Ampliação do auxílio criado durante epidemia do
coronavírus pode ajudar a combater pobreza no Brasil, movimentar a
economia e elevar a arrecadação de impostos, o que reduziria parte de
seus custos.
Cerca de 59 milhões de brasileiros estão recebendo a renda básica
emergencial, criada para minimizar os efeitos econômicos da pandemia da
covid-19. O benefício, programado para acabar em junho, se mostrou
eficaz para evitar uma tragédia social ainda maior no país e instalou um
debate sobre mantê-lo por mais tempo ou mesmo torná-lo permanente.
O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse considerar manter o benefício por mais dois meses, a R$ 200 por mês. O Congresso também analisa propostas para prorrogar a renda básica por mais tempo. E pesquisadores de diversas universidades estão fazendo as contas e propondo cenários para alongar o benefício ou fazer dele um programa sem prazo para acabar.
O auxílio emergencial paga R$ 600 por adulto que não esteja empregado, não receba seguro-desemprego ou aposentadoria e tenha renda familiar de até 3 salários mínimos. Em lares nos quais a mãe sustenta a casa sozinha, o auxílio é de R$ 1,2 mil. Nesse formato, o benefício custa cerca de R$ 150 bilhões por trimestre. Mantido por um ano, teria um custo anual de R$ 600 bilhões, próximo ao que o governo federal gasta com a Previdência Social.
No Bolsa Família, que hoje atende cerca de 13 milhões de famílias pobres ou extremamente pobres, o auxílio médio é de cerca de R$ 200 por família, e o custo total é de R$ 30 bilhões por ano.
Devido ao custo do auxílio emergencial, transformá-lo em um programa permanente, com as mesmas regras em vigor, enfrentaria sérias restrições fiscais. As alternativas em análise se aproximam da criação de um novo programa de transferência de renda, com valor superior ao do Bolsa Família, mas inferior ao da renda básica emergencial, e com critérios mais restritos, com o objetivo de reduzir a pobreza no país.
A extensão do auxílio emergencial
Um dos pesquisadores que vêm analisando os efeitos da renda básica emergencial e pensando em formas de estendê-la é o economista Naercio Menezes Filho, do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper. Ele defende que o programa siga em vigor pelo menos até o fim dos efeitos econômicos da pandemia, mas que idealmente deveria se tornar permanente.
Para torná-lo viável a longo prazo, Menezes Filho propõe que o benefício seja reduzido a R$ 600 por família e restrito aos núcleos familiares nos quais não haja nenhum trabalhador com carteira assinada, nenhum aposentado ou nenhum funcionário público.
O programa seria acompanhado de uma modernização na forma como o governo mantém o cadastro das famílias. Hoje, a principal listagem usada para programas sociais é o Cadastro Único, realizado por meio do Sistema Único de Assistência Social , que acabou sendo parcialmente sobreposto pelo cadastro feito pela Caixa para o auxílio emergencial.
Para o pesquisador do Insper, o governo deveria desenvolver um cadastro no qual as famílias possam atualizá-lo de forma remota, pela internet, sem a necessidade de ir até um Centro de Referência de Assistência Social (Cras), conjugado a um mecanismo de fiscalização. "Precisamos usar mais as novas tecnologias para isso, e o cadastro teria que ser atualizado frequentemente. Assim que uma família entrasse na pobreza, ela automaticamente estaria incluída no programa", diz. Seria um Bolsa Família aprimorado, com um valor maior e cadastro eletrônico, resume.
Outra pesquisadora que tem se debruçado sobre o tema é a professora de economia Debora Freire, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela e seus colegas estimaram o efeito que o auxílio emergencial terá na arrecadação do governo, já que a renda transferida para as famílias acaba sendo utilizada na compra de bens e serviços, movimenta a economia e gera arrecadação de impostos.
O Cedeplar calculou que a renda básica emergencial por três meses tem um impacto de 0,45% no PIB no trimestre em que for aplicado, em relação ao cenário base. Isso significa que, em um cenário de retração do PIB de 1% no trimestre, com o auxílio emergencial a retração seria de 0,55%.
Segundo o estudo, a arrecadação tributária extra em três meses, proporcionada pelo auxílio, cobre 24% do custo do programa no período. Se o auxílio emergencial fosse estendido até o fim do ano, com as mesmas regras, como defende Freire, a arrecadação tributária extra cobriria 45% do custo do programa no período. "A extensão do benefício melhora e expectativa das empresas e dá mais tempo de elas se ajustarem a essa perspectiva de demanda", diz.
Para este ano, a professora da UFMG afirma que o custo de manter o auxílio emergencial até dezembro deveria ser bancado pelo Orçamento de Guerra, que prevê gastos extraordinários para lidar com a pandemia. A partir de 2021, ela defende que o programa se torne permanente, mas com um valor menor e mais focalizado nos mais pobres, e financiado por alterações no sistema tributário.
Uma proposta mais radical
Outra ideia apresentada nesta semana que aproveita o debate sobre o auxílio emergencial para criar um novo programa de transferência de renda vem do economista Daniel Duque, pesquisador da FGV-IBRE.
Ele propõe a extinção de quatro programas federais hoje em vigor — Bolsa Família, do Benefício de Prestação Continuada, o Abono Salarial e o Seguro Defeso — e a substituição por uma renda básica da cidadania.
O novo benefício seria pago a todos que recebem menos de um salário mínimo mensal, não importa se como trabalhador registrado, como micro-empreendedor individual, como funcionário público ou aposentado. O montante seria variável com a idade. Em valores de 2018, os que tiverem até 18 anos ou pelo menos 65 anos receberiam R$ 421 por mês. Os demais, R$ 142. Para os jovens de 18 a 23 anos, haveria uma redução gradual do benefício, do maior patamar para o menor.
Segundo a simulação de Duque, com esse programa seria possível zerar a pobreza extrema no Brasil –hoje há 13,8 milhões de pessoas nessa situação – e reduzir o percentual de pobres dos atuais 24,5% para 8,7% da população. Também haveria uma melhora na distribuição de renda, o que melhoraria o índice de Gini dos atuais 0,55 para 0,48.
Já descontada a economia com a extinção dos quatro programas sociais existentes e a estimativa de alta na arrecadação de tributos provocada pelo uso da renda pelas famílias beneficiadas, ele calcula que seriam necessários R$ 270 bilhões extras para financiar a renda básica de cidadania.
Como financiar uma renda básica de forma permanente
Uma questão paralela à discussão sobre que tipo de transferência de renda o Brasil deve manter para reduzir a pobreza é como financiar esse programa. Em todos os cenários, surge a necessidade de uma reforma tributária .
Freire afirma que o sistema tributário brasileiro é altamente ineficiente e altamente injusto, e que os dois problemas precisariam ser resolvidos simultaneamente. Para tornar o sistema mais justo, ela defende ampliar a tributação sobre renda e patrimônio, acabando com a isenção do imposto de renda (IR) sobre a distribuição de lucros e dividendos e aumentando a tributação sobre heranças. Além disso, ela propõe criar uma alíquota maior do IR para o 1% mais rico da população, para tirar dos ombros da classe média o financiamento dos programas de combate à pobreza.
"Quem sustenta o Imposto de Renda é hoje a classe média, com uma alíquota de 12,5%, enquanto no topo, no 1% dos contribuintes, a alíquota é de cerca de 6%. Seria injusto usar o IR para custear um programa desse tipo, pois quem arcaria com o custo seriam principalmente as classes médias. Seria o mesmo processo que aconteceu ao longo dos anos 2000, e observamos que isso gera instabilidade política e insatisfação sobre o custeio do programa", afirma Freire.
Menezes Filho também defende a necessidade de elevar a carga tributária dos mais ricos para financiar sua proposta, ainda em elaboração, de um novo programa de transferência de renda que tenha valor superior ao do Bolsa Família.
Além da tributação sobre lucros e dividendos e uma alíquota nova de 35% de imposto de renda para os mais ricos, ele menciona tributar juros sobre capital próprio e estabelecer que indivíduos que recebem por micro e pequena empresas sejam tributados conforme a tabela do imposto de renda.
A necessidade de fazer uma reforma tributária também aparece na proposta de Duque. Ele menciona como fontes extras, além de novas alíquotas de imposto de renda e imposto sobre grandes fortunas, o fim das deduções de educação e saúde do IR, o fim da isenção de impostos da cesta básica e o fim de diversos subsídios tributários hoje concedidos à iniciativa privada.
É hora de discutir renda básica universal?
Aproveitando esse contexto, o senador José Serra (PSDB-SP) apresentou neste mês de maio um projeto de lei para criar uma renda básica universal, que seria paga a todos os brasileiros, inspirado em proposta do ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP).
Criar um benefício mensal independente da renda, porém, é ainda mais controverso do que estabelecer uma renda mínima aos mais pobres. Para Menezes Filho, não faria sentido o país "dar dinheiro para quem não precisa". Ele prefere focalizar o programa na base da pirâmide para tirar famlias da pobreza.
Freire, da UFMG, considera a renda básica universal uma discussão relevante, tendo em vista as mudanças no mercado de trabalho, mas diz que o país tem outra prioridade no momento. "Para os próximos anos, no Brasil é mais viável pensar numa renda básica com alguma focalização [nos mais pobres]", afirma.
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O ministro da Economia, Paulo Guedes, disse considerar manter o benefício por mais dois meses, a R$ 200 por mês. O Congresso também analisa propostas para prorrogar a renda básica por mais tempo. E pesquisadores de diversas universidades estão fazendo as contas e propondo cenários para alongar o benefício ou fazer dele um programa sem prazo para acabar.
O auxílio emergencial paga R$ 600 por adulto que não esteja empregado, não receba seguro-desemprego ou aposentadoria e tenha renda familiar de até 3 salários mínimos. Em lares nos quais a mãe sustenta a casa sozinha, o auxílio é de R$ 1,2 mil. Nesse formato, o benefício custa cerca de R$ 150 bilhões por trimestre. Mantido por um ano, teria um custo anual de R$ 600 bilhões, próximo ao que o governo federal gasta com a Previdência Social.
No Bolsa Família, que hoje atende cerca de 13 milhões de famílias pobres ou extremamente pobres, o auxílio médio é de cerca de R$ 200 por família, e o custo total é de R$ 30 bilhões por ano.
Devido ao custo do auxílio emergencial, transformá-lo em um programa permanente, com as mesmas regras em vigor, enfrentaria sérias restrições fiscais. As alternativas em análise se aproximam da criação de um novo programa de transferência de renda, com valor superior ao do Bolsa Família, mas inferior ao da renda básica emergencial, e com critérios mais restritos, com o objetivo de reduzir a pobreza no país.
A extensão do auxílio emergencial
Um dos pesquisadores que vêm analisando os efeitos da renda básica emergencial e pensando em formas de estendê-la é o economista Naercio Menezes Filho, do Centro de Gestão e Políticas Públicas do Insper. Ele defende que o programa siga em vigor pelo menos até o fim dos efeitos econômicos da pandemia, mas que idealmente deveria se tornar permanente.
Para torná-lo viável a longo prazo, Menezes Filho propõe que o benefício seja reduzido a R$ 600 por família e restrito aos núcleos familiares nos quais não haja nenhum trabalhador com carteira assinada, nenhum aposentado ou nenhum funcionário público.
O programa seria acompanhado de uma modernização na forma como o governo mantém o cadastro das famílias. Hoje, a principal listagem usada para programas sociais é o Cadastro Único, realizado por meio do Sistema Único de Assistência Social , que acabou sendo parcialmente sobreposto pelo cadastro feito pela Caixa para o auxílio emergencial.
Para o pesquisador do Insper, o governo deveria desenvolver um cadastro no qual as famílias possam atualizá-lo de forma remota, pela internet, sem a necessidade de ir até um Centro de Referência de Assistência Social (Cras), conjugado a um mecanismo de fiscalização. "Precisamos usar mais as novas tecnologias para isso, e o cadastro teria que ser atualizado frequentemente. Assim que uma família entrasse na pobreza, ela automaticamente estaria incluída no programa", diz. Seria um Bolsa Família aprimorado, com um valor maior e cadastro eletrônico, resume.
Outra pesquisadora que tem se debruçado sobre o tema é a professora de economia Debora Freire, do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Ela e seus colegas estimaram o efeito que o auxílio emergencial terá na arrecadação do governo, já que a renda transferida para as famílias acaba sendo utilizada na compra de bens e serviços, movimenta a economia e gera arrecadação de impostos.
O Cedeplar calculou que a renda básica emergencial por três meses tem um impacto de 0,45% no PIB no trimestre em que for aplicado, em relação ao cenário base. Isso significa que, em um cenário de retração do PIB de 1% no trimestre, com o auxílio emergencial a retração seria de 0,55%.
Segundo o estudo, a arrecadação tributária extra em três meses, proporcionada pelo auxílio, cobre 24% do custo do programa no período. Se o auxílio emergencial fosse estendido até o fim do ano, com as mesmas regras, como defende Freire, a arrecadação tributária extra cobriria 45% do custo do programa no período. "A extensão do benefício melhora e expectativa das empresas e dá mais tempo de elas se ajustarem a essa perspectiva de demanda", diz.
Para este ano, a professora da UFMG afirma que o custo de manter o auxílio emergencial até dezembro deveria ser bancado pelo Orçamento de Guerra, que prevê gastos extraordinários para lidar com a pandemia. A partir de 2021, ela defende que o programa se torne permanente, mas com um valor menor e mais focalizado nos mais pobres, e financiado por alterações no sistema tributário.
Uma proposta mais radical
Outra ideia apresentada nesta semana que aproveita o debate sobre o auxílio emergencial para criar um novo programa de transferência de renda vem do economista Daniel Duque, pesquisador da FGV-IBRE.
Ele propõe a extinção de quatro programas federais hoje em vigor — Bolsa Família, do Benefício de Prestação Continuada, o Abono Salarial e o Seguro Defeso — e a substituição por uma renda básica da cidadania.
O novo benefício seria pago a todos que recebem menos de um salário mínimo mensal, não importa se como trabalhador registrado, como micro-empreendedor individual, como funcionário público ou aposentado. O montante seria variável com a idade. Em valores de 2018, os que tiverem até 18 anos ou pelo menos 65 anos receberiam R$ 421 por mês. Os demais, R$ 142. Para os jovens de 18 a 23 anos, haveria uma redução gradual do benefício, do maior patamar para o menor.
Segundo a simulação de Duque, com esse programa seria possível zerar a pobreza extrema no Brasil –hoje há 13,8 milhões de pessoas nessa situação – e reduzir o percentual de pobres dos atuais 24,5% para 8,7% da população. Também haveria uma melhora na distribuição de renda, o que melhoraria o índice de Gini dos atuais 0,55 para 0,48.
Já descontada a economia com a extinção dos quatro programas sociais existentes e a estimativa de alta na arrecadação de tributos provocada pelo uso da renda pelas famílias beneficiadas, ele calcula que seriam necessários R$ 270 bilhões extras para financiar a renda básica de cidadania.
Como financiar uma renda básica de forma permanente
Uma questão paralela à discussão sobre que tipo de transferência de renda o Brasil deve manter para reduzir a pobreza é como financiar esse programa. Em todos os cenários, surge a necessidade de uma reforma tributária .
Freire afirma que o sistema tributário brasileiro é altamente ineficiente e altamente injusto, e que os dois problemas precisariam ser resolvidos simultaneamente. Para tornar o sistema mais justo, ela defende ampliar a tributação sobre renda e patrimônio, acabando com a isenção do imposto de renda (IR) sobre a distribuição de lucros e dividendos e aumentando a tributação sobre heranças. Além disso, ela propõe criar uma alíquota maior do IR para o 1% mais rico da população, para tirar dos ombros da classe média o financiamento dos programas de combate à pobreza.
"Quem sustenta o Imposto de Renda é hoje a classe média, com uma alíquota de 12,5%, enquanto no topo, no 1% dos contribuintes, a alíquota é de cerca de 6%. Seria injusto usar o IR para custear um programa desse tipo, pois quem arcaria com o custo seriam principalmente as classes médias. Seria o mesmo processo que aconteceu ao longo dos anos 2000, e observamos que isso gera instabilidade política e insatisfação sobre o custeio do programa", afirma Freire.
Menezes Filho também defende a necessidade de elevar a carga tributária dos mais ricos para financiar sua proposta, ainda em elaboração, de um novo programa de transferência de renda que tenha valor superior ao do Bolsa Família.
Além da tributação sobre lucros e dividendos e uma alíquota nova de 35% de imposto de renda para os mais ricos, ele menciona tributar juros sobre capital próprio e estabelecer que indivíduos que recebem por micro e pequena empresas sejam tributados conforme a tabela do imposto de renda.
A necessidade de fazer uma reforma tributária também aparece na proposta de Duque. Ele menciona como fontes extras, além de novas alíquotas de imposto de renda e imposto sobre grandes fortunas, o fim das deduções de educação e saúde do IR, o fim da isenção de impostos da cesta básica e o fim de diversos subsídios tributários hoje concedidos à iniciativa privada.
É hora de discutir renda básica universal?
Aproveitando esse contexto, o senador José Serra (PSDB-SP) apresentou neste mês de maio um projeto de lei para criar uma renda básica universal, que seria paga a todos os brasileiros, inspirado em proposta do ex-senador Eduardo Suplicy (PT-SP).
Criar um benefício mensal independente da renda, porém, é ainda mais controverso do que estabelecer uma renda mínima aos mais pobres. Para Menezes Filho, não faria sentido o país "dar dinheiro para quem não precisa". Ele prefere focalizar o programa na base da pirâmide para tirar famlias da pobreza.
Freire, da UFMG, considera a renda básica universal uma discussão relevante, tendo em vista as mudanças no mercado de trabalho, mas diz que o país tem outra prioridade no momento. "Para os próximos anos, no Brasil é mais viável pensar numa renda básica com alguma focalização [nos mais pobres]", afirma.
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