Relatório da
Human Rights Watch revela que indígenas, pequenos agricultores e defensores
ambientais foram assassinados por conflitos pelo uso da terra na Amazônia.
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O desmatamento na Amazônia deixa não só
um rastro de queimadas e destruição, mas também extração de madeira ilegal,
invasões em terras indígenas e perdas de vidas humanas que tentaram defender
reservas ambientais. Foi o que constatou o novo relatório da organização
não-governamental Human Rights Watch (HRW), divulgado na madrugada desta
terça-feira (17).
O documento intitulado “Máfias do Ipê:
Como a violência e impunidade impulsionam o desmatamento na Amazônia
brasileira” conta com 169 páginas mostrando como acontece o desmatamento ilegal
da Amazônia, os atos de violência contra locais, profissionais do Ibama e
demais defensores da floresta. Segundo a ONG, redes criminosas de extração
ilegal de madeira estão por trás dos casos investigados.
O relatório atesta o fracasso do Estado
brasileiro em investigar e punir os responsáveis. E também critica a
postura do presidente Jair Bolsonaro com a crise ambiental. Segundo o
relatório, o presidente retrocedeu na aplicação das leis de proteção ambiental,
enfraqueceu agências federais responsáveis, além de atacar em diversas ocasiões
as organizações e pessoas que agem em defesa da floresta.
A Human Rights Watch entrevistou cerca
de 170 pessoas, incluindo 60 membros de povos indígenas da região e moradores
dos estados do Maranhão, Pará e Rondônia, além de servidores públicos em
Brasília na região amazônica.
Segundo dados compilados pela HRW, mais
de 300 pessoas foram assassinadas durante a última década por
causa de conflitos pelo uso da terra e recursos naturais da Amazônia. Boa parte
dos crimes teve relação com a extração ilegal da madeira.
Os dados são coletados pela Comissão
Pastoral da Terra (CPT) e utilizados pela Procuradoria-Geral da República, além
de casos documentados pela própria ONG.
As vítimas são, sobretudo, indígenas ou
moradores da região e agentes públicos que denunciaram a exploração ilegal de
madeira.
São ao menos 28 assassinatos, a maioria
a partir de 2015, nos quais há evidências sólidas de que os responsáveis por
esses crimes estavam envolvidos no desmatamento ilegal e mataram pessoas que
ofereciam obstáculos para suas atividades criminosas.
Em 2018, o casal de pequenos agricultores encontrou duas covas com
cruzes de madeira, simuladas em seu quintal ― um recado claro do que poderia
acontecer a eles se continuassem denunciando as redes criminosas.
Entre os casos, há o assassinato da
defensora ambiental Dilma Ferreira Silva e de mais cinco pessoas no estado do
Pará em 2019 a mando, segundo a polícia, de um fazendeiro envolvido com
extração ilegal de madeira. O fazendeiro temia que Dilma denunciasse suas
atividades.
Já outro caso relatado por
entrevistados é o assassinato do líder do povo indígena Suruí Paiter, Naraymi
Suruí. Ele foi atacado por homens armados duas semanas depois de confrontar
madeireiros dentro da Terra Indígena Sete de Setembro, em Rondônia, dois anos
atrás.
Além de povos indígenas e defensores
ambientais, criminosos também intimidam e atacam pequenos agricultores. Há mais
de uma década, Osvalinda Marcelino Alves Pereira e seu marido Daniel Alves
Pereira têm sofrido repetidas ameaças de morte por denunciarem a extração
ilegal de madeira no assentamento Areia, no estado do Pará. Em 2018, eles
encontraram duas covas com cruzes de madeira, simuladas em seu quintal ― um
recado claro do que poderia acontecer a eles se continuassem denunciando as
redes criminosas.
As mortes e ameaças ocorrem porque a
impunidade prevalece nestas regiões. O relatório constatou que dos mais de 300
assassinatos que a Comissão Pastoral da Terra registrou desde 2009, apenas 14
foram levados a julgamento. Além disso, dos 40 casos de ataques ou ameaças,
nenhum foi julgado.
A polícia local, por sua vez,
reconheceu as falhas nas investigações, mas as atribuiu em grande parte ao fato
de que os crimes ocorrem em comunidades ou locais remotos, longe de delegacias.
Porém, a Human Rights Watch investigou
os casos que chegaram à polícia e identificou falhas graves na condução dos
casos. Em alguns deles, investigadores da polícia sequer visitaram a cena do
crime, e em outros casos, não houve autópsia.
As investigações de ameaças de morte
também pouco acontecem, revelou o relatório. Servidores públicos e vítimas
contaram à ONG sobre casos em que as polícias nos estados do Maranhão e do Pará
se recusaram a registrar ocorrências de ameaças.
A falta de investigação, inclusive, faz
vítimas. Pelo menos 19 dos 28 casos de assassinatos documentados pela ONG
mostram que os ataques foram precedidos de ameaças contra as vítimas ou suas
comunidades.
Se as autoridades tivessem realizado investigações minuciosas sobre
esses atos anteriores de intimidação, poderiam ter evitado os assassinatos.
Sem verba, sem fiscalização, Amazônia é uma terra sem lei
Entre 2004 e 2012, segundo o relatório,
o Brasil reduziu o desmatamento na Amazônia em mais de 80% ― quase 28 mil
quilômetros quadrados de floresta destruída por ano caiu para 4.600 no período.
Mas, a partir de 2012, o desmatamento voltou a subir e, em 2018, atingiu 7.500
quilômetros quadrados por ano.
Antes de 2012, o Brasil foi
bem-sucedido no combate ao desmatamento, em parte, por causa do uso de imagens
de satélite em tempo quase real para localizar e fechar sítios de extração
ilegal de madeira. Também foram criadas áreas protegidas e restrições legais de
proteção à Floresta Amazônica.
Mas, vários outros fatores combinados
agora estão revertendo os progressos. Entre eles, segundo o relatório, está o
uso frequente pelos madeireiros de técnicas de remoção de árvores que
dificultam a detecção por satélites. Além disso, agências federais de
fiscalização ambiental brasileiras sofreram cortes no orçamento e redução de
pessoal que culminam com menos fiscais em campo — para as operações de
monitoramento em reservas.
Os ‘Guardiões da floresta’ e as políticas anti-ambientais de Bolsonaro
Dentro desses novos cenários, os povos
indígenas e moradores locais começaram eles mesmos a fiscalizar áreas e alertar
autoridades sobre as atividades ilegais. No estado do Maranhão, por exemplo, a
falta de fiscalização por parte das agências federais fez que quatro
comunidades indígenas criassem os “guardiões da floresta”,
grupo que patrulha seu território e denuncia a exploração ilegal.
Apesar dessas iniciativas terem sido
fundamentais para a continuação da proteção local, os indígenas têm sido ameaçados e atacados por madeireiros. As falhas nas
investigações e o prevalecimento da impunidade também acabam alimentando
represálias, crimes e criam “um clima de medo que reduz a probabilidade de que
mais pessoas, tanto indígenas quanto moradores locais, assumam esse risco”,
enfatizou o relatório.
A HRW também criticou as medidas e
postura do presidente Bolsonaro diante da crise ambiental desde o início de seu
governo.
O relatório argumenta que, para dar fim
ao desmatamento ilegal até 2030 e cumprir seus compromissos no âmbito do Acordo
de Paris, o Brasil precisa de um governo comprometido em defender o Estado de
Direito da Amazônia, o que significa adotar uma posição clara para proteger os
defensores da floresta — incluindo agentes públicos —, defender legislação
ambiental e combater redes criminosas envolvidas na extração de madeira.
“Em vez disso, o Brasil tem um líder
que parece determinado a fazer exatamento o contrário”, pontuou o relatório. “O
presidente Jair Bolsonaro nomeou um ministro de Relações Exteriores que se opõe
aos esforços internacionais para lidar com as mudanças climáticas (...) bem
como um ministro do Meio Ambiente que vê o aquecimento global como um assunto
de importância ‘secundária’”. Acrescentou que o governo também age de forma
agressiva para tornar leis ambientais pouco ou nada fiscalizáveis.
A ONG cita, por exemplo, que o
orçamento discricionário do Ministério do Meio Ambiente foi reduzido em 23% e
eliminou recursos destinados à fiscalização e ao combate a incêndios na
Amazônia. Em fevereiro, pontuou, o governo exonerou 21 dos 27 diretores
regionais do Ibama que eram responsáveis pela aprovação de operações de combate
à extração ilegal de madeireira. Agora, o governo tem adotado políticas que, na
prática, sabotam o trabalho dos agentes que permaneceram.
“Entre essas políticas está o
desmantelamento do departamento que coordenava as principais operações de
combate ao desmatamento. Outra delas é a exigência ― comunicada verbalmente aos
agentes, mas não formalizada por escrito ― de que os agentes mantenham intactos
os veículos e equipamentos utilizados na extração ilegal de madeira encontrados
em locais remotos, ao invés de destruí-los como autoriza a legislação
brasileira”, denuncia a Human Rights Watch.
“Os brasileiros que defendem a Amazônia
enfrentam ameaças e ataques por parte de redes criminosas envolvidas na
extração ilegal de madeira”, contou Daniel Wilkinson, diretor de direitos
humanos e meio ambiente da HRW.
A situação só está piorando com o presidente Bolsonaro, cujo ataque aos
órgãos de proteção do meio ambiente coloca em risco a floresta e as pessoas que
ali vivem.
Nos primeiros oito meses do governo
Bolsonaro, o desmatamento quase dobrou em comparação com o mesmo período de
2018, segundo dados preliminares. Em agosto, queimadas ligadas ao desmatamento
na Amazônia ocorreram em uma escala que não era vista desde 2010.
Tais incêndios, observou a ONG, não
ocorrem naturalmente no ecossistema úmido amazônico, mas são iniciados por
pessoas como parte do processo de desmatamento após removerem as árvores de
maior valor.
Recomendações da HRW
Por fim, a Humans Rights Watch
recomenda uma série de medidas urgentes para o governo adotar e, assim, acabar
com a impunidade nos atos de violência relacionados ao desmatamento ilegal na
Amazônia.
O primeiro deles é um chamado ao
ministro da Justiça, Sérgio Moro, para convocar autoridades federais e
estaduais para elaborar e implementar um plano de ação para tratar dos atos de
violência e intimidação contra defensores da floresta.
Outras sugestões são fazer do combate à
violência na Amazônia uma das principais prioridades do procurador-geral da
República e a criar uma CPI (Comissão Parlamentar de Inquéritos) no Congresso
Nacional para identificar as redes criminosas responsáveis pelo desmatamento
ilegal.
A ONG também sugere que o governo Bolsonaro deveria apoiar e proteger
defensores da floresta, assim como reparar os danos causados aos órgãos
ambientais e “dar um fim aos ataques verbais e às acusações sem fundamento
contra organizações ambientais e outras organizações não-governamentais e
restabelecer a colaboração entre agências de fiscalização e grupos de sociedade
civil que trabalham para proteger os defensores da floresta, os direitos dos
povos indígenas e o meio ambiente.”
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