Maior parte das pessoas diagnosticadas com a covid-19 apresenta sintomas leves, mas há casos com necessidade de internação na UTI
Márcia De Chiara, O Estado de S.Paulo
07 de abril de 2020
De uma forma ou de outra, todo mundo vai ter contato com o esse inimigo invisível e oculto, o novo coronavírus.
Ele se espalhou pelos quatro cantos do planeta e provocou uma pandemia.
Para muita gente, ele poderá passar rápido, provocando sintomas leves,
situação que pode ser resolvida com tratamento caseiro. Mas, para cerca
de 20% da população, a doença é motivo de internação hospitalar e até de
uso de respiradores, hoje o equipamento mais escasso e que pode ser o
fiel da balança da sobrevivência.
O Estado conversou
com pessoas que foram diagnosticadas com o novo vírus e estão curadas
ou em fase final do tratamento para a covid-19. Entre os entrevistados
estão aqueles que ficaram na Unidade de Terapia Intensiva (UTI), como o
jurista Ives Gandra Martins, de 85 anos, que, pela idade, pertence ao
grupo de risco da covid-19.
Também
fazem parte do grupo de risco para o novo coronavírus pessoas com
comorbidades, como complicações cardíacas, doenças pulmonares e renais. O
vírus, no entanto, atinge a todos: pegou em cheio o prefeito de São
Bernardo do Campo, no ABC paulista, Orlando Morando (PSDB), de 45 anos,
com a saúde em dia. “Senti uma falta de ar asfixiante”, disse Morando ao
Estado.
No grupo dos que fizeram tratamento em
casa e não precisaram de internação estão a jornalista Monique Arruda,
de 34 anos, e a técnica de enfermagem, Natália Leite, de 35 anos. Também
se recuperou em casa o médico infectologista David Uip, que lidera o
comitê de combate à doença em São Paulo. Uip participou na segunda-feira de uma entrevista coletiva no Palácio dos Bandeirantes sobre o avanço da covid-19 no Estado, após ficar vários dias afastado, em isolamento domiciliar, durante o tratamento para a doença.
Seja
em casa ou no leito de uma UTI, o medo de morrer foi o traço comum dos
depoimentos desses brasileiros que agora – ao que tudo indica – já estão
imunizados contra o novo coronavírus. Para eles, a lição que ficou é de
que a vida é muito frágil e a saída para superar esse momento é ouvir a
ciência e ser solidário. Veja abaixo os depoimentos:
"Senti uma falta de ar asfixiante"
Depois
de uma semana na UTI, Orlando Morando, prefeito de São Bernardo do
Campo (PSDB), no ABC paulista, disse que achou que morreria por causa da
covid-19. O pior momento foi na semana passada. “Senti uma falta de ar
asfixiante, foi a pior sensação que tive na vida.”
A situação só
começou a reverter quando os médicos começaram a dar cloroquina. “O
oxigênio não surtia efeito”, lembra o político de 45 anos, que tem boa
saúde e não faz parte de grupo de risco.
A lição que fica,
segundo ele, é que é preciso valorizar a vida. “Esse é o maior bem que a
gente tem. Quando se está à beira do precipício não adianta mais.”
Outra
lição tirada dessa experiência é a necessidade de as pessoas serem mais
humanas. Morando disse que tem acompanhado as discussões recentes e
que, na sua opinião, elas são totalmente “ilógicas”. “O que adianta
discutir a economia para quem não tem mais saúde?”.
“A ciência
está mostrando que o isolamento é a chance que temos para proteger as
pessoas”, frisou. Depois do que ele passou, Morando disse que gostaria
de ver se alguém consegue ficar alguns segundos sem respirar tentando
contar dinheiro,
"Dói os pulmões, achei que eu fosse morrer"
No
dia 25 de março, a técnica de enfermagem Natália Leite, de 35 anos,
começou a ter sintomas de uma gripe normal: tosse, espirros e nariz
escorrendo. Foi a uma UPA e o médico a diagnosticou com gripe, H1N1.
Natália, que trabalha em um hospital público, foi afastada do serviço e
começou o tratamento em casa.
Com o passar dos
dias, o quadro piorou: veio a febre alta, que chegava 40 graus, perda de
paladar, olfato e dor nos pulmões, como se tivessem sendo esmagados.
Ela voltou ao médico, fez o teste e confirmou que estava com covid-19.
“O sintoma é de uma gripona: quando tosse, dói os pulmões, achei que
fosse morrer”, contou.
No começo, ela não acreditou que estivesse
com a doença, pois tomava todos os cuidados de higiene e no hospital
onde trabalha cuida de uma ala isolada, onde estão pacientes sem relação
com a pandemia.
Depois do diagnóstico, o médico recomendou que
continuasse o tratamento em casa e só fosse ao hospital se tivesse falta
de ar. Natália mandou o filho menor, de 4 anos, para a casa do pai, e
ficou na companhia do filho maior, de 14. “No dia 9 vou refazer o teste
para ver se o vírus foi embora.”
"Minha guerra não começou com o coronavírus"
No
dia 27 de fevereiro, o jurista Ives Gandra Martins foi submetido a uma
cirurgia simples de esôfago. Na recuperação teve uma isquemia, depois
uma septicemia. Ficou quatro dias em coma na UTI e, quando estava se
recuperando pegou o novo coronavírus. “A minha guerra não começou com o
coronavírus”, disse o jurista, que agora já está em casa, mas ainda em
recuperação. “Sinto fraqueza e falta de apetite. Mas, fora isso, estou
bem. Estou escrevendo: coronavírus não atingiu o cérebro”, brincou.
Após 38
dias de hospital, ele mantém o raciocínio perspicaz. “Os médicos foram
muito bons, mas acredito mais no médico lá de cima”, disse o jurista,
que é católico, acredita em Deus e no poder das orações.
Aos 85
anos e, portanto, pertencendo ao grupo de risco, Gandra relatou que
nunca tinha vivido um drama pessoal tão grande. Apesar da fase difícil,
ele se considera otimista. Acredita que, do ponto de vista coletivo, a
pandemia do novo coronavírus vai ser um momento de reflexão da
humanidade. “Essa é uma guerra mundial contra um inimigo invisível e,
com solidariedade, será uma grande oportunidade para mudarmos a face da
terra.”
"Fiquei sem olfato por 12 dias"
Há
17 dias trancada em casa, Monique Arruda, de 34 anos, jornalista, não
precisou ir para o hospital para se curar da covid-19. No primeiro dia,
ela contou que teve muita dor de cabeça, cansaço e febre alta. “Fiquei
sem olfato durante 12 dias, era como se não tivesse nariz”, lembrou. Ela
recebeu orientação do médico via aplicativos, o laboratório fez o teste
em casa e o resultado foi positivo. Já o seu filho de 3 anos teve muita
falta de ar, mas o teste deu negativo. Até mesmo no período de
isolamento, o médico a autorizou a amamentar para atenuar os sintomas da
criança. Ela usou máscara e tomou cuidado com a higienização das mãos.
Outra preocupação
de Monique é com a mãe idosa, de 70 anos, que mora na mesma casa. Mas,
segundo ela, a mãe não pegou a doença, apesar de ser fumante e fazer
parte do grupo de risco. “Apesar de os meus sintomas terem sido leves,
foi um pesadelo”, resumiu a jornalista. Ser portadora do vírus soou como
uma sentença de morte para ela. No seu caso, um dos pontos que
ajudaram, na sua opinião, a não virar um caso grave foi seu estilo de
vida saudável. “Alimentação é a base de tudo.”
"Se as pessoas tivessem noção, não sairiam de casa de jeito nenhum"
Depois
de 19 dias internado, dos quais 11 na Unidade de Terapia Intensiva
(UTI) do Hospital Samaritano, em São Paulo, o relações públicas Ireno
Marcio Silva, de 41 anos, está vendo a sua vida voltar ao normal. Ele
saiu do hospital na última sexta-feira (03/04), 12 quilos mais magro e
com uma história de desespero e aflição para contar.
“Se
as pessoas tivessem a noção do que é essa doença, não sairiam de casa
de jeito nenhum”, alertou Silva. Ele começou a sentir os primeiro
sintomas no dia 5 de março: perda de olfato e de paladar. “Achei
estranho”, relatou. Depois veio uma leve dor nas costas, que ela achava
que era por conta do ritmo intenso de trabalho. No terceiro dia, veio
uma febre moderada, intercalada de ondas de frio, lembrando uma gripe,
mas no fundo muito diferente.
Uma semana depois, ele procurou o
médico no Hospital Nove de Julho, que o diagnosticou com uma pneumonia
viral e prescreveu uma medicação para gripe H1N1. Após três dias tomando
o remédio em casa e com os sintomas persistindo, decidiu ir ao outro
hospital e foi internado imediatamente. Fez o teste para coronavírus,
que deu positivo. Com muita falta de ar, três dias depois de internado
foi parar na UTI.
Aí começou o sofrimento maior: ser entubado,
amarrado, todas aquelas coisas de UTI, que são horríveis, relatou o
relações públicas. “Cheguei a pedir para os enfermeiros e médicos que
não fizessem mais nada, que me deixassem morrer.”
Silva não fazia
parte do grupo de risco, não tinha doenças pré-existentes, fazia
ginástica regularmente. Ele lembra que a doença pode vir de forma leve,
mediano. “Mas também pode vir como veio para mim. Só não fui porque Deus
teve misericórdia e a hospital era de primeira.”
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