Marcia Castro
Professora de demografia e chefe do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública de Harvard
Há expansão dos agrotóxicos, mas e a saúde?
No Brasil, valor máximo permitido de resíduos de agrotóxico na água e nos alimentos diverge de padrões internacionais
Um estudo recente mostrou que, entre 2004 e 2010, o uso de glifosato (o agrotóxico mais utilizado no Brasil) no cultivo da soja contribuiu para um aumento de 5% na mortalidade infantil em municípios das regiões Sul e Centro-Oeste cuja água se origina em áreas sojicultoras. Os resultados foram contestados pela Bayer, dona da Monsanto, empresa que lançou o glifosato (e que comercializa a soja transgênica Roundup Ready). Nos Estados Unidos, a Bayer responde a milhares de processos legais associando o uso de glifosato com câncer.
Essa é uma discussão antiga. Vários estudos laboratoriais e populacionais analisam agravos à saúde da população devido ao uso de agrotóxicos. Em 2015, a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) lançou um documento detalhado sobre os impactos dos agrotóxicos na saúde. Dois anos depois foi lançado o atlas do uso de agrotóxicos. Ambos discutem impactos na saúde humana e ambiental, e trazem à tona questões importantes sobre regulação.
No Brasil, o valor máximo permitido de resíduos de agrotóxico na água e nos alimentos diverge de padrões internacionais (para vários produtos). Por exemplo, o limite aceitável de glifosato na água utilizado no Brasil é de 500 microgramas/L, 5.000 vezes maior que o limite adotado na Europa!
Entre 2014 e 2017, cerca de 47% dos municípios brasileiros monitoraram a qualidade da água. Destes, mais da metade detectou a presença de todos os 27 agrotóxicos testados, 21 dos quais têm o uso proibido na Europa, e dez que já foram proibidos no Brasil. Razões para proibição incluem distúrbios endócrinos, efeitos cancerígenos, alterações metabólicas, e problemas reprodutivos. A Europa, entretanto, lucra com a exportação de produtos banidos, e o Brasil está entre os importadores.
Os 27 produtos cujo monitoramento é previsto por lei são uma parcela mínima dos agrotóxicos com uso aprovado no Brasil. De 2000 a 2021, 4.551 produtos foram aprovados, um terço destes entre 2019 e 2021, no atual governo. Vários desses produtos são proibidos em outros países. Além disso, não há no Brasil uma política de reavaliação sistemática de agrotóxicos, a não ser mediante um pedido. Nos Estados Unidos a reavaliação é feita a cada 15 anos, no Japão a cada 3, e na Europa a cada 10. O glifosato, por exemplo, deve ser banido da França a partir deste ano, e da Alemanha até 2023.
Apesar disso, em outubro de 2021, o decreto 10.833 flexibilizou a lei dos agrotóxicos. Produtos que comprovadamente causam câncer e má formação fetal, atualmente não aprovados para uso, podem ser autorizados respeitando limites de segurança. O Ministério da Agricultura ganha protagonismo na definição desses limites seguros, além de assumir a responsabilidade de monitorar os resíduos de agrotóxicos em produtos de origem vegetal e animal. Não faz sentido essas atividades não serem responsabilidade do Ministério da Saúde.
A mudança da lei contribuirá para aumentar o lucro no mercado de agrotóxicos. Mas a que custo humanitário? Essa mudança se alinha com outras estratégias do governo que contribuíram para o aumento do desmatamento, do garimpo ilegal, e da morte de mais de 622 mil brasileiros pela Covid-19.
E por falar em Covid, impossível não comentar sobre a decisão do Ministério da Saúde de rejeitar o protocolo de contraindicação do "kit Covid", ignorando a recomendação aprovada pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias (Conitec). A decisão acontece depois de tudo que foi exposto pela CPI da pandemia, e apesar da recomendação da Organização Mundial da Saúde (contrária ao uso da cloroquina). A decisão levou em conta argumentos expostos em uma nota técnica que sugere haver evidência de segurança e efetividade no uso da cloroquina para tratamento da Covid-19, mas não no uso da vacina. O documento é uma vergonha!!
Triste o Ministério da Saúde que, liderado por um médico, pauta ações no negacionismo e na disseminação de mentiras, e não em sua missão precípua de "promover a saúde e o bem-estar de todos". Triste o governo que não prioriza o direito à vida.
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