A população alemã pode ficar orgulhosa: em 2021, o número de mulheres nas diretorias das maiores companhias do país atingiu um recorde absoluto. Trata-se de um triunfo da vontade política sobre a inércia e as arcaicas visões de mundo que mantêm a Alemanha presa ao passado.
Não me entendam mal: a situação ainda é altamente embaraçosa. Novos dados da rede de consultoria empresarial EY indicam que essa cifra recorde é de 13,4%, 2,4% a mais do que no ano anterior. Isso, após anos com a Alemanha se arrastando atrás, por exemplo, dos Estados Unidos, França e Suécia, onde em 2020 pelo menos um quarto dos cargos executivos das 30 principais empresas listadas na bolsa de valores de cada país já era ocupado por mulheres.
Talvez – apenas talvez – o gosto crescente dos alemães por "girl power" tenha algo a ver com a lei aprovada em meados de 2021, penalizando grandes companhias listadas na bolsa que não tenham nenhuma executiva em sua diretoria.
Esse novo recorde mostra que quotas e outras intervenções políticas são os instrumentos certos para conferir às mulheres (e a outros grupos em desvantagem) seu devido quinhão de oportunidades. E que deveriam ser usadas para atacar a desigualdade de gênero ao longo de toda a cadeia de abastecimento de recursos humanos.
Progressiva no papel, arcaica na prática
Por exemplo: embora, no papel, a Alemanha tenha uma política de licença-maternidade progressiva e equitativa, na prática atitudes antiquadas quanto aos papéis de gênero e a lacuna salarial desencorajam as mulheres de perseguirem uma carreira, como fazem seus maridos e parceiros.
Exigir que o pai fique em casa mais tempo após o nascimento de um filho (e compensá-lo por isso) removeria a pressão cultural e financeira para que ele volte a trabalhar, também nivelando o campo de ação para quando as mães assalariadas retornem à vida profissional.
Outro problema é o regime fiscal do país: atualmente se um dos cônjuges ganha bem menos do que o outro, a lei o desincentiva veementemente de trabalhar. Uma vez que, em média, as mulheres ganham 18% menos do que os homens, nas relações heterossexuais são quase sempre elas que renunciam.
Outro aspecto: como a Alemanha se destaca nos setores de manufatura e engenharia, tradicionalmente de dominação masculina, um argumento que logo se escuta é que o contingente feminino qualificado para um cargo executivo não seria suficientemente amplo.
Hoje em dia, esforços direcionados de universidades e Estado aumentaram a paridade de gêneros nos campos de estudo favorecidos pelos homens, como ciência, tecnologia, engenharia e matemática (CTEM). Em 2019, 24% dos estudantes de engenharia mecânica da Alemanha eram do sexo feminino, segundo o Pacto Nacional para Mulheres em Carreiras CTEM.
Imagine-se os contingentes dinâmicos de talentos que se formariam, caso se exigisse que esses programas de graduação treinassem uma certa proporção de mulheres. Setores dominados por elas, como educação e enfermagem, também lucrariam com quotas semelhantes para homens.
Vontade de mudança move montanhas
Há quem provavelmente ache que tais medidas sequer sejam necessárias, para início de conversa, constituindo uma distração da atividade quotidiana de fabricar automóveis, máquinas ou produtos químicos. Essa é sempre uma deixa para o outro lado exibir aqueles estudos mostrando como equipes diversificadas resultam em desempenho econômico superior.
Isso talvez convença os cínicos mais gananciosos entre nós, mas claramente não convenceu os líderes empresariais alemães, que só passaram a contratar executivas diante das ameaças de medidas coercivas.
O argumento econômico não é apenas ineficaz: ele também é irrelevante. Numa sociedade democrática, as oportunidades profissionais disponíveis não deveriam depender de quão lucrativo meu gênero, raça, religião ou orientação sejam para o meu empregador.
A Alemanha é um país com uma tendência acima da média ao consenso, e muitas vezes lento para mudar. Esta nova safra de executivas mostra, contudo, que uma vontade de progresso é capaz de romper barreiras.
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Kristie Pladson é jornalista da DW. O texto reflete a opinião pessoal da autora, não necessariamente da DW.
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