituto, que realiza pesquisas e oferece capacitação para as atividades econômicas. A maior parte dos recursos dos projetos vem do MCTI, mas também são financiadores o Fundo Amazônia (BNDES), o governo do Amazonas e a Gordon and Betty Moore Foundation, do cofundador da Intel, Gordon E. Moore, e sua esposa, Betty.
Mais recentemente, os comunitários começaram a explorar o ecoturismo em pousadas como a Uakari, muito procurada por turistas estrangeiros.
Segundo Pedro Nassar, coordenador de turismo de base comunitária na reserva Mamirauá, nos últimos três anos o faturamento médio anual da pousada foi de R$ 2.500.000,00. Deste total, 40% destinaram-se à vigilância e à associação de guias. O restante foi dividido entre as comunidades.
- Diferentes saberes unidos pelo bem comum -
Em um flutuante no lago Mamirauá, o forte calor convida a um mergulho, mas a presença de um jacaré-açu (Melanosuchus niger), que espera ganhar sobras do almoço, é desencorajadora.
A espécie, a maior das Américas, podendo superar cinco metros e pesar meia tonelada, esteve ameaçada de extinção nos anos 1980 devido à caça para retirada da carne e da pele, da qual o Brasil foi grande exportador para fabricação de bolsas e calçados.
"A recuperação da população de jacarés se deu pela proibição da caça e a criação de reservas. Hoje, o jacaré-açu, cujo avistamento era raro, é abundante", explica a bióloga Barthira Resende, responsável técnica do plano de manejo de jacarés no instituto.
Mamirauá, conta, tem a maior concentração de jacaré-açu em todo o Brasil e as comunidades atuaram nesta recuperação. "A gente realizou um mapeamento participativo. Eles indicaram onde encontram ninhos de jacarés, onde tem ou não jacarés".
Estes dados são reunidos em um plano de manejo, que será submetido às autoridades para pedir cotas de abate de jacarés, prática tradicional na região, com base na contagem de espécimes para evitar a superexploração que quase fez a espécie desaparecer.
"Juntar os comunitários no manejo sustentável é uma estratégia de conservação. Eles sabem que vai dar retorno financeiro. Com isso, vão proteger os jacarés para a exploração do produto e subproduto da caça. Vão proteger áreas de reprodução, a contagem, para extrair a cota e fazer a divisão do retorno financeiro", afirma a bióloga.
O plano se assemelha ao do manejo do pirarucu.
"O pirarucu estava muito difícil (de achar), o jacaré também. Agora tem bastante. Houve uma grande recuperação", conta Afonso Carvalho, de 68 anos, líder da comunidade Vila Alencar, às margens do lago Mamirauá.
Carvalho, que é indígena kaixana, compartilha um ensinamento de seu povo, que resume bem o que se busca nas reservas:
"O indígena respeita o meio ambiente. A comunidade indígena usa as espécies seguindo uma regra. Não usa à toa. Faz um uso controlado, limitado. Não faz certos usos predatórios".
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