Diretora-executiva
do CIB afirma que maus produtores são minoria no País, mas critica cortes do
governo em pesquisas.
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A agropecuária brasileira está no olho do furacão
nas últimas semanas devido aos incessantes incêndios na Amazônia. A pecuária e
o cultivo de soja ilegal na região foram apontadas como razões para o aumento
de queimadas nos estados que constituem a Amazônia Legal.
Diante do cenário em que muitos consumidores se
perguntam de onde vem seus alimentos — e qual a influência dessas produções ao
meio ambiente, a bióloga Adriana Brondani, diretora-executiva do Conselho de
Informações sobre Biotecnologia (CIB), ressalta que o agronegócio no Brasil
adota práticas sustentáveis e que os produtores que vivem na ilegalidade, que
desmatam e queimam florestas, “são minoria”.
“O que vemos aí na TV [agricultura ilegal], na
verdade, não é a regra. Vemos por parte do produtor uma preocupação muito
grande para atender os requisitos de produção de forma sustentável”, conta
Brondani, que é doutora em Bioquímica e Biologia Molecular e professora do MBA
em Agronegócio da USP.
Diante das críticas ao agronegócio brasileiro, a
cientista sai em defesa dos agricultores e diz que o Brasil investiu muito em
tecnologias dentro do campo, com as quais é possível produzir mais e utilizar
menos recursos naturais, como terras e água.
Em entrevista ao HuffPost, ela explica os
instrumentos mais utilizados pelos produtores brasileiros, os avanços do setor
para uma agricultura mais sustentável e menos exploratória e os desafios do
setor em um governo que não investe em pesquisa ― que para ela, é peça-chave
para suprir demandas de um futuro próximo, com mudanças climáticas e população
crescente.
Adriana Brondani é diretora-executiva
do Conselho de Informações sobre Biotecnologia, uma ONG e associação civil
sem fins lucrativos.
HuffPost: O Brasil está caminhando para
uma produção sustentável? O que a agricultura brasileira está fazendo para
economizar recursos naturais, como terra e água?
Adriana Brondani: Acho que um caminho que estamos seguindo cada
vez mais é utilizar o máximo de tecnologia dentro do campo. Por exemplo,
utilizamos sementes que têm um máximo de produtividade, e dados já mostram que
há economia de terra. Economizamos no momento em que fomos criando sementes
mais resistentes. Ao incorporar essas ferramentas do campo para ter economia
dos recursos naturais, como terra, vou economizar consequentemente outros
insumos de modo geral. O Brasil teve um aumento de produção de grãos, que chega
a 70%, ao longo destas últimas décadas. No mesmo período, não tivemos aumento
de áreas de produção, seja soja ou milho. Ou seja, é possível, com tecnologia
dentro da semente, ter lavouras mais produtivas e, assim, usar menos áreas.
Existem também sementes que são tolerantes a áreas
degradadas, pouco produtivas. Então, produtos que são alimentos e que conseguem
ser produzidos nesses ambientes inóspitos significam economia de terras.
Outra tendência é o uso de tecnologia para aumentar
produção com alta precisão. Hoje já existem ferramentas que mostram a
quantidade de água para lavoura, sensores monitoram a questão hídrica dessa
planta, se está faltando água ou manifestando doença. Isso se chama agricultura
digital e já é realidade.
O Brasil abraça tecnologias para que possa lidar
com fatores globais, como mudanças climáticas e produzir mais alimentos sem
utilizar mais recursos. Existem diversas empresas privadas, universidades e
centros de pesquisa trabalhando em uma série de ferramentas, que vão da semente
até tecnologia para trabalhar com alta precisão de insumos, sejam naturais ou
artificiais.
Em que passo o Brasil está nestes
avanços tecnológicos? A agricultura brasileira está competitiva em comparação a
outros países?
O Brasil tem alta tecnologia, mas ela precisa
chegar aos pequenos produtores. É necessário desde educação até mais recursos
financeiros para que nossa tecnologia possa ser estendida para toda a cadeia.
Mas grandes produtores já têm mais acesso do que tiveram no passado. Somos um
País que adota tecnologia, até porque agricultura é de extrema importância pra
nossa economia.
Mas é preciso sempre continuar pesquisando, por
isso considero lamentável o corte do governo para pesquisas, porque temos
recursos humanos para desenvolver essas tecnologias e interesse do produtor,
que quer mais produtividade e rentabilidade. Temos excelentes
consumidores.
Mas falta alguma tecnologia? Podemos
melhorar nessa questão?
Sempre dá para melhorar, mas somos muito
competitivos. Tenho visto muitas empresas que trabalham em softwares para o
campo. Temos condições, sim, de fazer agricultura com alta precisão e preservar
o meio ambiente. O que vemos aí na TV [agricultura em áreas ilegais], na
verdade, não é a regra. Vemos por parte do produtor uma preocupação muito
grande para atender os requisitos de produção de forma sustentável.
Os
inseticidas e fungicidas entram para o controle de pragas e doenças, porque
isso precisa ser feito como tratamento de qualquer saúde — da planta, dos
animais ou do homem.
Existem outros modos de produzir que
agridem menos o meio ambiente, como a agroecologia, mas ela ainda representa
muito pouco de tudo que produzimos. Por que não temos mais produtores
utilizando esses meios de cultura sustentáveis? Quais as principais barreiras?
Agroecologia é mais uma forma de produzir, como a
cultura orgânica. A limitação que a gente encontra é desse atendimento de
produção em maior escala. Ela tem condições de atender, em algumas esferas,
pequenas produções, pequenas demandas, mas nossa dificuldade é em âmbito
nacional. Seria interessante se conseguirmos aplicar alguns princípios da
agroecologia em larga escala.
Mas a agroecologia, como a cultura orgânica, são
modos que estão crescendo porque existe mercado e preocupação do consumidor. No
entanto, não se sustenta do ponto de vista do tamanho do Brasil e das condições
ambientais que temos. Você já deve ter ouvido que nosso país é tropical e,
portanto, temos todos os desafios que envolvem uma agricultura tropical.
Existem regiões que a agroecologia consegue atender, mas 100% do território é
muito complicado.
Então seria impossível, na sua opinião,
ter uma produção agrícola sem agrotóxicos?
Não diria só agrotóxicos, mas insumos no geral.
Estamos falando de insumos que são colocados no solo, porque só matéria
orgânica não consegue suprir. Existem solos no Brasil que são muito pobres, e
sabemos que solo pobre não produz alimento. As adversidades são altíssimas para
alguns produtores.
A solução, ao meu ver, é dar condições para esses
produtores usarem ferramentas com alta precisão. Assim, se utiliza menor
quantidade de insumos e tem uma aplicação mais correta.
Quando fala insumos, o que entra
nisso?
Fertilizantes, inseticidas, fungicidas.
Fertilizantes compõem o que o solo acaba exigindo, os inseticidas e fungicidas
entram para o controle de pragas e doenças, porque isso precisa ser feito como
tratamento de qualquer saúde, pode ser da planta, da saúde animal ou humana.
Tudo isso com bastante respeito ao consumidor, ao meio ambiente e ao solo.
Muitos produtores têm bastante consciência e preocupação com o solo, pois ele
precisa perdurar ao longo de várias gerações.
É
possível, com tecnologia dentro da semente, ter lavouras mais produtivas e,
assim, usar menos áreas de produção.
"Existem regiões que a
agroecologia consegue atender, mas 100% é muito complicado", explica
bióloga sobre condições do solo brasileiro.
Quais sistemas de produção que o Brasil
utiliza ou pode utilizar que são sustentáveis?
O Brasil é um dos poucos países que utilizam uma
prática que se chama plantio direto, que não revira a terra entre uma safra e
outra. É uma estratégia importante do ponto de vista da sustentabilidade.
Existem outras como rotação de cultura e também pecuária integrada no ambiente,
num sistema de lavoura.
Além dessas, o plantio direto não mexe demais nesse
solo, não utiliza vários mecanismos e maquinários que retiram parte da umidade
e acabam agredindo o ambiente. No plantio direto o cultivo conserva a palhada
anterior e tem mais umidade. O primeiro impacto é a preservação de água, porque
fica mais úmido, segundo é que este sistema tem mais microorganismos — o que é
bom para o solo.
O Brasil adota essa prática em quase 60% das suas
terras de agricultura, e no restante do mundo essa porcentagem é super baixa.
Na Europa representa apenas 5%. É uma prática conservacionista do ponto de
vista ambiental que deve ser utilizada porque preserva as condições do
solo.
Outra tecnologia que pode ser aprimorada é ter
produtos com valor nutricional maior, produtos alimentares com mais fibras,
mais vitaminas. Isso faz que se consiga produzir no mesmo espaço produtos mais
nutritivos, o que é bom para o meio ambiente e para as pessoas.
Qual diferença destes produtos para os
transgênicos?
Estas sementes não receberam genes de outros
organismos, são melhoradas geneticamente. Transgênicos recebem genes de outros
organismos, que podem ser de bactérias do solo, de outra espécie.
Esses outros produtos foram desenvolvidos para
entender como a gente pode trabalhar silenciando o gene ou aumentando a
expressão de outro gene, fazendo melhoramento genético — e não recebendo gene
de outros organismos.
Tudo o que a senhora falou agora me
remete à importância da pesquisa. Por outro lado, se vê contingenciamento de
recursos por parte do governo nessa área. Qual é o impacto do corte de verbas
para a ciência na agricultura brasileira nos próximos anos?
Desmanche de pesquisa e falta de recursos de
pesquisa, eu só consigo lamentar muito mesmo. Somos apoiadores da ciência,
pesquisadores brasileiros, e nessa entrevista estou citando tecnologias que
muitos institutos de pesquisa públicos têm testado e desenvolvido. Vejo que o
impacto na agricultura brasileira é ter uma limitação de oferta de produtos
para própria agricultura, vejo como algo muito ruim.
[Sem
verba para pesquisa] A gente pode deixar de promover o conhecimento, o
desenvolvimento do conhecimento e geração de produtos num futuro próximo. Uma
pena mesmo que o governo tenha essa percepção.
Ao mesmo tempo que as verbas para
pesquisas são cortadas, tem aumentado a aprovação de mais agrotóxicos. Só neste
ano, o governo liberou mais de 209 novos agrotóxicos, além de ter a mudança da classificação. Há um risco real de sermos contaminados com estes
agrotóxicos presentes nos alimentos?
Agrotóxicos são uma das ferramentas para o
produtor. Assim como eu e você, que somos consumidores, queremos produtos
seguros, a cadeia [produtiva] tem se organizado bastante nesse sentido, até
porque ela tem que atender às normas. A forma como as coisas são divulgadas
parece que é muito maior e pior do que realmente é, porque o nível de resíduo
que fica no alimento não tem impacto na nossa saúde. Nossa grande preocupação
sobre os agrotóxicos, na verdade, é com quem aplica, com que manuseia, porque
precisa utilizar equipamentos de proteção. Isso envolve educação no
campo.
O produtor é o sujeito com maior possibilidade de
exposição ao produto tóxico. Nós consumidores estamos distantes disso, mas
também é preciso ficar atento aos níveis de resíduos.
Eu gostaria que o supermercado abraçasse essa causa
e premiasse cada vez mais produtores que seguem as normas para entregar pra
gente os melhores produtos.
Enquanto a pecuária desmata Amazônia, a
soja desmata o cerrado. Como o consumidor hoje poderia rastrear a origem de
seus alimentos e se certificar que eles não estão vindo “de desmatamento”?
Essas crises relacionadas ao meio ambiente acabam
conscientizando o consumidor sobre de onde está vindo esse produto. Vejo que
isso vai trazendo consciência por parte do consumidor, e uma vez ele exigindo,
a cadeia vai se organizando dessa forma. Já existe soja certificada e ela é uma
soja altamente valorizada no mercado internacional — e tem que ser valorizada
aqui.
Por isso eu defendo que a gente premie a produção
sustentável e a gestão agrícola ambiental. Temos que valorizar o bom
agricultor, que esteja vinculado à sustentabilidade, e não deixar isso ser
visto de uma forma pejorativa e prejudicar os bons profissionais.
Quando você fala bons profissionais e
maus profissionais, quem é maioria na agricultura brasileira?
Os bons profissionais são maioria, com absoluta
certeza. Infelizmente, os maus profissionais têm maior visibilidade e as
tragédias ganham mais visibilidade, mas os bons produtores são maioria. Temos
que entender que os produtores estão produzindo no campo, eles não estão
fazendo propaganda, mandando mensagens, não estão se comunicando. Por isso é importante
reconhecer as boas práticas do mercado.
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