terça-feira, 18 de janeiro de 2022

Homem das cavernas

Bolsonaro abre oportunidade para obras de infraestrutura dizimarem belezas do subsolo

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Caverna em Pessegueiros, no município de Lages, em Santa Catarina - Raphael Zulianello/iShoot/Folhapress

A sanha desregulamentadora do governo Jair Bolsonaro (PL) no campo ambiental chegou ao subterrâneo. Decreto do presidente abriu a porteira para cavernas, grutas, lapas, tocas, abismos ou furnas de relevância máxima serem destruídos para dar lugar a projetos de infraestrutura.

Cavidades naturais recebem proteção legal e são classificadas em quatro graus de importância
—máxima, alta, média e baixa. Até o decreto, as primeiras não podiam sofrer impactos irreversíveis.
Com a norma, órgãos ambientais ficam autorizados a declarar cavernas passíveis de dano definitivo quando o empreendimento planejado for de utilidade pública.

Teme-se que autoridades federais, estaduais e municipais adotem critérios frouxos e permitam inutilizar esses patrimônios naturais para obter arrecadação.

As exigências estipuladas no decreto são custear compensações para impactos (por exemplo, em benefício de outra cavidade similar) e não gerar extinção de espécies no local alterado.

Arqueólogos, espeleologistas e ambientalistas em geral avaliam tais condições como insuficientes.
Em primeiro lugar, não se explicita que a compensação para dano em caverna de relevância máxima ocorra em outra da mesma categoria.

Quanto às espécies, a eventual extinção só poderá ser determinada a posteriori, pois nem o mais minucioso estudo logrará predizer as consequências da alteração.

Cavernas são ambientes frágeis que costumam abrigar espécies endêmicas, como populações diminutas de peixes e insetos só encontrados naquele espaço. Uma vez perturbado o equilíbrio, organismos desaparecerão para sempre.

Haverá quem defenda que rodovias, mineradoras ou linhas de transmissão falam mais alto, mas o poder público não pode ignorar que essa não é a visão predominante na sociedade. Normas ambientais existem para proteger esses bens naturais, segundo limites ditados por consensos possíveis.

Em cada empreendimento, há que compatibilizar valores e motivações em conflito no caso concreto. Para tomada de decisão, não convém alocar poder excessivo a atores interessados, como governantes e empresários.

Cavernas de relevância máxima deveriam permanecer como são e estão, em modificação somente pela ação do tempo desde muito antes de existirem a espécie humana e governos predatórios.

editoriais@grupofolha.com.br

 

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