Sou adepta a educação das crianças de forma não violenta, mas o que fazer quando o outro não é?
Mariana Wechsler* Publicado em 22/06/2022
O meu primeiro atendimento da semana começou com uma mãe, que dizia ser estudiosa em relação ao desenvolvimento físico e emocional da criança, adepta a educação não violenta e contou fazer terapia semanalmente para entender os motivos de sua falta de paciência e explosões repentinas com alguns comportamentos de seus filhos.
Mas a questão primária que ela me trouxe foi: “Meu casamento está arruinado, não conseguimos concordar e temos divergências na criação das crianças”.
Uma das questões mais intensas quando falamos sobre a criação de filhos são as divergências entre os adultos envolvidos, ou seja, quando cada um tem percepções totalmente diferentes sobre o que é certo e o que é errado na educação ou sobre como cada desafio deve ser resolvido na dinâmica familiar.
Esse tipo de descompasso pode levar a uma ruptura entre casais. Para os ex-casais, essa falta de coerência na educação da criança alimenta a falta de diálogo saudável e corrói ainda mais uma delicada relação.
Imagine que são dois ou mais seres humanos, cada qual com seu DNA, com sua criação, sua personalidade e ambos educando um ser humaninho. É muito difícil haver concordância em tudo.
Haverá discordâncias em relação à escolha da escola, alimentação, ao uso de telas, enfim, em todas as coisas importantes para o desenvolvimento da criança. Diferente das divergências entre preferências cotidianas, gostar mais de pizza ou hambúrguer, apartamento ou casa.
As discordâncias na criação de filhos causam muitas mágoas e diante de situações de discordância, os adultos acabam brigando ou algum dos lados “engole o sapo”, sem diálogo e com muito ressentimento.
Respeitar as diferentes formas de educação não é simples pois em geral, existe uma resistência a se abrir para tudo aquilo que desconhecemos e nas relações familiares não poderia ser muito diferente.
É importante ficar alerta para perceber quando essa postura nos coloca em uma posição de embate sempre que alguém discordar da maneira como criamos a criança ou quando a pessoa agir de forma diferente da nossa expectativa.
Ouço muitas queixas relacionadas a sogra que não respeita, a mãe que não colabora, ou o outro adulto responsável pela criança que possui um estilo parental diferente e, até mesmo, uma comunicação violenta com a criança.
Precisamos aceitar que não controlamos como o mundo se relaciona com a criança e que, mesmo que a gente se esforce, ainda assim, não conseguiremos mudar ninguém. Se nosso foco for em nós mesmos, já será um trabalho intenso, cuidar daquilo que está sob nosso controle, ou seja, cuidar das nossas próprias emoções e sentimentos.
É ilusão acreditar que todas as pessoas irão desenvolver o mesmo tipo de relação com a criança que nós. Mas a boa notícia é que a criança é capaz de compreender como cada adulto se relaciona com ela. Diante das diferenças que surgem, o mais importante é estabelecer limites que mantenha a criança em segurança e fora de risco para a saúde física e mental.
Uma vez que foge da sua responsabilidade e controle definir o relacionamento da criança com as demais pessoas que ela se relaciona, que tal tentar olhar, com mais atenção, para a relação que você está cultivando?
Precisamos começar a ampliar o entendimento do nosso papel como mãe, pai e cuidador.
A perspectiva de que vamos educar a criança pode nos trazer a sensação de que ela é nossa “propriedade”, e aquilo que é nosso precisa ser controlado. Imagine que, na realidade, são as crianças que tem a missão de vir a este mundo para nos educar, para que a gente liberte nossas amarras do ego, do controle e se entregue ao incrível processo de observar o nascimento, acompanhar o crescimento e se colocar á disposição na orientação do desenvolvimento.
Consigo imaginar o quanto é difícil presenciar a cena de um adulto que não consegue resolver qualquer assunto de forma respeitosa com base no diálogo, aquele que sempre responde num tom acusatório, com ameaças ou irritação.
São nossas crianças que nos mostram nossa pior e nossa melhor versão. São com eles que somos capazes de manifestar aquilo que escondemos até mesmo de nós mesmo.
Como pais queremos ter relacionamentos afetuosos e significativos com os nossos filhos. Para que isso aconteça é crucial entender o papel das nossas emoções que inundam nosso corpo.
A consciência das próprias emoções e a habilidade de partilhar respeitosamente nos trás a capacidade de manifestar empatia sobre as emoções dos nossos filhos, o que é a base para uma conexão profunda.
Imagine que a criança entra em casa após brincar no quintal, com alguns insetos em um pequeno vidro aberto.
Ela diz empolgada: “Veja o que eu encontrei, eles são de vários tamanhos, olhe esse que pernas enormes”
Mas você só vê a possibilidade dos insetos e da terra se espalharem pela casa. E você responde algo de forma automática e severa: “Tire esses bichos daqui, vai sujar todo o chão, eles estão sujos”
E a criança insiste: “Mas olha como são coloridos, as patinhas são enormes”.
Você dá uma olhada sem muito interesse, e arrasta a criança pelo braço até a porta dizendo que os insetos devem ficar do lado de fora da casa.
Nessa situação a experiência emocional da criança foi completamente ignorada e sua alegria não foi compartilhada. Uma conexão emocional significativa teria valorizado essa experiência e você teria compartilhado sua empolgação e descoberta.
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Isso não significa que você tenha que viver com bichos dentro de casa, só quer dizer que é importante se sintonizar com a experiência emocional da criança antes de mudar o comportamento externo.
Esse não é um movimento fácil e automático, mas o autoconhecimento e a vontade de criar conexões profundas com a criança é o primeiro passo para prestarmos atenção no que sentimos e mudar a rota das nossas ações.
O entendimento emocional requer consciência plena de nosso estado interno, assim como estar aberto a esse entendimento e respeitar o estado de espírito dos filhos. É preciso ver a situação pelo ponto de vista deles e do nosso, o que é muito difícil quando não estamos cientes de nossas emoções ou estamos paralisados por questões não resolvidas que nos fazem reagir de maneira “automática” capazes de frustrar a oportunidade de manter a sintonia com a criança.
Processos de autoconhecimento são um caminho sem volta. Uma vez que você experimenta se olhar de forma honesta atravessando o incomodo de se encarar de frente, há um fortalecimento que é difícil de explicar, mas que nos transforma de dentro para fora.
Seja sua melhor amiga em primeiro lugar, seja a pessoa Fantástica que você é.
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*Mariana Wechsler, Educadora Parental, especialista em educação respeitosa, budista há mais de 34 anos e formada em Comunicação. Mãe de Lara, Anne e Gael. Escreve sobre parentalidade consciente, sobre os desafios da vida com pitadas de ensinamentos budistas e suas experiências morando fora do Brasil, longe de sua rede de apoio. Acredita que as mães precisam aprender a se cuidar e se abraçar, além de receberem apoio e carinho. Sempre diz: “Seja Fantástica! Seja sempre a sua melhor amiga”.
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