Se
todas as pessoas no mundo consumissem o mesmo nível de combustível,
comida, roupa e material de construção que os europeus, seriam
necessários 2,8 planetas Terra. Se todos adotassem o estilo de vida
americano, precisaríamos de cinco planetas equivalentes ao nosso.
Sem dúvida, estamos vivendo de maneira insustentável – seja quando nos deslocamos, ganhamos ou gastamos dinheiro.
Há uma nova teoria, no entanto, que sugere que é possível reverter esse cenário: devemos trabalhar menos, desacelerando assim a economia global e diminuindo nosso apetite aparentemente insaciável por consumo.
Mas será que isso é viável – e realmente salvaria o mundo?
Nada pode crescer indefinidamente
Mudar nossos hábitos de trabalho em escala global é uma tarefa monumental. O americano médio trabalha 44 horas por semana e tem apenas 10 dias de férias. Na China, uma jornada de 72 horas, 6 dias por semana é comum. E, no Japão, se trabalham tantas horas por dia que existe até uma palavra para "morte por excesso de trabalho": karōshi.
No entanto, uma análise da Universidade Amherst de Massachusetts, nos EUA, argumenta que “trabalhar menos é bom para o meio ambiente”. O estudo afirma que se passássemos 10% menos tempo trabalhando, nossa pegada de carbono seria reduzida em 14,6% – em grande parte devido à diminuição dos deslocamentos diários e do consumo de alimentos processados nos intervalos.
Um dia inteiro de folga por semana reduziria, portanto, nossa pegada de carbono em quase 30%.
Costumamos culpar a indústria e grandes empresas pelas mudanças climáticas. Mas a maneira como vivemos, trabalhamos e consumimos é, na verdade, a principal fonte de emissões.
Um estudo multinacional conduzido pela Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia mostrou que os produtos que compramos são responsáveis por mais de 60% das emissões de gases de efeito estufa – e até 80% do uso da água no mundo.
Mas o aumento do consumo é a base da economia. Segundo o livro Prosperidade sem Crescimento, de autoria de Tim Jackson, professor da Universidade de Surrey, no Reino Unido, a economia global cresceu em média 3,65% por ano desde 1950.
Em outras palavras, se nada mudar, a economia global será 200 vezes maior em 2100 do que em 1950. E esse crescimento pode ser 326 vezes maior se os países em desenvolvimento continuarem a se desenvolver.
“A ideia de uma economia de não crescimento pode ser um anátema para um economista”, escreve Jackson.
“Mas a ideia de uma economia continuamente crescente o é para um ecologista. Nenhum subsistema pode crescer indefinidamente, em termos físicos.”
No entanto, há duas correntes de pensamento divergentes sobre como salvar o mundo trabalhando menos.
Há os defensores do “crescimento sustentável”, que acreditam que nossos salários podem permanecer os mesmos, e as economias podem continuar a crescer a partir de reduções modestas nas horas de trabalho, avanços tecnológicos e eficiência energética.
E há o movimento de "decrescimento" (degrowth), que defende que só cortando salários e dias úteis que as economias serão capazes de alcançar emissões zero de carbono até 2050.
O crescimento sustentável
A ideia de semanas de trabalho mais curtas aliadas ao crescimento sustentável está começando a ganhar força. No ano passado, quase 1 milhão de metalúrgicos na Alemanha ganharam o direito a trabalhar 28 horas por semana (a jornada deles antes era de 35 horas semanais), enquanto o Partido Trabalhista do Reino Unido (o segundo maior partido no Parlamento) flerta com a ideia de uma jornada de trabalho de quatro dias por semana.
Will Stronge, cofundador e diretor da Autonomy, centro de estudos voltado para o futuro do trabalho, defende o crescimento sustentável. Ele cita o exemplo recente de funcionários dos correios do Reino Unido que pleitearam com sucesso por uma redução na jornada de trabalho de 39 horas para 35 horas semanais, mantendo o mesmo salário.
"Em muitas empresas, se você disser que vai reduzir o salário (...) mas compensar com um dia extra de folga, a maioria dos funcionários não terá condições de aceitar."
Do ponto de vista ambiental, ele diz que "o consumo de eletricidade [nacionalmente] diminui bastante nos fins de semana e feriados", sugerindo que há ganhos de eficiência energética ao se trabalhar menos.
Outra defensora do crescimento sustentável, Alice Martin, chefe de trabalho e remuneração da New Economics Foundation, acredita que "se você diminuir a carga horária de trabalho mantendo o salário, as evidências sugerem que isso tem efeitos positivos na redução das emissões de carbono".
Segundo ela, diminuir em 20% as horas trabalhadas, se traduz em uma redução semelhante nas emissões de carbono – devido a mudanças de comportamento, como menos deslocamentos diários, comer comida caseira em vez de alimentos processados e passar mais tempo localmente, até se envolvendo em trabalhos voluntários.
"Ter mais tempo na vida para fazer as coisas que você realmente gosta pode resultar em uma mudança de estilo de vida, fazendo com que você, na verdade, pare de consumir tantos produtos com alto teor de carbono", diz ela.
No entanto, o inverso também pode ser verdadeiro. Ao trabalhar quatro dias na semana e receber salário integral, será que não existe o risco de que, em vez de ficar em casa cozinhando alimentos orgânicos no dia de folga, o nosso consumo pode, na verdade, aumentar? Em outras palavras, fazer mais compras, sair para comer fora, aproveitar para fazer viagens de bate-volta...
O decrescimento
Os defensores do decrescimento acreditam que sim. Eles argumentam que a única maneira de reduzir o consumo é ter menos dinheiro: uma semana de quatro dias úteis, mas com remuneração proporcional aos dias trabalhados.
O decrescimento é considerado um conceito econômico radical, até mesmo uma heresia. O Produto Interno Bruto (PIB) impera desde a década de 1930 como nosso meio de medir o sucesso econômico. No entanto, em um planeta com recursos finitos, o crescimento ilimitado sempre foi uma espécie de erro no código.
Em 1972, um relatório de simulações computacionais do crescimento econômico e populacional exponencial, encomendado pela organização não-governamental Clube de Roma, mostrou que os recursos naturais do planeta estariam esgotados até 2072.
O estudo, que virou o best-seller internacional Os Limites do Crescimento, afirmava que isso provocaria o "declínio repentino e incontrolável da população e da capacidade industrial".
No entanto, a política dominante manteve seu curso. O consumo combinado dos países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aumentou quase 50% entre 1990 e 2008 – e, vejam só, cada aumento de 10% no PIB significou um aumento de 6% na pegada de carbono.
O movimento moderno de decrescimento – que renasceu na Europa, após a primeira Conferência Internacional de Decrescimento em Paris, em 2008 – argumenta, portanto, que devemos começar a retrair a economia de maneira controlada, iniciando com uma redução acentuada da carga horária de trabalho.
Não significa, no entanto, sinônimo de "recessão" e desemprego. O principal economista do decrescimento, Serge Latouche, explica: "O decrescimento não significa decadência ou sofrimento… Em vez disso, o decrescimento pode ser comparado a uma dieta saudável realizada voluntariamente".
Isso resulta, diz ele, em "uma sociedade autossuficiente e materialmente responsável". Mas ainda assim é uma dieta. Não podemos comer nosso “bolo” de crescimento sustentável.
Defensora do decrescimento, Milena Buchs, professora de sustentabilidade, economia e transição para economia de baixo carbono na Universidade de Leeds, no Reino Unido, explica que se o “consumo de lazer” aumenta devido a uma jornada de trabalho mais curta, é exatamente por isso que a redução da carga horária de trabalho também exige uma redução na renda”.
Um artigo da revista científica Global Environmental Change também questiona se um número maior de pessoas trabalhando menos horas poderia resultar em um aumento geral no volume de tráfego:
"Se as jornadas mais curtas aumentarem a produtividade e os salários... o consumo e as emissões poderão aumentar", acrescenta.
Como a renda básica universal poderia ajudar
Os profissionais mais bem remunerados, e não o trabalhador médio, são os que causam a maior parte das emissões. Segundo a Oxfam, os 10% mais ricos do mundo produzem metade de todas as emissões globais de carbono, enquanto a metade mais pobre da população é responsável por apenas 10% das emissões.
Neste contexto, Buchs argumenta que qualquer cenário de decrescimento exigiria um meio de redistribuir a riqueza "dos ricos para os pobres". E a principal proposta para isso é de uma renda básica universal.
Em vez criar uma complexa rede de assistência social, o poder público simplesmente paga a todos os cidadãos uma mesma quantia fixa – que pode chegar a US$ 12 mil por ano.
A renda básica universal é frequentemente associada à ideia do “jobpocalypse” (apocalipse no mercado de trabalho): se os robôs assumirem nossos empregos, como vamos conseguir dinheiro para sobreviver? Mas é igualmente fundamental para o decrescimento: se todo mundo trabalhar menos e consumir menos, como vamos proteger aqueles que já recebem salários baixos?
“Assim como a redução da jornada de trabalho, a renda básica universal é uma das principais propostas para o decrescimento”, diz Buchs.
"A ideia é dizer que sim, todos devem ter algum tipo de renda mínima para que suas necessidades básicas sejam atendidas."
Outra maneira, acrescenta Buchs, pode ser por meio do acesso aos Serviços Básicos Universais: sem pagamento de salário, mas fornecendo serviços públicos gratuitos – de assistência médica a educação universitária.
Problema interno bruto
Tanto os defensores do crescimento sustentável quanto do decrescimento concordam que o PIB não é mais uma medida adequada do desempenho econômico, e que tentar aumentá-lo eternamente tem um efeito negativo no planeta.
Como observa a economista Kate Raworth, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, o PIB ignora completamente a "economia dos cuidados não remunerados" e serviços ecológicos, como ar limpo e água potável.
"Qualquer empresa que apresentasse apenas seu relatório de perdas e ganhos seria ridicularizada na bolsa de valores".
Nina Treu, líder do movimento de decrescimento na Alemanha ("Postwachstum"), também argumenta que um sistema dependente do PIB "precisa sempre produzir mais para se manter estável”.
“Esses produtos precisam ser consumidos, o que leva ao consumo excessivo. E isso esgota os recursos naturais disponíveis, levando à mudança climática, o que prejudica nossa própria fonte de vida”, acrescenta.
Até o político americano Robert F. Kennedy declarou uma vez na década de 1960: "O PIB mede tudo, exceto o que faz a vida valer a pena.”
Há, no entanto, indicadores alternativos ao PIB, como o Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado à Desigualdade (IDHAD), que inclui outros indicadores como expectativa de vida, educação e renda.
Se todos trabalharmos quatro dias por semana, há boas razões para supor que indicadores de expectativa de vida, desigualdade e a escolaridade poderiam melhorar.
Uma pesquisa recente da Henley Business School, no Reino Unido, realizada com empresas que adotaram uma jornada de trabalho de quatro dias por semana mostrou que mais de três quartos dos funcionários estavam mais felizes (78%), menos estressados (70%) e tiravam menos dias de folga (62%).
‘Parte do futuro da humanidade?’
No entanto, dizem os defensores do decrescimento, para que isso também beneficie de fato o meio ambiente, precisamos ganhar menos, consumir menos, levar uma vida mais simples. Pergunto a Buchs se essa poderia ser uma plataforma de governo na qual as pessoas votariam.
"Esse é exatamente o problema", avalia.
"Precisamos do decrescimento, mas não é politicamente viável no momento. Para ser bem sincera, não tenho uma boa resposta [sobre como podemos mudar isso]. "
Talvez não tenhamos escolha.
“No final, independentemente de se os líderes mundiais vão aceitar ou não, as limitações naturais da Terra – evidenciadas pela crescente população (...) que se esforça para viver como consumista – vão derrubar o mito do crescimento econômico contínuo, provavelmente devido a mudanças drásticas nos sistemas do planeta. Portanto, o decrescimento faz parte do futuro da humanidade”, argumenta Erik Assadourian em artigo sobre o caminho do decrescimento em países superdesenvolvidos.
O Dia da Sobrecarga da Terra levou menos de 50 anos para passar de 29 de dezembro a 29 de julho – uma antecipação de cinco meses. Imaginar a mesma trajetória para os próximos 50 anos é impensável.
Em 2002, os autores do livro Os Limites do Crescimento se reuniram para atualizar a publicação, 30 anos depois do lançamento.
Com três décadas de dados a mais – e uma capacidade de processamento mais avançada –, as projeções se mostraram muito mais pessimistas do que em 1972:
"A humanidade desperdiçou a oportunidade de corrigir nosso curso atual nos últimos 30 anos", concluíram os autores.
E o ano previsto para a escassez total de recursos naturais no planeta foi revisado – não é mais 2072. E, sim, 2030.
Sem dúvida, estamos vivendo de maneira insustentável – seja quando nos deslocamos, ganhamos ou gastamos dinheiro.
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Há uma nova teoria, no entanto, que sugere que é possível reverter esse cenário: devemos trabalhar menos, desacelerando assim a economia global e diminuindo nosso apetite aparentemente insaciável por consumo.
Mas será que isso é viável – e realmente salvaria o mundo?
Nada pode crescer indefinidamente
Mudar nossos hábitos de trabalho em escala global é uma tarefa monumental. O americano médio trabalha 44 horas por semana e tem apenas 10 dias de férias. Na China, uma jornada de 72 horas, 6 dias por semana é comum. E, no Japão, se trabalham tantas horas por dia que existe até uma palavra para "morte por excesso de trabalho": karōshi.
No entanto, uma análise da Universidade Amherst de Massachusetts, nos EUA, argumenta que “trabalhar menos é bom para o meio ambiente”. O estudo afirma que se passássemos 10% menos tempo trabalhando, nossa pegada de carbono seria reduzida em 14,6% – em grande parte devido à diminuição dos deslocamentos diários e do consumo de alimentos processados nos intervalos.
Um dia inteiro de folga por semana reduziria, portanto, nossa pegada de carbono em quase 30%.
Costumamos culpar a indústria e grandes empresas pelas mudanças climáticas. Mas a maneira como vivemos, trabalhamos e consumimos é, na verdade, a principal fonte de emissões.
Um estudo multinacional conduzido pela Universidade Norueguesa de Ciência e Tecnologia mostrou que os produtos que compramos são responsáveis por mais de 60% das emissões de gases de efeito estufa – e até 80% do uso da água no mundo.
Mas o aumento do consumo é a base da economia. Segundo o livro Prosperidade sem Crescimento, de autoria de Tim Jackson, professor da Universidade de Surrey, no Reino Unido, a economia global cresceu em média 3,65% por ano desde 1950.
Em outras palavras, se nada mudar, a economia global será 200 vezes maior em 2100 do que em 1950. E esse crescimento pode ser 326 vezes maior se os países em desenvolvimento continuarem a se desenvolver.
“A ideia de uma economia de não crescimento pode ser um anátema para um economista”, escreve Jackson.
“Mas a ideia de uma economia continuamente crescente o é para um ecologista. Nenhum subsistema pode crescer indefinidamente, em termos físicos.”
No entanto, há duas correntes de pensamento divergentes sobre como salvar o mundo trabalhando menos.
Há os defensores do “crescimento sustentável”, que acreditam que nossos salários podem permanecer os mesmos, e as economias podem continuar a crescer a partir de reduções modestas nas horas de trabalho, avanços tecnológicos e eficiência energética.
E há o movimento de "decrescimento" (degrowth), que defende que só cortando salários e dias úteis que as economias serão capazes de alcançar emissões zero de carbono até 2050.
O crescimento sustentável
A ideia de semanas de trabalho mais curtas aliadas ao crescimento sustentável está começando a ganhar força. No ano passado, quase 1 milhão de metalúrgicos na Alemanha ganharam o direito a trabalhar 28 horas por semana (a jornada deles antes era de 35 horas semanais), enquanto o Partido Trabalhista do Reino Unido (o segundo maior partido no Parlamento) flerta com a ideia de uma jornada de trabalho de quatro dias por semana.
Will Stronge, cofundador e diretor da Autonomy, centro de estudos voltado para o futuro do trabalho, defende o crescimento sustentável. Ele cita o exemplo recente de funcionários dos correios do Reino Unido que pleitearam com sucesso por uma redução na jornada de trabalho de 39 horas para 35 horas semanais, mantendo o mesmo salário.
"Em muitas empresas, se você disser que vai reduzir o salário (...) mas compensar com um dia extra de folga, a maioria dos funcionários não terá condições de aceitar."
Do ponto de vista ambiental, ele diz que "o consumo de eletricidade [nacionalmente] diminui bastante nos fins de semana e feriados", sugerindo que há ganhos de eficiência energética ao se trabalhar menos.
Outra defensora do crescimento sustentável, Alice Martin, chefe de trabalho e remuneração da New Economics Foundation, acredita que "se você diminuir a carga horária de trabalho mantendo o salário, as evidências sugerem que isso tem efeitos positivos na redução das emissões de carbono".
Segundo ela, diminuir em 20% as horas trabalhadas, se traduz em uma redução semelhante nas emissões de carbono – devido a mudanças de comportamento, como menos deslocamentos diários, comer comida caseira em vez de alimentos processados e passar mais tempo localmente, até se envolvendo em trabalhos voluntários.
"Ter mais tempo na vida para fazer as coisas que você realmente gosta pode resultar em uma mudança de estilo de vida, fazendo com que você, na verdade, pare de consumir tantos produtos com alto teor de carbono", diz ela.
No entanto, o inverso também pode ser verdadeiro. Ao trabalhar quatro dias na semana e receber salário integral, será que não existe o risco de que, em vez de ficar em casa cozinhando alimentos orgânicos no dia de folga, o nosso consumo pode, na verdade, aumentar? Em outras palavras, fazer mais compras, sair para comer fora, aproveitar para fazer viagens de bate-volta...
O decrescimento
Os defensores do decrescimento acreditam que sim. Eles argumentam que a única maneira de reduzir o consumo é ter menos dinheiro: uma semana de quatro dias úteis, mas com remuneração proporcional aos dias trabalhados.
O decrescimento é considerado um conceito econômico radical, até mesmo uma heresia. O Produto Interno Bruto (PIB) impera desde a década de 1930 como nosso meio de medir o sucesso econômico. No entanto, em um planeta com recursos finitos, o crescimento ilimitado sempre foi uma espécie de erro no código.
Em 1972, um relatório de simulações computacionais do crescimento econômico e populacional exponencial, encomendado pela organização não-governamental Clube de Roma, mostrou que os recursos naturais do planeta estariam esgotados até 2072.
O estudo, que virou o best-seller internacional Os Limites do Crescimento, afirmava que isso provocaria o "declínio repentino e incontrolável da população e da capacidade industrial".
No entanto, a política dominante manteve seu curso. O consumo combinado dos países-membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) aumentou quase 50% entre 1990 e 2008 – e, vejam só, cada aumento de 10% no PIB significou um aumento de 6% na pegada de carbono.
O movimento moderno de decrescimento – que renasceu na Europa, após a primeira Conferência Internacional de Decrescimento em Paris, em 2008 – argumenta, portanto, que devemos começar a retrair a economia de maneira controlada, iniciando com uma redução acentuada da carga horária de trabalho.
Não significa, no entanto, sinônimo de "recessão" e desemprego. O principal economista do decrescimento, Serge Latouche, explica: "O decrescimento não significa decadência ou sofrimento… Em vez disso, o decrescimento pode ser comparado a uma dieta saudável realizada voluntariamente".
Isso resulta, diz ele, em "uma sociedade autossuficiente e materialmente responsável". Mas ainda assim é uma dieta. Não podemos comer nosso “bolo” de crescimento sustentável.
Defensora do decrescimento, Milena Buchs, professora de sustentabilidade, economia e transição para economia de baixo carbono na Universidade de Leeds, no Reino Unido, explica que se o “consumo de lazer” aumenta devido a uma jornada de trabalho mais curta, é exatamente por isso que a redução da carga horária de trabalho também exige uma redução na renda”.
Um artigo da revista científica Global Environmental Change também questiona se um número maior de pessoas trabalhando menos horas poderia resultar em um aumento geral no volume de tráfego:
"Se as jornadas mais curtas aumentarem a produtividade e os salários... o consumo e as emissões poderão aumentar", acrescenta.
Como a renda básica universal poderia ajudar
Os profissionais mais bem remunerados, e não o trabalhador médio, são os que causam a maior parte das emissões. Segundo a Oxfam, os 10% mais ricos do mundo produzem metade de todas as emissões globais de carbono, enquanto a metade mais pobre da população é responsável por apenas 10% das emissões.
Neste contexto, Buchs argumenta que qualquer cenário de decrescimento exigiria um meio de redistribuir a riqueza "dos ricos para os pobres". E a principal proposta para isso é de uma renda básica universal.
Em vez criar uma complexa rede de assistência social, o poder público simplesmente paga a todos os cidadãos uma mesma quantia fixa – que pode chegar a US$ 12 mil por ano.
A renda básica universal é frequentemente associada à ideia do “jobpocalypse” (apocalipse no mercado de trabalho): se os robôs assumirem nossos empregos, como vamos conseguir dinheiro para sobreviver? Mas é igualmente fundamental para o decrescimento: se todo mundo trabalhar menos e consumir menos, como vamos proteger aqueles que já recebem salários baixos?
“Assim como a redução da jornada de trabalho, a renda básica universal é uma das principais propostas para o decrescimento”, diz Buchs.
"A ideia é dizer que sim, todos devem ter algum tipo de renda mínima para que suas necessidades básicas sejam atendidas."
Outra maneira, acrescenta Buchs, pode ser por meio do acesso aos Serviços Básicos Universais: sem pagamento de salário, mas fornecendo serviços públicos gratuitos – de assistência médica a educação universitária.
Problema interno bruto
Tanto os defensores do crescimento sustentável quanto do decrescimento concordam que o PIB não é mais uma medida adequada do desempenho econômico, e que tentar aumentá-lo eternamente tem um efeito negativo no planeta.
Como observa a economista Kate Raworth, da Universidade de Oxford, no Reino Unido, o PIB ignora completamente a "economia dos cuidados não remunerados" e serviços ecológicos, como ar limpo e água potável.
"Qualquer empresa que apresentasse apenas seu relatório de perdas e ganhos seria ridicularizada na bolsa de valores".
Nina Treu, líder do movimento de decrescimento na Alemanha ("Postwachstum"), também argumenta que um sistema dependente do PIB "precisa sempre produzir mais para se manter estável”.
“Esses produtos precisam ser consumidos, o que leva ao consumo excessivo. E isso esgota os recursos naturais disponíveis, levando à mudança climática, o que prejudica nossa própria fonte de vida”, acrescenta.
Até o político americano Robert F. Kennedy declarou uma vez na década de 1960: "O PIB mede tudo, exceto o que faz a vida valer a pena.”
Há, no entanto, indicadores alternativos ao PIB, como o Índice de Desenvolvimento Humano Ajustado à Desigualdade (IDHAD), que inclui outros indicadores como expectativa de vida, educação e renda.
Se todos trabalharmos quatro dias por semana, há boas razões para supor que indicadores de expectativa de vida, desigualdade e a escolaridade poderiam melhorar.
Uma pesquisa recente da Henley Business School, no Reino Unido, realizada com empresas que adotaram uma jornada de trabalho de quatro dias por semana mostrou que mais de três quartos dos funcionários estavam mais felizes (78%), menos estressados (70%) e tiravam menos dias de folga (62%).
‘Parte do futuro da humanidade?’
No entanto, dizem os defensores do decrescimento, para que isso também beneficie de fato o meio ambiente, precisamos ganhar menos, consumir menos, levar uma vida mais simples. Pergunto a Buchs se essa poderia ser uma plataforma de governo na qual as pessoas votariam.
"Esse é exatamente o problema", avalia.
"Precisamos do decrescimento, mas não é politicamente viável no momento. Para ser bem sincera, não tenho uma boa resposta [sobre como podemos mudar isso]. "
Talvez não tenhamos escolha.
“No final, independentemente de se os líderes mundiais vão aceitar ou não, as limitações naturais da Terra – evidenciadas pela crescente população (...) que se esforça para viver como consumista – vão derrubar o mito do crescimento econômico contínuo, provavelmente devido a mudanças drásticas nos sistemas do planeta. Portanto, o decrescimento faz parte do futuro da humanidade”, argumenta Erik Assadourian em artigo sobre o caminho do decrescimento em países superdesenvolvidos.
O Dia da Sobrecarga da Terra levou menos de 50 anos para passar de 29 de dezembro a 29 de julho – uma antecipação de cinco meses. Imaginar a mesma trajetória para os próximos 50 anos é impensável.
Em 2002, os autores do livro Os Limites do Crescimento se reuniram para atualizar a publicação, 30 anos depois do lançamento.
Com três décadas de dados a mais – e uma capacidade de processamento mais avançada –, as projeções se mostraram muito mais pessimistas do que em 1972:
"A humanidade desperdiçou a oportunidade de corrigir nosso curso atual nos últimos 30 anos", concluíram os autores.
E o ano previsto para a escassez total de recursos naturais no planeta foi revisado – não é mais 2072. E, sim, 2030.
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