A inteligência artificial substituirá humanos em funções que necessitem
de habilidades mecânicas. Entenda por que quem entende poesia se destacará no
futuro
Por Filipe Vilicic
Se os robôs estão
cada vez mais parecidos conosco, o melhor é apostarmos nas habilidades que
fazem de nós (e só nós) humanos (Fred Dufour/AFP)
São
cada vez mais frequentes as leituras – livros, reportagens, estudos científicos
etc. – que apontam os prováveis
efeitos da chegada dos robôs ao mercado de trabalho. Ontem (19) me deparei com uma de abordagem
distinta, em texto que sem querer flertou com essa discussão (mesmo pouco
trazendo sobre a mesma). Não se falavam das máquinas, diretamente, e de como
estas deixarão humanos defasados, tornando-os descartáveis, em alguns tipos
de empregos. O tema da pauta era, na verdade, de como a inteligência
emocional é cada vez mais valiosa para as empresas. Após a leitura,
todavia, veio-me o questionamento: por que será que agora estão cada vez mais
valorizando habilidades como calma, empatia, autoconfiança?
Mesmo
os levantamentos comedidos, como um realizado pela consultoria estadunidense
McKinsey, indicam que em torno de 50% das profissões tidas como de atividades
repetitivas – dirigir um carro; reparar um equipamento; fazer cálculos – serão
automatizadas já na próxima década. De acordo com o Fórum Econômico Mundial, 5
milhões de vagas serão extintas em dois anos, em todo o planeta, pois suas
funções passarão a ser executadas por programas de inteligência
artificial (IA). Nos cálculos mais assombrosos, como os da organização
inglesa Nesta, que apoia projetos de inovação na Europa, estima-se em 70% a
porcentagem de empregos que serão extintos nas décadas vindouras.
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O
que há de comum a todas as profissões sob risco? Tratam-se de atividades mecânicas,
calculistas, que abrangem de engenharia de dados ao gerenciamento mais, digamos
assim, mecanizado – calcado em metas meramente numéricas, no método de produção
do fordismo etc. – de indivíduos. É frequente notar, nas listas de carreiras com
os dias contados, de árbitros de futebol e motoristas a seleção de RH,
contadores, alguns gêneros de advogados e engenheiros, e administradores cujas
funções são a de cobrar e de checar resultados com base em dados brutos.
Uma
pesquisa realizada em 2011 pela Universidade Stanford (EUA), com mais de 100 dos
mais respeitados especialistas em IA, perguntou aos cientistas: “Quando a inteligência
da máquina vai se equiparar à humana?” e ainda “Quando vai superá-la?”. Você
poderia agora tirar o iPhone do bolso e falar: “Mas o meu celular já não é mais
inteligente do que eu?”. Alguns podem achar incrível a constatação: não, não é.
Robôs hoje são bem melhores do que nós
em contas matemáticas, em garimpar o Google atrás de uma informação, ou mesmo
em guiar um carro pelas ruas de uma cidade, de forma segura. No entanto, eles
não são criativos – não conseguem fundar do zero uma escola artística, por
exemplo –, nem empáticos – não serviriam de bons líderes de movimentos sociais
–, muito menos hábeis em deduzir (recordando aqui um mantra do falecido Steve
Jobs, gênio fundador da Apple) o que as pessoas desejam, antes mesmo delas
desejarem – ou seja, antes mesmos de existirem dados que revelem as vontades,
as intenções, as ambições.
Mas
voltemos às questões erguidas em Stanford. “Quando a inteligência da máquina
vai se equiparar à humana?”. “Quando vai superá-la?”. Para os estudiosos seria
de 10% a probabilidade de robôs se igualarem ao nosso intelecto já em 2024; de
50%, em 2050; e de 90%, até 2070. E de 10% a chance de nos ultrapassarem em
dois anos após empatar conosco, e de 75% que isso ocorresse no prazo de trinta
anos seguidos do primeiro feito. Já existe um jargão para definir essa futura
máquina, teoricamente superior a nós em todos os aspectos cognitivos: seria a “superinteligência”.
Se
robôs serão tão mais incríveis, o que sobra a nós fazermos? Em vez de
apostarmos em nossas habilidades estritamente cognitivas, estritamente
racionais – nisso, os seres de
bytes e qubits serão mais avançados, afinal –, devíamos investir naquilo que nos faz
demasiadamente humanos: as emoções. É aí que entra a onda de pesquisas,
reportagens, livros etc. acerca das vantagens da chamada inteligência emocional
(IE).
Na
pauta citada no primeiro parágrafo deste texto, ressalta-se, de passagem, um
estudo da Harvard Business Review. Procurei pela pesquisa completa e ela traz
resultados interessantes. Por exemplo, empregados com maior IE são mais
competentes em apresentar novas perspectivas para negócios e em achar soluções
inovadoras. Entre as empresas que promovem iniciativas de incentivo à IE de funcionários
– prática usual, por exemplo, dentre empreitadas do Vale do Silício
californiano –, 64% dos executivos destas concluem que é justamente isso que
faz essas organizações terem “decisões claras e capacidade de lidar com
situações de risco”.
Empregados
com maiores capacidades de IE também costumam fazer com que as empresas nas
quais trabalham apresentem experiências acima de quatro vezes melhores com seus
clientes; conquistem quase o quádruplo de lealdade de consumidores; dentre
diversos outros benefícios em aspectos similares. Não só isso. As
companhias que promovem esse tipo de capacitação, além de fomentar ambientes
propícios ao desenvolvimento de líderes com IE – mais empáticos, calmos,
sensíveis a demandas de empregados e de clientes, com maiores habilidades de
percepção de mudanças drásticas no perfil das pessoas (incluindo no de
consumidores)… –, normalmente ainda têm maior êxito em atrair e manter
talentos. Isso porque a procura por “propósito de vida” aparece, pela primeira
vez em todas a gerações, como o principal atrativo para os chamados millennials,
os nascidos entre 1981 e 1996, e que hoje justamente representam o grupo que no
mercado é tido como o dos talentos em ascensão. O desejo pelo “propósito de
vida” está à frente até de interesses como o por “melhores recompensas” (em 2º
lugar).
A
valorização das habilidades emocionais, a IE, ascende justamente no momento em
que as nossas capacidades cognitivas estão próximas de serem superadas, em
praticamente todos os quesitos, pela inteligência artificial. A IA vai, sim,
exterminar uma série de vagas de empregos. Haverá, sim, aumento
de desemprego, em todo o planeta – a começar por em países ricos,
nos quais as inovações se popularizam antes. Não à toa figuras visionárias como
Mark Zuckerberg (manda-chuva do Facebook) e Elon Musk (Tesla, SpaceX, dentre
outras) defendem a proposta
da renda universal básica. Como suas próprias criações devem
incapacitar pessoas no mercado de trabalho, acreditam que também suas próprias
empresas deveriam se juntar para financiar iniciativas que busquem estabelecer
um salário mínimo, de sobrevivência, àqueles que serão descartados de vez pela
IA.
Por
outro lado, nesse mundo de algoritmos que começa a se estabelecer, e só tende a
crescer e dominar mais, aqueles com altos índices de IE tendem a se destacar.
Isso não só quando se pensam em indivíduos, mas também em marcas. Empresas que
compreendam como utilizar as máquinas por um lado, assim como as habilidades
exclusivamente humanas, por outro, tendem a ter maiores chances de alcançar o
sucesso em tal cenário. Isso porque algoritmos de gigantes como a Amazon, a
Microsoft, a Google, já darão conta de regrar aspectos – aqui, em simplificação
– exatos da vida. Caberá a humanos aprimorar capacidades como a de empatia para
se atentar a tudo aquilo que os robôs dessas empresas não conseguirão fazer.
O
que me faz recordar de Alphaville (1965), um clássico do
cinema, de Jean-Luc Godard. A magnífica obra prevê uma realidade governada pela
IA. Na ficção, de ar premonitório, o “pensar” robótico substituiu o pensamento
humano em muitas áreas. Em uma cidade, Alphaville, chega-se ao ápice de um computador
virar o ditador que orquestra toda a sociedade. É óbvio que o cenário só é bom
para os seres robóticos, não os de carne e osso. Mas então o herói do filme
descobre um método de colocar as máquinas em seus devidos lugares, retomando o
poder das pessoas. Como? Ele recita poesia. Disso, a IA não entende.
É
uma pena notar, no entanto, que boa parte dos indivíduos ainda insiste em
apostar na mecanização dos indivíduos. O mesmo levantamento da Harvard Business
Review revela que, nos EUA, somente 18% das empresas investem no conceito de
IE. Todo o restante ainda não acordou para o assunto. Esses não repararam que o
fordismo está ficando para trás. No futuro de muito breve, muitos apostam – em
uma só aparente ironia, principalmente aqueles que desenvolvem as tecnologias
que substituirão humanos, como as mentes por trás das inovações digitais do
Vale do Silício – que só sobreviverão aqueles que compreenderem essas novas
ideias. É, por exemplo, a conclusão de todos os levantamentos realizados pela
já citada organização inglesa Nesta.
Ou
seja, recorrendo à metáfora de Alphaville, o futuro será brilhante
para aqueles que recitam e entendem poesia. Mas não para os que apenas se atêm
às equações.
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