sábado, 21 de setembro de 2019

Brasil abraça tecnologias mais sustentáveis e produtivas no campo, diz bióloga



Diretora-executiva do CIB afirma que maus produtores são minoria no País, mas critica cortes do governo em pesquisas.
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A agropecuária brasileira está no olho do furacão nas últimas semanas devido aos incessantes incêndios na Amazônia. A pecuária e o cultivo de soja ilegal na região foram apontadas como razões para o aumento de queimadas nos estados que constituem a Amazônia Legal.
Diante do cenário em que muitos consumidores se perguntam de onde vem seus alimentos — e qual a influência dessas produções ao meio ambiente, a bióloga Adriana Brondani, diretora-executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB), ressalta que o agronegócio no Brasil adota práticas sustentáveis e que os produtores que vivem na ilegalidade, que desmatam e queimam florestas, “são minoria”.
“O que vemos aí na TV [agricultura ilegal], na verdade, não é a regra. Vemos por parte do produtor uma preocupação muito grande para atender os requisitos de produção de forma sustentável”, conta Brondani, que é doutora em Bioquímica e Biologia Molecular e professora do MBA em Agronegócio da USP. 
Diante das críticas ao agronegócio brasileiro, a cientista sai em defesa dos agricultores e diz que o Brasil investiu muito em tecnologias dentro do campo, com as quais é possível produzir mais e utilizar menos recursos naturais, como terras e água.
Em entrevista ao HuffPost, ela explica os instrumentos mais utilizados pelos produtores brasileiros, os avanços do setor para uma agricultura mais sustentável e menos exploratória e os desafios do setor em um governo que não investe em pesquisa ― que para ela, é peça-chave para suprir demandas de um futuro próximo, com mudanças climáticas e população crescente.

Adriana Brondani é diretora-executiva do Conselho de Informações sobre Biotecnologia, uma ONG e associação civil sem fins lucrativos.

HuffPost: O Brasil está caminhando para uma produção sustentável? O que a agricultura brasileira está fazendo para economizar recursos naturais, como terra e água?
Adriana Brondani: Acho que um caminho que estamos seguindo cada vez mais é utilizar o máximo de tecnologia dentro do campo. Por exemplo, utilizamos sementes que têm um máximo de produtividade, e dados já mostram que há economia de terra. Economizamos no momento em que fomos criando sementes mais resistentes. Ao incorporar essas ferramentas do campo para ter economia dos recursos naturais, como terra, vou economizar consequentemente outros insumos de modo geral. O Brasil teve um aumento de produção de grãos, que chega a 70%, ao longo destas últimas décadas. No mesmo período, não tivemos aumento de áreas de produção, seja soja ou milho. Ou seja, é possível, com tecnologia dentro da semente, ter lavouras mais produtivas e, assim, usar menos áreas.
Existem também sementes que são tolerantes a áreas degradadas, pouco produtivas. Então, produtos que são alimentos e que conseguem ser produzidos nesses ambientes inóspitos significam economia de terras. 
Outra tendência é o uso de tecnologia para aumentar produção com alta precisão. Hoje já existem ferramentas que mostram a quantidade de água para lavoura, sensores monitoram a questão hídrica dessa planta, se está faltando água ou manifestando doença. Isso se chama agricultura digital e já é realidade.
O Brasil abraça tecnologias para que possa lidar com fatores globais, como mudanças climáticas e produzir mais alimentos sem utilizar mais recursos. Existem diversas empresas privadas, universidades e centros de pesquisa trabalhando em uma série de ferramentas, que vão da semente até tecnologia para trabalhar com alta precisão de insumos, sejam naturais ou artificiais. 
Em que passo o Brasil está nestes avanços tecnológicos? A agricultura brasileira está competitiva em comparação a outros países?
O Brasil tem alta tecnologia, mas ela precisa chegar aos pequenos produtores. É necessário desde educação até mais recursos financeiros para que nossa tecnologia possa ser estendida para toda a cadeia. Mas grandes produtores já têm mais acesso do que tiveram no passado. Somos um País que adota tecnologia, até porque agricultura é de extrema importância pra nossa economia. 
Mas é preciso sempre continuar pesquisando, por isso considero lamentável o corte do governo para pesquisas, porque temos recursos humanos para desenvolver essas tecnologias e interesse do produtor, que quer mais produtividade e rentabilidade. Temos excelentes consumidores. 
Mas falta alguma tecnologia? Podemos melhorar nessa questão? 
Sempre dá para melhorar, mas somos muito competitivos. Tenho visto muitas empresas que trabalham em softwares para o campo. Temos condições, sim, de fazer agricultura com alta precisão e preservar o meio ambiente. O que vemos aí na TV [agricultura em áreas ilegais], na verdade, não é a regra. Vemos por parte do produtor uma preocupação muito grande para atender os requisitos de produção de forma sustentável. 
Os inseticidas e fungicidas entram para o controle de pragas e doenças, porque isso precisa ser feito como tratamento de qualquer saúde — da planta, dos animais ou do homem.
Existem outros modos de produzir que agridem menos o meio ambiente, como a agroecologia, mas ela ainda representa muito pouco de tudo que produzimos. Por que não temos mais produtores utilizando esses meios de cultura sustentáveis? Quais as principais barreiras?
Agroecologia é mais uma forma de produzir, como a cultura orgânica. A limitação que a gente encontra é desse atendimento de produção em maior escala. Ela tem condições de atender, em algumas esferas, pequenas produções, pequenas demandas, mas nossa dificuldade é em âmbito nacional. Seria interessante se conseguirmos aplicar alguns princípios da agroecologia em larga escala.
Mas a agroecologia, como a cultura orgânica, são modos que estão crescendo porque existe mercado e preocupação do consumidor. No entanto, não se sustenta do ponto de vista do tamanho do Brasil e das condições ambientais que temos. Você já deve ter ouvido que nosso país é tropical e, portanto, temos todos os desafios que envolvem uma agricultura tropical. Existem regiões que a agroecologia consegue atender, mas 100% do território é muito complicado. 
Então seria impossível, na sua opinião, ter uma produção agrícola sem agrotóxicos?
Não diria só agrotóxicos, mas insumos no geral. Estamos falando de insumos que são colocados no solo, porque só matéria orgânica não consegue suprir. Existem solos no Brasil que são muito pobres, e sabemos que solo pobre não produz alimento. As adversidades são altíssimas para alguns produtores.
A solução, ao meu ver, é dar condições para esses produtores usarem ferramentas com alta precisão. Assim, se utiliza menor quantidade de insumos e tem uma aplicação mais correta. 
Quando fala insumos, o que entra nisso? 
Fertilizantes, inseticidas, fungicidas. Fertilizantes compõem o que o solo acaba exigindo, os inseticidas e fungicidas entram para o controle de pragas e doenças, porque isso precisa ser feito como tratamento de qualquer saúde, pode ser da planta, da saúde animal ou humana. Tudo isso com bastante respeito ao consumidor, ao meio ambiente e ao solo. Muitos produtores têm bastante consciência e preocupação com o solo, pois ele precisa perdurar ao longo de várias gerações.  
É possível, com tecnologia dentro da semente, ter lavouras mais produtivas e, assim, usar menos áreas de produção.

"Existem regiões que a agroecologia consegue atender, mas 100% é muito complicado", explica bióloga sobre condições do solo brasileiro.
Quais sistemas de produção que o Brasil utiliza ou pode utilizar que são  sustentáveis?
O Brasil é um dos poucos países que utilizam uma prática que se chama plantio direto, que não revira a terra entre uma safra e outra. É uma estratégia importante do ponto de vista da sustentabilidade. Existem outras como rotação de cultura e também pecuária integrada no ambiente, num sistema de lavoura. 
Além dessas, o plantio direto não mexe demais nesse solo, não utiliza vários mecanismos e maquinários que retiram parte da umidade e acabam agredindo o ambiente. No plantio direto o cultivo conserva a palhada anterior e tem mais umidade. O primeiro impacto é a preservação de água, porque fica mais úmido, segundo é que este sistema tem mais microorganismos — o que é bom para o solo. 
O Brasil adota essa prática em quase 60% das suas terras de agricultura, e no restante do mundo essa porcentagem é super baixa. Na Europa representa apenas 5%. É uma prática conservacionista do ponto de vista ambiental que deve ser utilizada porque preserva as condições do solo. 
Outra tecnologia que pode ser aprimorada é ter produtos com valor nutricional maior, produtos alimentares com mais fibras, mais vitaminas. Isso faz que se consiga produzir no mesmo espaço produtos mais nutritivos, o que é bom para o meio ambiente e para as pessoas.
Qual diferença destes produtos para os transgênicos?
Estas sementes não receberam genes de outros organismos, são melhoradas geneticamente. Transgênicos recebem genes de outros organismos, que podem ser de bactérias do solo, de outra espécie.
Esses outros produtos foram desenvolvidos para entender como a gente pode trabalhar silenciando o gene ou aumentando a expressão de outro gene, fazendo melhoramento genético — e não recebendo gene de outros organismos. 
Tudo o que a senhora falou agora me remete à importância da pesquisa. Por outro lado, se vê contingenciamento de recursos por parte do governo nessa área. Qual é o impacto do corte de verbas para a ciência na agricultura brasileira nos próximos anos? 
Desmanche de pesquisa e falta de recursos de pesquisa, eu só consigo lamentar muito mesmo. Somos apoiadores da ciência, pesquisadores brasileiros, e nessa entrevista estou citando tecnologias que muitos institutos de pesquisa públicos têm testado e desenvolvido. Vejo que o impacto na agricultura brasileira é ter uma limitação de oferta de produtos para própria agricultura, vejo como algo muito ruim.
[Sem verba para pesquisa] A gente pode deixar de promover o conhecimento, o desenvolvimento do conhecimento e geração de produtos num futuro próximo. Uma pena mesmo que o governo tenha essa percepção.
Ao mesmo tempo que as verbas para pesquisas são cortadas, tem aumentado a aprovação de mais agrotóxicos. Só neste ano, o governo liberou mais de 209 novos agrotóxicos, além de ter a mudança da classificação. Há um risco real de sermos contaminados com estes agrotóxicos presentes nos alimentos?
Agrotóxicos são uma das ferramentas para o produtor. Assim como eu e você, que somos consumidores, queremos produtos seguros, a cadeia [produtiva] tem se organizado bastante nesse sentido, até porque ela tem que atender às normas. A forma como as coisas são divulgadas parece que é muito maior e pior do que realmente é, porque o nível de resíduo que fica no alimento não tem impacto na nossa saúde. Nossa grande preocupação sobre os agrotóxicos, na verdade, é com quem aplica, com que manuseia, porque precisa utilizar equipamentos de proteção. Isso envolve educação no campo. 
O produtor é o sujeito com maior possibilidade de exposição ao produto tóxico. Nós consumidores estamos distantes disso, mas também é preciso ficar atento aos níveis de resíduos.
Eu gostaria que o supermercado abraçasse essa causa e premiasse cada vez mais produtores que seguem as normas para entregar pra gente os melhores produtos.
Enquanto a pecuária desmata Amazônia, a soja desmata o cerrado. Como o consumidor hoje poderia rastrear a origem de seus alimentos e se certificar que eles não estão vindo “de desmatamento”?
Essas crises relacionadas ao meio ambiente acabam conscientizando o consumidor sobre de onde está vindo esse produto. Vejo que isso vai trazendo consciência por parte do consumidor, e uma vez ele exigindo, a cadeia vai se organizando dessa forma. Já existe soja certificada e ela é uma soja altamente valorizada no mercado internacional — e tem que ser valorizada aqui.
Por isso eu defendo que a gente premie a produção sustentável e a gestão agrícola ambiental. Temos que valorizar o bom agricultor, que esteja vinculado à sustentabilidade, e não deixar isso ser visto de uma forma pejorativa e prejudicar os bons profissionais.  
Quando você fala bons profissionais e maus profissionais, quem é maioria na agricultura brasileira?
Os bons profissionais são maioria, com absoluta certeza. Infelizmente, os maus profissionais têm maior visibilidade e as tragédias ganham mais visibilidade, mas os bons produtores são maioria. Temos que entender que os produtores estão produzindo no campo, eles não estão fazendo propaganda, mandando mensagens, não estão se comunicando. Por isso é importante reconhecer as boas práticas do mercado. 

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